Frota KC, Ponte KMA, Souza FDC, Adriano CKS. Vulnerabilidades em saúde na reabilitação cardiovascular: relato de caso a partir da teoria de enfermagem. J. nurs. health. 2020;10(2): e20102002

https://periodicos.ufpel.edu.br/ojs2/index.php/enfermagem/article/view/18014/11326

ARTIGO ORIGINAL

Vulnerabilidades em saúde na reabilitação cardiovascular: relato de caso a partir de teoria de enfermagem

Health vulnerabilities in cardiovascular rehabilitation: a case report based on nursing theory

Vulnerabilidades de salud en rehabilitación cardiovascular: reporte de caso basado en la teoría de enfermería

Frota, Kairo Cardoso da[1]; Ponte, Keila Maria de Azevedo[2]; Souza, Francisco Douglas Canafistula de[3]; Adriano, Cananda Kelli Silva[4]

RESUMO

Objetivo: descrever as situações de vulnerabilidade em saúde vivenciadas por paciente em reabilitação cardiovascular e os cuidados de enfermagem a partir da Teoria de Enfermagem de Médio Alcance sobre Reabilitação Cardiovascular. Métodos: pesquisa qualitativa do tipo estudo de caso único, integrado e instrumental, desenvolvido em julho e agosto de 2019, com paciente em pós-operatório de Revascularização do Miocárdio, em Sobral-Ceará, por meio de três encontros: no pós-operatório hospitalar, em domicílio e em consulta de retorno no hospital. Resultados: as situações de vulnerabilidades em saúde identificadas foram aprendizagem deficiente do cuidado, carência de informações sobre a doença, dificuldades financeiras, descontinuidade do tratamento, ausência de lazer, diminuição da autoestima, pensamentos indesejados, transtorno de sono, dentre outros. Conclusão: as situações de vulnerabilidade em saúde envolveram atributos físicos, psicológicos de desempenho de papel e interdependência, sendo um aditivo à teoria, por envolver aspectos que vão além da sistematização da assistência de enfermagem.

Descritores: Relatos de casos; Vulnerabilidade em saúde; Reabilitação cardíaca; Teoria de enfermagem.

ABSTRACT

Objective: to describe the situations of health vulnerability experienced by patients undergoing cardiovascular rehabilitation and nursing care based on the Mid-Range Nursing Theory on Cardiovascular Rehabilitation. Methods: qualitative, single-case, integrated and instrumental research, conducted in July and August 2019, with a patient undergoing myocardial revascularization surgery, in Sobral-Ceará, through three meetings: in the hospital postoperative period, at home and on return visit at the hospital. Results: the situations of health vulnerabilities identified were poor care learning, lack of information about the disease, financial difficulties, treatment discontinuation, absence of leisure, decreased self-esteem, unwanted thoughts, sleep disorder, among others. Conclusion: situations of vulnerability in health involved physical and psychological attributes of role performance and interdependence, being an additive to the theory, as it involves aspects that go beyond the systematization of nursing care.

Descriptors: Case reports; Health vulnerability; Cardiac rehabilitation; Nursing theory.

RESUMEN

Objetivo: describir las situaciones de vulnerabilidad a la salud experimentadas por pacientes sometidos a rehabilitación cardiovascular y cuidados de enfermería basados en la Teoría de enfermería de rango medio sobre rehabilitación cardiovascular. Métodos: investigación cualitativa, de un solo caso, integrada e instrumental, realizada en julio y agosto de 2019, con un paciente sometido a cirugía de revascularización miocárdica, en Sobral-Ceará, a través de tres reuniones: en el postoperatorio del hospital, en casa y en visita de regreso al hospital. Resultados: situaciones de vulnerabilidad identificadas fueron debido al deficiente aprendizaje de los cuidados, falta de información sobre la enfermedad, dificultades financieras, interrupción del tratamiento, ausencia de ocio, disminución de la autoestima, pensamientos no deseados, pérdida de sonido, entre otros. Conclusión: las situaciones de vulnerabilidad involucraban atributos físicos, psicológicos, de desempeño de roles, e interdependencia, siendo un aditivo a la teoría, ya que involucra aspectos que van más allá de la sistematización.

