https://periodicos.ufpel.edu.br/ojs2/index.php/enfermagem/article/view/16980/11167

Weber A, Bueno GH, Godoy I. Perspectivas da oxigenoterapia domiciliar para pacientes com doença pulmonar crônica. J. nurs. health. 2020;10(1):e20101005

ARTIGO ORIGINAL

Perspectivas da oxigenoterapia domiciliar para pacientes com doença pulmonar crônica

Perspectives of home oxygen therapy for patients with chronic lung disease

Perspectivas de la oxigenoterapia domiciliaria para pacientes con enfermedad pulmonar crónica

Bueno, Giovanna Hass[1]; Weber, Aldair[2]; Godoy, Ilda de[3]

RESUMO

Objetivo: conhecer as perspectivas dos pacientes com Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica sobre o uso da Oxigenoterapia Domiciliar Prolongada. Métodos: estudo qualitativo, com 20 pacientes com diagnóstico de Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica, durante o primeiro trimestre de 2014, atendidos no Ambulatório de Oxigenoterapia em São Paulo. Foram utilizadas entrevistas semiestruturadas e Análise do Conteúdo. Resultados: a idade média foi de 69 anos, 70% do sexo feminino, 85% possuía escolaridade inferior ao ensino médio e 15% eram analfabetos. O tempo de uso médio de oxigenoterapia foi 3,3 ±2 anos. As categorias de análise foram: fortalezas da terapia, desafios da terapia, processo de luto e relação com a família. Conclusão: os pacientes experimentaram limitações em suas atividades diárias, sendo estas um ônus para eles. Conhecer as expectativas e experiências destas vivências auxiliam no cuidado mais humanizado e integral.  

Descritores: Oxigenoterapia, Qualidade de vida; Percepção; Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica.

ABSTRACT

Objective: to know the perspectives of patients with chronic obstructive pulmonary disease on the use of prolonged home oxygen therapy. Methods: qualitative study, with 20 patients diagnosed with chronic obstructive pulmonary disease, during the first quarter of 2014, attended at the oxygen therapy outpatient clinic in São Paulo. Semi-structured interviews and Content Analysis were used. Results: the average age was 69 years, 70% female, 85% had less than high school education and 15% were illiterate. The average use time of oxygen therapy was 3.3 ± 2 years. As categories of analysis were: strengthening of therapy, challenges of therapy, process of self-relationship and relationship with the family. Conclusion: patients experienced limitations in their daily activities, which are a burden for them. Knowing the expectations and these experiences helps in more humanized and comprehensive care.

Descriptors: Oxygen inhalation therapy; Quality of life; Perception; Pulmonary disease, chronic obstructive.

RESUMEN

Objetivo: conocer las perspectivas de los pacientes con enfermedad pulmonar obstructiva crónica sobre el uso de la terapia extendida de oxígeno en el hogar. Métodos: estudio cualitativo, con 20 pacientes diagnosticados con Enfermedad Pulmonar Obstructiva Crónica, durante el primer trimestre de 2014, atendidos en la Clínica Ambulatoria de Terapia de Oxígeno en São Paulo. Se utilizaron entrevistas semiestructuradas y análisis de contenido. Resultados: la edad promedio fue de 69 años, 70% mujeres, 85% tenían educación inferior a la secundaria y 15% eran analfabetas. El tiempo de uso promedio de la oxigenoterapia fue de 3.3 ± 2 años. Como categorías de análisis fueron: fortalecimiento de la terapia, desafíos de la terapia, proceso de auto-relación y relación con la familia. Conclusión: los pacientes experimentaron limitaciones en las actividades diarias, que son una carga para ellos. El conocimiento de las expectativas y estas experiencias ayudan en una atención más humanizada y integral.

Descriptores: Terapia por inhalación de oxígeno; Calidad de vida; Percepción; Enfermedad pulmonar obstructiva crónica.

INTRODUÇÃO


A Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC) é um importante problema de saúde pública no mundo e caracteriza-se por limitação do fluxo de ar, em geral progressiva, que não é totalmente reversível.1 Muitas pessoas sofrem dessa doença durante anos e morrem prematuramente decorrente da própria doença ou de suas complicações.2-3

A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima 210 milhões de pessoas com DPOC em todo o mundo e mortalidade anual superior a três milhões, sendo assim considerada a terceira causa de mortalidade da população, após doenças cardíacas e oncológicas. Espera-se que aumente mais de 30% da doença na próxima década.2,4-5

O tabaco é o fator de risco mais importante para esta doença, sendo responsável por 80-90% da morbidade.4 O percentual total de fumantes com 18 anos ou mais no Brasil é de 10,4%, sendo 12,8% entre homens e 8,3% entre mulheres.6