Descriptores: Informes de casos; Vulnerabilidad en Salud; Rehabilitación cardiaca; Teoría de enfermería.

INTRODUÇÃO

A vulnerabilidade em saúde ainda é um conceito novo, porém em ascensão no que diz respeito às discussões teóricas com vistas a evitar que o termo seja utilizado como sinônimo de risco. Em estudo de clarificação de seu conceito,1 a vulnerabilidade em saúde é definida como uma condição humana, construída na interação entre o sujeito e o social, caracterizada por uma relação de poder que se movimenta em direção a uma condição de precariedade quando o empoderamento não é vivenciado pelo sujeito ou coletivo.

Nesse sentindo, compreende-se que a vulnerabilidade em saúde coloca o sujeito na cena de aparição não por que ele é vulnerável a algo ou alguém, mas por que está envolvido por um conjunto de atributos que o formam naquele momento específico como um sujeito que vivencia um processo de vulnerabilidade.1 Logo, as pessoas não são vulneráveis, elas estão vulneráveis sempre a algo, em algum grau e forma e em certo ponto do tempo e do espaço.2

Partindo desses ideias, no contexto de vida de pacientes em pós-operatório de cirurgia cardíaca, a análise das situações de vulnerabilidade em saúde se caracteriza como uma potencial estratégia de prevenção e controle das situações que envolvem o processo de reabilitação após a cirurgia, tendo em vista que os mesmos vivenciam situações de adaptação às limitações impostas pelo procedimento terapêutico.

A reabilitação cardiovascular (RCV) é considerada, atualmente, a principal estratégia de cuidado a esses indivíduos, sendo definida como um “conjunto de atividades necessárias para assegurar às pessoas com Doenças Cardiovasculares (DCVs) condições física, mental e social ótima, que lhes permita ocupar um lugar tão normal quanto seja possível na sociedade”.3:3

De acordo com estudos,4-5 evidencia-se que a RCV se trata de uma intervenção complexa que envolve uma variedade de terapias, incluindo exercícios, educação em saúde, mudança de comportamento, apoio psicossocial e estratégias de gerenciamento de fatores de risco, mostrando-se como um conjunto de cuidados que melhoram a qualidade de vida, reduzem a morbidade futura e diminuem as vulnerabilidades vivenciadas pelos pacientes.

Várias são as formas de auxiliar o paciente em RCV após cirurgia cardíaca para a melhoria da sua qualidade de vida e redução das situações de vulnerabilidade. As teorias de enfermagem são estratégias que direcionam esses cuidados com base nas necessidades específicas de cada paciente. Estudo6 propõe a Teoria de Enfermagem de Médio Alcance sobre Reabilitação Cardiovascular (TMA Enf-RCV).

A TMA Enf-RCV, é uma teoria de enfermagem proposta em 2018, sendo fruto de dissertação do mestrado acadêmico em Cuidados Clínicos em Enfermagem e Saúde do Programa de Pós-graduação da Universidade Estadual do Ceará. A teoria direciona o processo de cuidar às pessoas pós evento cardiovascular, com vistas à reabilitação física, social e psicológica, promovendo mudanças de comportamentos de saúde e gestão do cuidado pelo paciente e família, com contribuição do enfermeiro e da enfermagem.6

A TMA Enf-RCV possui, de forma própria, seu Processo de Enfermagem, o qual possui as seguintes etapas: avaliação do comportamento reabilitador e estímulo para RCV; diagnóstico de enfermagem; planejamento do cuidado reabilitador; intervenção reabilitadora de enfermagem e avaliação do cuidado reabilitador.6

Na primeira etapa são levantados dados sobre o estado atual de reabilitação física, psicológica e social do paciente. Na segunda, realiza-se a identificação dos problemas, na qual os comportamentos e os estímulos para a RCV devem ser interpretados. Na terceira, determinam-se afirmações claras de resultados comportamentais nos cuidados de enfermagem para a pessoa.6

Na quarta etapa, uma vez estabelecidos os objetivos, o enfermeiro deverá determinar como intervir para auxiliar a pessoa a atingi-los. A avaliação, última etapa, envolve a apreciação da eficácia da intervenção de enfermagem em relação ao comportamento da pessoa. Para isto, o enfermeiro avalia seu comportamento depois das intervenções terem sido implementadas. A intervenção é julgada efetiva se o comportamento da pessoa for de encontro aos objetivos iniciais, a RCV.6

O presente estudo possui como diferencial o fato de estar sendo aplicada uma teoria de enfermagem recém-proposta sobre RCV, com foco na análise das situações de vulnerabilidade em saúde, o que subsidiará intervenções de enfermagem à pacientes cardiopatas nesta área ainda tão centrada em cuidados estreitamente médicos. Logo, a proposta é uma iniciativa que dá voz à cientificidade dos cuidados de enfermagem.

Diante desse cenário, objetiva-se descrever as situações de vulnerabilidade em saúde vivenciadas por paciente em reabilitação cardiovascular e os cuidados de enfermagem a partir da Teoria de Enfermagem de Médio Alcance sobre Reabilitação Cardiovascular.

MATERIAIS E MÉTODOS

Pesquisa qualitativa, do tipo estudo de caso, na qual se objetiva explorar os fenômenos complexos da vida de forma intensiva e profundamente, com múltiplas fontes de evidência, a partir da análise de um único caso ou de um pequeno número de casos.7

Nesta pesquisa, optou-se pelo aprofundamento teórico de um único caso clínico, tratando-se de um Estudo de Caso Único Integrado, indicado para testar alguma teoria bem reformulada com várias unidades de análises.8 Quanto ao tipo, trata-se de um Estudo de Caso Instrumental, no qual um caso particular é examinado principalmente para prover insights sobre um problema ou se dirigir a uma generalização, tendo por finalidade dar suporte para facilitar o entendimento de algo além.9

Logo, o estudo de caso em questão é um recorte da monografia intitulada “Qualidade de vida de pacientes após cirurgia de revascularização miocárdica: contribuição de uma teoria de enfermagem sobre reabilitação cardiovascular”. A escolha do caso clínico aconteceu mediante a análise da complexidade e do aprofundamento dos casos pertencentes ao estudo maior, enquadrando-se pacientes maiores de 18 anos, em pós-operatório de cirurgia de revascularização do miocárdio em um hospital de referência cardiovascular no interior do estado do Ceará. O caso escolhido foi eleito pelos pesquisadores como o mais completo no que diz respeito à existência de informações relevantes para a imersão na temática.

Assim, tem-se como problemática do estudo: quais as situações de vulnerabilidade em saúde vivenciadas por um paciente em reabilitação cardiovascular após cirurgia cardíaca? Para o alcance das respostas, aplicou-se a TMA Enf-RCV.

Realizou-se três encontros com a paciente. O primeiro aconteceu ainda no hospital onde a cirurgia foi realizada, momento no qual foram coletadas informações acerca de seus dados pessoais e do histórico clínico, como idade, estado civil, escolaridade, profissão e antecedentes pessoais e familiares, após sete dias do procedimento cirúrgico, em julho de 2019, com duração aproximada de meia hora. Na ocasião, realizou-se ainda a apresentação da pesquisa, de seus objetivos e a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