Segundo a Global Initiative for Chronic Obstructive Lung Disease (GOLD), a DPOC é classificada em quatro fases. Para pacientes que apresentam grau quatro (VEF1 <30% do previsto) é indicado à Oxigenoterapia Domiciliar Prolongada (ODP).1 A oxigenoterapia consiste num tratamento em que a pressão parcial do oxigênio no sangue arterial é aumentada por meio de uma maior concentração de oxigênio no ar inspirado, sendo uma terapia eficaz. Sua indicação baseia-se em dados gasométricos e clínicos.7

Conforme as diretrizes GOLD, o uso da ODP por período superior a 15 horas por dia, tem a finalidade de melhorar a hemodinâmica pulmonar, promover a melhora na prática de exercícios, reduzir a policitemia, ajudar na mecânica pulmonar e no estado mental do paciente.1

Além de benefícios proporcionados pela ODP, como melhoras nas condições clínicas e na vida social,8 os usuários também reconhecem que existem desvantagens no uso deste tratamento. Identificam alguns problemas, como dificuldade de mobilidade, desconforto com o cateter nasal e barulho relacionado ao aparelho.9 Destacam-se também, além das barreiras físicas, barreiras psicossociais e desafios emocionais, frisando o preconceito da sociedade frente a esse uso.10 Todas essas desvantagens dificultam a adesão ao uso da ODP, e limitam a percepção dos usuários sobre os benefícios clínicos do tratamento, podendo ser um fator de risco para exacerbações frequentes da DPOC, que frequentemente resultam em internações hospitalares e aumento nos custos dos cuidados à saúde.11

Diante da importância clínica da ODP e das dificuldades para aderência dos pacientes ao tratamento, o presente estudo tem como objetivo conhecer as perspectivas dos pacientes com Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica sobre o uso da Oxigenoterapia Domiciliar Prolongada

MATERIAIS E MÉTODOS

Trata-se de um estudo qualitativo, desenvolvido com 20 pacientes com diagnóstico de DPOC e em uso de ODP, atendidos no Ambulatório de Oxigenoterapia do Hospital das Clínicas de Botucatu, da Faculdade de Medicina de Botucatu (HC-FMB), localizado no interior do estado de São Paulo.

Os critérios de inclusão para participação do estudo foram: pacientes com diagnóstico de DPOC em uso de ODP por um período de tempo superior a um ano, atendidos no Ambulatório de Oxigenoterapia do HC-FMB, que residiam no município de Botucatu – São Paulo. Os critérios de exclusão foram para pacientes que apresentavam alguma confusão mental ou não conseguiam verbalizar.

A entrevista com os pacientes foi realizada, em momento único, no Ambulatório de Oxigenoterapia do HC-FMB, as segundas e quintas-feiras no período da manhã, em um ambiente reservado que garantia a privacidade do pesquisador e entrevistado durante todo o período, sendo que não houve nenhuma interrupção no momento da entrevista. O áudio foi gravado em sua totalidade e após o material foi transcrito pelo pesquisador. Os pacientes, para fins de garantia de anonimato, foram identificados com letras que lhes foi atribuída no momento das entrevistas (A à T).

A coleta de dados foi realizada, no segundo semestre de 2016, com uma amostra aleatória desses pacientes utilizando uma entrevista semiestruturada elaborada para este estudo. Entre as perguntas construídas para a entrevista, citamos algumas: “O que significa para você usar o Oxigênio?”, “O que mudou em sua vida depois que você começou a usar a ODP?”, “O que mudou na vida das pessoas que convivem com você em sua casa depois de começar a usar ODP?” e “Você tem atividade de lazer?”. A partir destas perguntas disparadoras, conduziu-se a entrevista, preconizando pelo princípio da livre associação de ideias.

O fechamento da amostra ocorreu a partir da utilização do conceito de saturação teórica, em que foi observado pelo pesquisador entrevistador a apresentação de conteúdo repetitivo e redundante, sendo este o momento em que o material obtido já “saturou” a pergunta de pesquisa, não sendo mais necessário novos participantes.12

Após a coleta dos dados, este foram analisados a partir do referencial teórico da análise de conteúdo de Bardin,13 ou seja, trata-se de um construto que utiliza diversas técnicas da dimensão da comunicação e tem como objetivo a organização sistemática e a descrição objetiva do conteúdo obtido em material coletado ou em mensagens emitidas. O método de análise de conteúdo é composto de três fases: a pré-análise, a descrição analítica e a interpretação inferencial.13