O segundo encontro, após quinze dias do primeiro, foi realizado no domicílio da paciente, com duração de 1 hora e 30 minutos, o qual permitiu a efetiva aplicação das quatro fases iniciais do processo de enfermagem da TMA Enf-RCV. Nesse momento, foram coletadas informações acerca das vulnerabilidades em saúde vivenciadas pela paciente, seguindo-se um roteiro de observação para análise de aspectos sociais, físicos e psicológicos. Vale ressaltar que para se chegar aos diagnósticos de enfermagem utilizou-se a taxonomia da Nanda-I 2018-2020.10

O terceiro e último encontro ocorreu novamente no hospital, na ocasião de um consulta de retorno, após um mês do segundo encontro, em agosto de 2019, onde foi possível coletar informações para avaliar o cuidado reabilitador e analisar a situação de vulnerabilidade na qual se encontrava a paciente após a intervenção em sua residência.

Todas as informações coletadas foram sistematizadas em anotações e discutidas a partir da literatura atualizada no assunto. A análise foi realizada a partir da análise da enunciação, na qual há a evidenciação de um discurso dinâmico em que a espontaneidade e constrangimento são simultâneos e em que o trabalho de elaboração se configura, ao mesmo tempo, como emergência do inconsciente. Apoia-se numa concepção de comunicação como processo (e não como dado estático) e do discurso como palavra em ato, adequando-se ao estudo por tratar-se de um momento onde realizar-se-á a coleta de informações de forma aberta.11

Este estudo atendeu a todos os pressupostos éticos e possui parecer favorável de número 2.989.392/2018, com Certificado de Apresentação para Apreciação Ética 93514618.6.0000.5053, pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Estadual Vale do Acaraú.

RESULTADOS

O caso em estudo é de uma pessoa do sexo feminino, de 51 anos de idade, casada, a coabitar com os três filhos e o marido em casa de alvenaria. Possui ensino médio completo e trabalhava como costureira e artesã. Tem como antecedentes familiares a Diabetes Mellitus (DM) e a Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS) como distúrbios dos pais, relatando que a mãe possui também coronariopatia. Possui DM e HAS, fazendo tratamento para tais comorbidades. Possui histórico de cirurgia anterior para varizes nos membros inferiores e distúrbio hormonal tireoidiano. Declara não praticar exercícios físicos e nunca ter praticado durante a vida, além de auto declarar-se extremamente estressada e com péssimos hábitos de sono. Realizou cirurgia de revascularização do miocárdio em julho de 2019 após constatação de infarto agudo do miocárdio de extenso comprometimento.

Avaliação do comportamento reabilitador e estímulo para RCV

A paciente apresentava as seguintes queixas no momento da visita domiciliar: dor torácica com localização anterior e inferior; inapetência; insônia; cefaleia; “perturbação na cabeça”; eliminações digestivas ausentes há oito dias; secreções na ferida operatória, sem odor ou sinais flogísticos; inapetência; preocupações e tristeza excessivas e ansiedade. Sinais vitais: Pressão Arterial: 110x80mmHg; Frequência Respiratória: 18mrm; Frequência Cardíaca: 70bpm; Saturação de Oxigênio: 98%. Os principais problemas adaptativos identificados foram: padrão inadequado de atividade e repouso; privação do sono; dificuldade de deambulação; atividades físicas deficientes; baixa autoestima; sentimentos de incerteza; distanciamento de papel relacionado ao afastamento laboral; falta de autonomia social e pouca confiança nos serviços de saúde. Observou-se que a paciente e a família possuíam poucos conhecimentos acerca do processo de RCV, descrevendo se sentirem desamparados por não possuírem acompanhamento domiciliar por parte da equipe da Estratégia Saúde da Família, sobretudo para a troca de curativo, o qual estava sendo realizado pela filha de apenas 14 anos. A paciente se declarava insatisfeita também com o fato de estar sem trabalhar, estando todos os membros da família dependentes de financiamentos de programas do governo, visto que se encontravam desempregados. A partir da análise do discurso da paciente e da observação dos pesquisadores, verificou-se um comportamento reabilitador pouco efetivo após a cirurgia.