A pré-análise é a fase de organização do material e a sistematização de ideias iniciais em um plano de análise. Nesta fase, realizou-se a transcrição das gravações das entrevistas na íntegra e uma leitura flutuante dos textos, tomando contato exaustivo com o material.13

A seguir, na fase de descrição analítica, foram feitos o recorte e a escolha das unidades de registro, elegendo-as e codificando-as, mediante a convergência com o fenômeno. Desta forma, classificou-se as unidades temáticas sob um título genérico, com base em um grupo de elementos, num processo chamado de categorização. A categorização é a simplificação dos dados brutos para dados organizados.13

Na última fase, da interpretação inferencial, os dados foram desvelados para que se tornassem significativos e válidos, e a percepção dos pacientes em relação ao uso de ODP fosse compreendida.

O trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina de Botucatu/Universidade Estadual de São Paulo - parecer número 607.216 e Certificado de Apresentação para Apreciação Ética número 40762114.0.0000.5411. Para esta pesquisa foram seguidas as boas práticas na pesquisa conforme Resolução 466/2012, respeitando os princípios éticos e garantindo total sigilo e anonimato de informações individuais dos participantes.

RESULTADOS

A amostra foi constituída por 20 pacientes que apresentaram média de idade de 69 anos sendo 70% do sexo feminino, 15% eram analfabetos e 85% com escolaridade inferior ao ensino médio. Dentre os pacientes estudados, 19 eram ex-tagabistas. O sistema de ODP utilizado por todos os pacientes foi o concentrador de oxigênio acompanhado de cilindro reserva. O tempo médio de uso de ODP foi de 3,5 +1,9 anos e o tempo de uso diário de ODP foi de 16,8 ±3,7 horas.

A percepção que os pacientes atribuíram ao uso de ODP foram classificados em quatro categorias temáticas que são descritas a seguir:

Fortalezas da terapia

Os usuários relataram a melhora clínica da dispneia e cansaço, facilitando suas atividades diárias e melhorando sua capacidade funcional, como podemos observar nas seguintes falas:

A felicidade de conseguir passar o pano no chão, é ver que eu estou melhorando mesmo. (E)

Melhorou muito na falta de ar, o cansaço. Daí com ele eu consigo fazer mais coisas né? Porque ele me permite abaixar, levantar sem deixar sentir tanta falta de ar né? (I)

Antes de começar o oxigênio eu vivia no hospital de madrugada, com falta de ar, achando que ia morrer. Agora melhorou, nossa! (T)

Desafios da terapia

Para os pacientes, há muitas implicações envolvendo o uso da ODP, como piora do padrão do sono, lesões nas narinas, dificuldade de mobilidade, e aumento de custo com energia elétrica.

Esse mês paguei R$ 205,00. Aumentou muito ne? (H)

A noite que atrapalha um pouco. Atrapalha é o barulho. (K)

Ele me machuca bastante no nariz, chega a sangrar. (P)

Incomoda, enrosca o pé, é uma borrachinha cumprida que eu vivo me enroscando. (T)

Também verbalizam as implicações sociais com ênfase para o isolamento e perda da independência nas atividades da vida diária.

Minha vida ficou limitada. Por exemplo, eu não posso fazer tudo, viajar, essas coisas né? Porque tem que levar o aparelho. Você vai pôr no ônibus (suspiros) é difícil “[...]” É difícil “[...]” Então a gente o que faz, não viaja né? (C)

A gente não tem mais liberdade para sair, tudo que você vai fazer tem que ficar colocando o oxigênio. Eu falo isso pra eles “eu não vou, vocês podem ir sozinhos”. (G)

Na igreja parei de ir porque você sabe, as pessoas com preconceito. Olha pra você com aquele olho como quem diz “o que veio fazer aqui?”, daí eu parei de ir, estou voltando agora que eu consigo ficar sem ele. (Q)

O processo de luto

O luto aparece como um processo dinâmico e doloroso de mudança de representação em que o sujeito abandona esquemas e aprende outros, adaptando-se a uma nova realidade, como podemos observar:

No começo eu fiquei nervosa, mas agora já acostumei. Não tenho mais vergonha, eu tinha vergonha de usar o oxigênio, agora não tenho mais. As pessoas perguntam eu respondo. De primeira vinham perguntar, e eu não conseguia responder, começava a chorar, agora não, está tudo legal. (D)

Eu tento não pensar no pior, eu penso no melhor, porque no comecinho foi duro, psiquiatra, psicólogo!! Às vezes eu tenho algumas recaídas, mas daí eu olho para trás e vejo o quanto eu já melhorei, isso me anima [...] não vou dizer que eu era como antes, eu não sou. (E)

O luto também aparece nas falas por meio de um sofrimento profundo. Tristeza, desolamento, culpa e medo são emoções bastante comuns.

Porque eu estou sempre pensando. Sempre com aquele medo de passar mal. (H)

Eu fico pensando “meu Deus que que eu fiz pra mim mesma fumando... porque eu acabei com a minha vida... mudou demais [lacrimejou]. (M)

Relação com a família

Segundo relatos dos pacientes, houve alterações negativas nas relações e atividades familiares, em especial com cônjuge e filhos. Essas mudanças podem ser percebidas nas seguintes falas:

Também ficou limitada, coitada da minha esposa fica na mesma condição minha. Se eu não vou, ela também não vai, ela acha que não convém ir então não vai. (C)

O primeiro que mudou foi o marido. Ele não aguentou e me abandonou. (Q)

Quando as minhas duas filhas entraram no meu quarto, pela primeira vez que eu estava usando oxigênio, elas chegaram a chorar, ficaram bem nervosas. (P)

DISCUSSÃO

A percepção dos pacientes sobre o uso da ODP representa e demonstra suas relações com a própria vida, com a família, sociedade e a terapia. Os benefícios relatados pelos pacientes neste estudo estão relacionados com a melhora clínica, com possibilidade de realizar as atividades básicas do dia-a-dia e de manutenção da própria vida, que é o objetivo da ODP propriamente dito, ou seja, reduzir a hipoxemia tecidual durante as atividades cotidianas, melhorando a qualidade de vida e aumentando a sobrevida por melhorar as variáveis fisiológicas e sintomas clínicos.1

O uso da ODP apresentou-se como uma ferramenta para o aumento da capacidade funcional dos pacientes. Estes benefícios incluíram aumento da interação social, apreciação do estado de saúde e autogestão de suas atividades diárias. A maioria dos pacientes também percebeu benefícios no controle dos sintomas, tais como a melhora da falta de ar, das náuseas, do apetite e da cor da pele. As principais desvantagens identificadas nestes estudos foram diminuição da mobilidade, desconforto relacionado com os tubos nasais, barreiras ao acesso à terapia de oxigênio, e o ruído relacionada com o equipamento.9

A influência do sistema de fornecimento de oxigênio na Qualidade de Vida Relacionada à Saúde (QVRS) de pacientes com hipoxemia crônica demonstrou que a QVRS pode ser melhorada através do uso regular de ODP, e que esta melhora da QVRS é influenciada pelo sistema de fornecimento de oxigênio.14 Corroborando com este achado, pesquisa realizada em Manchester, na Inglaterra, aponta o lado positivo da ODP na vida cotidiana dos usuários, abordando a flexibilidade do tratamento com o uso do oxigênio portátil. Os pacientes se sentiram mais capazes de gerir sua vida diária no contexto das implicações físicas e psicológicas da DPOC e da ODP, melhorando a qualidade de vida.8 

Mas o tratamento com a ODP também pode ter como consequências alguns efeitos colaterais, tais como: desconforto nasal, ocasionando secura ou até sangramento nas narinas, tontura, perda de paladar e do olfato.11 Além destas consequências, outras podem ser identificadas como o aumento no consumo e no gasto da energia elétrica, a diminuição da mobilidade e o ruído do aparelho.9,14 Todas estas implicações foram relatadas pelos pacientes, que as complementaram indicando as repercussões sociais do uso da ODP, com ênfase para o isolamento e perda da independência nas atividades da vida diária.

Também foram citados como aspectos negativos as preocupações sobre a dependência de ODP e a deterioração do seu estado de saúde,9 diferindo dos achados do presente estudo.

No Brasil, estudo feito no Hospital São Paulo, da Universidade Federal São Paulo, verificou que pacientes que fazem uso da ODP perdem sua independência, em algum grau, para a realização das atividades diárias, devido à limitação do fluxo aéreo e à restrição de movimentos impostos pelo uso do oxigênio, fatores esses que podem interferir na qualidade de vida.15

Estas limitações no cotidiano do usuário fazem com que o paciente não tenha adesão ao tratamento, diminuindo a eficácia e os benefícios da ODP.10

A partir do momento em que existe a indicação da ODP, a doença surge como uma tomada de consciência sobre a existência de um corpo, que enquanto se está saudável mostra-se como imperceptível. Quando o corpo é modificado, passa a ser percebido, despertando preocupações.16