A partir das observações supracitadas foram organizadas as situações de vulnerabilidade em saúde vivenciadas pela paciente no momento da visita domiciliar. As mesmas foram organizadas em dois elementos- Sujeito e Social e encontram-se descritos nos Quadros 1 e 2. Os elementos relacionados ao sujeito foram assim denominados por fazer alusão às vulnerabilidades próprias da paciente, enquanto ao social expande-se para a análise do seu contexto de vida.1

Diagnósticos de Enfermagem

Por conseguinte, foram traçados os seguintes diagnósticos de enfermagem diante das situações de vulnerabilidade e do estado de reabilitação da paciente:

Ansiedade caracterizada por gestos de insônia, apreensão, incerteza e medo relacionada à ameaça à condição atual;

Disposição para a melhora do autocuidado caracterizada por expresso desejo de aumentar a independência na saúde;

Recuperação cirúrgica retardada caracterizada por desconforto, mobilidade prejudicada, necessidade de ajuda para autocuidados, dor e diabetes mellitus, relacionada à dor;

Baixa autoestima situacional caracterizada por verbalizações autonegativas, relacionada ao padrão de desamparo;

Constipação caracterizada por conhecimento insuficiente sobre fatores modificáveis, dieta com baixo teor de fibra, ingestão alimentar insuficiente e diabetes mellitus, relacionada à mudança nos hábitos alimentares e transtorno emocional.

Conhecimento deficiente caracterizado por conhecimento insuficiente, relacionado às informações insuficientes;

Insônia caracterizada por dificuldade para iniciar o sono, ansiedade, medo e desconforto físico, relacionada à ameaça à condição atual.

Planejamento do cuidado reabilitador e intervenção reabilitadora de enfermagem

Realizou-se o planejamento de um cuidado reabilitador, conforme descrito no Quadro 3, organizando-os em intervenções de curto e longo prazo.

Quadro 1: Situações de vulnerabilidades em saúde vivenciadas pela paciente em estudo – Elemento Sujeito

Vulnerabilidades em Saúde- Elemento Sujeito

Aprendizagem deficiente do cuidado evidenciada pela incoerência de atitudes diante da situação de saúde

Carência de informações sobre a doença evidenciada pela ausência de recursos informativos de educação para a saúde eficazes

Procura por resolução de seus problemas, recorrendo a terceiros, evidenciada pela falta de empoderamento no autocuidado

Dificuldades financeiras para a execução do tratamento evidenciada pela insatisfação com os recursos existentes para tal

Descontinuidade do tratamento e sensação de desamparo por parte da Estratégia Saúde da Família

Diminuição da autoestima evidenciada por um discurso de inferioridade

Pensamentos indesejados evidenciado pelo medo e ansiedade em excessos

Concentração em aspectos negativos evidenciada por um discurso com foco em queixas demasiadas

Antecedentes de saúde insatisfatórios evidenciados por declaração de hábitos de vida não saudáveis

Transtornos do sono evidenciados por esse mal hábito contínuo

Consequências físicas do tratamento incapacitantes evidenciada pela fragilidade em realizar ações como deambulação

Rotina prejudicada pela doença evidenciada pelo afastamento das atividades laborais

Sentimentos de ansiedade, preocupação, pena, tristeza evidenciados por um discurso depreciativo

Dor evidenciada pelo discurso de técnicas usadas para alívio

Fonte: elaborado pelos autores, 2019.

Quadro 2: Situações de vulnerabilidades em saúde vivenciadas pela paciente em estudo – Elemento Social

Vulnerabilidades em Saúde- Elemento Social

Situação Socioeconômica desfavorável: Privação de recursos materiais; Incapacidade de geração de renda; Número insuficiente de pessoas da família com renda; Condição de pobreza; Ocupação Informal

Contexto Familiar desfavorável: Reside com os filhos e marido, sem fonte de renda

Redes e Suportes sociais ineficazes: Ausência de apoio informal

Escassez de Acesso aos Direitos Fundamentais: Falta de acesso à saúde e à reabilitação cardiovascular em domicílio

Situação Programática na saúde desfavorável: Revelação tardia da doença; Ausência de acompanhamento longitudinal por parte da rede de atenção à saúde

Estado insipiente: Ausência de políticas públicas de reabilitação

Fonte: elaborado pelos autores, 2019.