Assim, aparece o processo do luto, que é uma reação natural e esperada ao rompimento de um vínculo, que não se aplica apenas a casos de morte, mas também a outras situações de privação irreversíveis.17 O luto é a consequência da experiência de perda que acontece sempre que nossa vida for afetada pelo término de uma relação, de um projeto.18  Ele significa um sofrimento emocional intenso causado pela perda, uma tristeza profunda, um processo dinâmico, individualizado e multidimensional pelo qual o indivíduo que perdeu algo significativo atravessa.17 É possível notar que os participantes desta pesquisa apresentam o processo de construção do luto na perspectiva de uma reorganização de sua vida após o diagnóstico de DPOC e o uso contínuo da oxigenoterapia, ou seja, a elaboração e constituição de novos aspectos da constituição do sujeito que transformaram-se quando deparados com questionamentos e o sentimento de culpa realizados a si mesmos sobre fatores individuais que culminaram com o surgimento de uma doença crônica.

Estudos têm sido realizados com o objetivo de compreender como o paciente lida com a doença crônica ou com as representações do corpo ferido. 16-18 Seus resultados mostram que o corpo ferido crônico produz uma sensação de perda de controle sobre si mesmo, tornando o corpo algo que não se pode manipular conforme sua vontade, mostrando-se então insuficiente para representar a sua identidade pessoal.16  Demonstram também a ação do paciente para viver e sentir-se vivo tanto em nível concreto como simbólico, mesmo sentindo a dor intensa decorrente da doença.18 Também esclarecem que este é um movimento contínuo e incessante, ou seja, de busca, pois, suas estratégias nem sempre alcançam o sucesso desejado, assim como, explica que a sua mobilização pode ser maior ou menor, dependendo da disposição interna que tem e encontra, para ultrapassar os inúmeros desafios e consequências de conviver com a doença.18

Além dos usuários passarem por adaptações e mudanças no cotidiano, seus familiares, como consequência, seguem o mesmo caminho. Segundo relatos dos pacientes, houve alterações em suas relações familiares, em especial com o cônjuge e filhos. Os familiares passam a ser cuidadores informais.

Diante desses desafios, é necessário avaliar a qualidade de vida dos familiares, os cuidadores informais, e os fatores que impactam, para promover ações integrais em saúde, minimizando os efeitos decorrentes da sobrecarga, que pode muitas vezes comprometer a assistência ao paciente e além de levar o adoecimento do cuidador.15

Conhecer as mudanças nas relações familiares é importante, pois demonstra o impacto que a terapia pode causar na família do paciente, o quanto ela mobiliza os familiares e o estresse que causa. É fundamental a equipe estar ciente dessa modificação para tentar minimizar o transtorno e poder adaptar melhor a ODP, sem haver desestruturação familiar.

O estudo não apresentou dificuldades, pois os prontuários são eletrônicos, de fácil acesso para os estudantes, e os pacientes são muito colaborativos, por se tratar de um hospital escola, e ser recorrente pesquisas. Como as entrevistas foram domiciliares e agendadas, o pesquisador não teve problemas com recusa ou desencontros.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

São nítidas as mudanças no cotidiano e no comportamento dos usuários depois de prescrito a ODP. Os pacientes experimentaram limitações em suas atividades diárias, sendo estas um ônus para eles. Conhecer a percepção do paciente frente a terapia é de extrema importância para auxiliar a equipe a realizar o tratamento mais adequado e proporcionar assim uma assistência mais humanizada, com planejamento e a implantação de atividades compatíveis com as necessidades dos pacientes, respeitando sua individualidade e integralidade, prevenindo agravos à saúde.

Os resultados do presente estudo, evidenciaram o quanto é necessário o acompanhamento da equipe com os usuários de oxigênio domiciliar, para auxiliar nas adaptações, enfrentar as dificuldades, melhorando a aderência da terapia.

O estudo apresentou limitações, como dificuldade em entrevistar os participantes, por falta de sala no ambulatório ou por questões de horários dos transportes dos pacientes.

REFERÊNCIAS

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AGRADECIMENTOS

Agradecemos ao CNPq/PIBIC por acreditar e financiar esse trabalho.

Data de submissão: 24/08/2019

Data de aceite: 06/03/2020

Data de publicação: 25/03/2020



[1] Enfermeira. Mestra em Saúde Coletiva. Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). São Paulo (SP), Brasil. E-mail: giovannahassbueno@gmail.com http://orcid.org/0000-0002-2824-3085

[2] Enfermeiro. Mestre em Ciências. Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). São Paulo (SP), Brasil. E-mail: aldairweberr@gmail.com http://orcid.org/0000-0001-5258-5635

[3] Enfermeira. Doutora em Doenças Tropicais. Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP). São Paulo (SP), Brasil. E-mail: ildadegodoy@gmail.com http://orcid.org/0000-0002-8974-7332