Quadro 3: Planejamento do cuidado reabilitador

Diagnósticos de Enfermagem ou Situações-Problema

Plano de Cuidado para Intervenção a Curto Prazo

Plano de Cuidado para Intervenção a Longo Prazo

Ansiedade

Oferecer informações reais sobre o diagnóstico, tratamento e prognóstico; propiciar momentos de escuta para que possa exteriorizar suas preocupações; encorajar a verbalização de sentimentos, percepções e medos; realizar orientações acerca da higienização correta da ferida; orientar estratégias de alívio da ansiedade por meio do controle da respiração e adaptação do ambiente e orientar a família sobre como lidar com esses sentimentos.

Usar técnicas de reflexão e esclarecimento para facilitar a expressão das preocupações; garantir informações sobre o processo de reabilitação nesse período e formas de empoderamento pessoal para o autocuidado responsável.

Recuperação cirúrgica retardada

Observar queixas álgicas e medicar conforme prescrição médica; observar a associação a outros sintomas que indicam complicações pós-operatória; orientar quanto aos métodos não-farmacológicos para o alívio da dor; examinar condição da incisão cirúrgica; orientar acerca da limpeza correta da ferida cirúrgica e uso de materiais corretos; comunicar ao Centro de Saúde da Família acerca da situação e da necessidade de assistência contínua.

Observar as características da dor e a possível associação com complicações pós-operatórias tardias; monitorar as condições da ferida e promover a contínua inserção da assistência pela Estratégia Saúde da Família (ESF), no caso.

Baixa autoestima

Dar suporte emocional; auxiliar a paciente a esclarecer ideias errôneas quanto à situação de saúde e encorajar a paciente a aceitar novas condições.

Monitorar a autoestima da paciente, orientando e promovendo meios de um autocuidado reconfortante.

Constipação

Ofertar alimentos rico em fibras; orientar acerca da ingesta líquidos necessária; planejar a dieta; promover leves exercícios de movimentação.

Observar a dieta e orientar alimentação e ingesta de líquidos adequados e promover exercícios de maior intensidade para o estímulo da movimentação.

Carência de conhecimento e informação

Promover atividade de educação em saúde no domicílio, com a família e a paciente.

Proporcionar o contínuo processo de educação em saúde.

Insônia

Explicar a paciente a importância do controle do sono diurno; orientar técnicas de relaxamento antes de dormir; orientar acerca da importância de um ambiente calmo e seguro e promover o uso de coxim para promover posição confortável na cama.

Encorajar uma rotina diária de forma a facilitar a transição do estado de alerta ao estado de sono.

Dificuldade Financeira

Estimular o retorno progressivo às atividades de costura, com o auxílio da família; incentivar os familiares a pensar em estratégias para o aumento da renda familiar, encorajando-os a descobrir fontes de renda possíveis.

Estimular o adequado destino dos recursos da família e promover a reintegração da paciente às atividades laborais de forma definitiva.

Ausência de atividade de lazer

Estimular o aumento da socialização e auxiliar a paciente a identificar atividades que lhe tragam prazer.

Estimular atividades de lazer em contextos exteriores ao domicílio, de acordo com a evolução da reabilitação. 

Inatividade física

Incentivar a realização de atividades diárias básicas para a estimulação física e respiratória; estimular a realização de atividades de pouca duração e curta distância como dar a volta no quarteirão, caminhando por 15 minutos.

Incentivar a adesão aos exercícios físicos, gradualmente, de forma a torná-los contínuos.

Falta de suporte na rede de atenção à saúde

Orientar quanto ao funcionamento da rede de atenção à saúde e solicitar parceria da ESF no cuidado

Continuação do cuidado assistido pela rede de atenção à saúde.

Inapetência

Controle da nutrição: estimular e monitorar a aceitação da dieta, proporcionando o equilíbrio entre a nutrição e as necessidades corporais; discutir a possiblidade de uma dieta composta pelas preferências alimentares da paciente.

Incentivar o contínuo cuidado com a alimentação e o oferecimento de uma dieta composta por alimentos de preferência da paciente.

Fonte: elaborado pelos autores, 2019.

Avaliação do cuidado reabilitador

Após a aplicação das quatro etapas iniciais da TMA Enf-RCV, houve um contato com a paciente no hospital onde a cirurgia foi realizada, na ocasião de uma consulta de retorno. Nesse momento, houve um diálogo com os pesquisadores de forma a observar o comportamento da paciente para o julgamento das intervenções realizadas. Assim, foi possível observar que as situações enfrentadas pela mesma, alcançando a efetiva reabilitação, foram: a redução dos sentimentos de ansiedade, medo e estresse, evidenciada por um discurso movido por sentimento de esperança e diminuição do quadro anterior; a melhora na alimentação e constipação; a diminuição da dor torácica; a melhora na aquisição de conhecimentos e informações; a moderada inserção de atividades físicas leves na rotina; a melhora na autoestima e no controle do sono.

Foi possível observar que outros aspectos não foram alcançados, sendo evidenciada a existência de secreção na ferida operatório, pois houve uma piora no quadro relacionado à cicatrização; a falta de suporte pela rede de atenção à saúde, pois não houve contrapartida do Centro de Saúde da Família no cuidado à paciente e a permanência de dificuldades financeiras, visto que não houve a implementação de novas fontes de renda no domicílio.

DISCUSSÃO

O relato do caso em consonância da TMA Enf-RCV e da análise das situações de vulnerabilidade em saúde permitiu um aprofundamento nas condições de vida da paciente, visto que foram identificadas intervenções de enfermagem que vão além da reabilitação física e dos pressupostos pelo processo de enfermagem, como a identificação de estratégias para a melhoria da situação socioeconômica da família.

A descrição das situações de vulnerabilidade em saúde evidenciou aspectos importantes para o plano de cuidado, os quais foram organizados nos elementos sujeito e social. Esses elementos essenciais são os atributos que formam, naquele momento específico, o sujeito que vivencia as situações de vulnerabilidade em saúde.1

Quanto ao elemento sujeito pode-se compreender os aspectos individuais da paciente que comprometem a RCV ou que permitem estímulos favoráveis. Assim, compreende-se que o sujeito é tido como um elemento do produto das relações de saber e de poder, constituído a partir de envolvimentos intersubjetivos em que há espaço para a manifestação da liberdade que possibilita a criação de si mesmo como um ser livre e autônomo.12

No que diz respeito aos elementos oriundos da dimensão social, o mesmo inclui diferentes formas do sujeito de interagir com outro ou outros sujeitos, além de ser considerada a cena de aparição dele, onde é possível se reconhecer e se expressar, além de ser o espaço de reconhecimento pelo outro. É aquilo que pressupõe relações, sociabilidade, abarcando relacionamentos, sentimentos, modos de ser, de estar, de agir e de se manifestar em diversos cenários.1

A análise dos elementos sociais é relevante visto que em diferentes grupos socioeconômicos são observadas disparidades na prevalência dos fatores de risco para doenças cardiovasculares. Assim, as possibilidades de intervenção envolvem a dedicação de cuidados a partir dessas especificidades econômicas, culturais e de conhecimento.13

Nesse sentido, ressalta-se que o enfermeiro deve ter a habilidade de reconhecer o processo fisiopatológico que está associado ao pós-operatório da cirurgia cardíaca, bem como salientar-se quanto às situações que envolvem essa dinâmica, como os aspectos individuais, sociais e a interação com a família e os cuidadores.14-15

No estudo foi possível observar que nem todas as vulnerabilidades em saúde possuíam diagnósticos de enfermagem equivalentes, ficando clara a relevância da abordagem metodológica da teoria de enfermagem e das premissas da vulnerabilidade em saúde, em conjunto, como atributo para a investigação de aspectos gerais, envolvendo o condicionamento físico, psicológico, de desempenho de papel e de interdependência.

O cuidado clínico de enfermagem, no tocante ao adoecimento cardiovascular, deve ser realizado em uma perspectiva ampliada, integrando os demais fatores que contribuem para o bem-estar biopsicossocial deste, tendo em vista o caráter simbólico do coração e as implicações que esse simbolismo tem sobre as emoções e atitudes dos indivíduos.16-17

Sendo assim, a TMA Enf-RCV foi considerada necessária após o evento cardiovascular, pois exigiu e promoveu mudanças de comportamentos de saúde e gestão do cuidado, a exemplo das repercussões de diminuição dos sentimentos de ansiedade e medo, melhora dos hábitos de vida modificáveis, diminuição dos sintomas iniciais e aquisição de conhecimentos.

Destaca-se a RCV como uma ferramenta não farmacológica que contribuiu para minimizar os efeitos físicos, psicológicos e sociais negativos evidenciados em pós-operatórios de cirurgias cardíacas.18

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A aplicação da TMA Enf-RCV a esta paciente permitiu confirmar a concepção já existente pelos pesquisadores de que o reconhecimento das vulnerabilidades em saúde proporciona a compreensão das condições de saúde do indivíduo, levando em consideração os aspectos da RCV.

As situações de vulnerabilidade em saúde envolveram os aspectos do sujeito e sociais, sendo eles físicos, psicológicos de desempenho de papel e de relação de interdependência. Nem todas as vulnerabilidades identificadas se enquadraram aos diagnósticos de enfermagem, porém o plano de cuidados contemplou também os achados da observação caso.

Por se tratar de uma pesquisa qualitativa do tipo estudo de caso não foi possível elucidar, de forma global, a aplicabilidade das unidades de análise, porém, no caso relatado, sua expressão foi positiva e eficiente como estratégia de cuidado de enfermagem. Logo, sugerem-se novos estudos que mensurem os achados embasados nesta pesquisa através de identificações ampliadas de amostra.

A principal fragilidade do estudo envolveu a ausência de pesquisas com as mesmas unidades de análise para comparação dos resultados encontrados. Contudo, espera-se que o relato deste caso desperte imersões científicas por outros pesquisadores para a compreensão e comprovação dos aspectos estudados.

Ademais, o estudo reforçou a relevância da imersão na temática da análise das situações de vulnerabilidade em saúde como forma de traçar estratégias de cuidados que envolvam todos os âmbitos de vida do paciente, além de ter evidenciado que a utilização de teorias de enfermagem são meios efetivos de alcançar um cuidado sistematizado e eficiente ao indivíduo.

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Data de submissão: 17/01/2020

Data de aceite: 22/04/2020

Data de publicação: 06/05/2020



[1] Discente do curso de Enfermagem. Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA). Ceará (CE), Brasil. E-mail: kairo.enfer@gmail.com http://orcid.org/0000-0002-7887-327X

[2] Enfermeira. Doutora em Cuidados Clínicos em Enfermagem e Saúde. Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA). Ceará (CE), Brasil. E-mail: keilinhaponte@hotmail.com http://orcid.org/0000-0001-5215-7745

[3] Discente do curso de Enfermagem. Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA). Ceará (CE), Brasil. E-mail:douglas21091997@gmail.com http://orcid.org/0000-0002-8845-1062

[4] Discente do curso de Enfermagem. Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA). Ceará (CE), Brasil. E-mail:cananda_kelly@hotmail.com http://orcid.org/0000-0002-8534-742X