Consulta de enfermagem: o cuidado na perspectiva da pessoa com diabetes mellitus tipo 2*
Nursing consultation: care from the perspective of the person with type 2 diabetes mellitus
Consulta de enfermería: atención desde la perspectiva de la persona con diabetes mellitus tipo 2
Cortez, Daniel Nogueira[1]; Santos, Marine Tavares[2]; Lanza, Fernanda Moura[3]
RESUMO
Objetivo: conhecer a percepção da pessoa com diabetes mellitus tipo 2 sobre a consulta de enfermagem, individual e coletiva, realizada na Estratégia Saúde da Família. Método: estudo qualitativo, fundamentado na teoria do interacionismo simbólico, com 15 usuários acompanhados por consulta de enfermagem, seguindo protocolo de intervenção e mudança de comportamento, por seis meses, em 2017. Dados coletados por meio de grupo focal e analisados mediante a técnica de Análise de Conteúdo na modalidade temática. Resultados: ao ser instituída a consulta de enfermagem, o usuário começa a perceber o Enfermeiro como um dos atores envolvidos em seu cuidado, além de referir mudanças de comportamento e os benefícios após serem acompanhados. Conclusões: a consulta de enfermagem tem impacto positivo no cotidiano da pessoa com diabetes mellitus, pois auxilia o usuário a reconhecer sua condição crônica, desmistifica o medo, contribui para o empoderamento e o aumento do autocuidado.
Descritores: Enfermagem; Estratégia saúde da família; Avaliação em enfermagem; Processo de Enfermagem; Diabetes mellitus tipo 2
ABSTRACT
Objective: to know the perception of the person with type 2 diabetes mellitus about the individual and collective nursing consultation carried out in the Family Health Strategy. Method: qualitative study based on the theory of symbolic interactionism with 15 users followed by a nursing consultation following an intervention protocol and behavior change, for six months in 2017. Data collected through a focus group and analyzed using the Content Analysis technique in thematic modality. Results: when the nursing consultation is instituted, the user begins to perceive the nurse as one of the actors involved in their care, in addition to referring to behavioral changes and benefits after being followed up. Conclusions: the nursing consultation has a positive impact on the daily life of people with diabetes mellitus, as it helps the user to recognize their chronic condition, demystifies fear, contributes to empowerment and increased self-care.
Descriptors: Nursing; Family health strategy; Nursing assessment; Nursing process; Diabetes mellitus, type 2
RESUMEN
Objetivo: conocer la percepción de la persona con diabetes mellitus tipo 2 acerca de la consulta de enfermería individual y colectiva realizada en la Estrategia de Salud Familiar. Método: estudio cualitativo basado en la teoría del interaccionismo simbólico con 15 usuarios seguido de una consulta de enfermería siguiendo un protocolo de intervención y cambio de comportamiento, durante seis meses en 2017. Datos recopilados a través de un grupo focal y analizados utilizando la técnica de Análisis de Contenido en modalidad temática. Resultados: cuando se inicia la consulta de enfermería, el usuario comienza a percibir a la enfermera como uno de los actores involucrados en su atención, además de referirse a los cambios de comportamiento y los beneficios después de un seguimiento. Conclusiones: la consulta de enfermería ayuda al usuario a reconocer su condición crónica, desmitifica el miedo, contribuye al empoderamiento y al autocuidado.
Descriptores: Enfermería; Estrategia de salud familiar; Evaluación en enfermería; Proceso de enfermería; Diabetes mellitus tipo 2
INTRODUÇÃO
O Diabetes Mellitus (DM) é considerado um problema de saúde pública com relevante impacto epidemiológico dentre as doenças crônicas não transmissíveis. No Brasil, em 2019, estimou-se que havia 16,8 milhões de pessoas com DM, com projeção de 26 milhões para 2045. Quanto aos gastos, em 2019, ele ficou em terceiro colocado entre os países com maiores despesas para o tratamento desta condição no mundo, perdendo apenas para os Estados Unidos e China.1 Em 2013, estudo realizado pela Pesquisa Nacional de Saúde, identificou a prevalência de 6,2% de DM na população adulta brasileira.2
Diante deste quadro epidemiológico associado aos múltiplos fatores (hereditários, individuais e sociais) que interferem no manejo e controle do DM, ações de cuidado e tratamento podem ser consideradas um desafio para o país.3-4 Outra característica desta condição crônica é que as práticas de autocuidado respondem por 98% do tratamento, o que exige do profissional de saúde o papel de apoiador e facilitador do cuidado.5-6 Este tipo de assistência, baseada no autocuidado, transcende o modelo biomédico, ainda hegemônico no Brasil.6-8
Nesse contexto, a Atenção Primária a Saúde (APS) tem como diretriz ser, preferencialmente, a porta de entrada do usuário no sistema de saúde e atuar de maneira holística na promoção da saúde, prevenção de doenças e complicações, tratamentos e manutenção da saúde8. A APS descreve a Estratégia Saúde da Família (ESF) como a principal estratégia para a consolidação de suas diretrizes e traz o profissional enfermeiro como um dos membros da equipe interdisciplinar.7-8
Como membro da equipe, o enfermeiro deve acompanhar a pessoa com a condição crônica de DM por meio da consulta de enfermagem realizada por um processo contínuo de coleta de dados, diagnóstico de enfermagem, implementação de intervenções necessárias e avaliação deste processo, pautados no raciocínio clínico para a tomada de decisões e em um planejamento do cuidado.7,9 Estudos demonstram que a consulta de enfermagem e as ações educativas, quando estruturadas, impactam na auto gestão da saúde, aumentam o estímulo ao autocuidado e contribuem com a mudança de comportamento.4,10-11
Contudo, a consulta de enfermagem ainda não é instituída na maioria dos serviços de saúde no Brasil e, mesmo quando realizada, apresenta lacunas em sua implementação e execução.3,11 O interesse por essa temática surgiu durante a atuação como Residente de Enfermagem na Atenção Básica/Saúde da Família, o qual despertou o seguinte problema de pesquisa: qual é a percepção dos usuários com DM tipo 2 sobre as consultas de enfermagem individuais e coletivas realizadas na ESF?
Pesquisar a condição crônica DM na APS é sempre atual e relevante diante da magnitude epidemiológica e do impacto nos sistemas de saúde, sendo um ensejo para se discutir o papel do enfermeiro nesta realidade. Nesta perspectiva, o objetivo deste estudo foi conhecer a percepção da pessoa com DM tipo 2 sobre a consulta de enfermagem individual e coletiva realizadas na ESF.
MÉTODO
O estudo foi desenvolvido em uma equipe de Saúde da Família inaugurada em 1999 em um município de médio porte do Estado de Minas Gerais, Brasil, que possui 43 Unidades de Atenção Primária, das quais 32 são ESF com cobertura de 50,8% da população e 11 Unidades Tradicionais. A ESF, cenário desse estudo, possui 2.689 pessoas vinculadas, sendo que 90 estavam cadastrados com diagnóstico de DM tipo 2. Ressalta-se que, apesar do tempo longo de existência desta ESF, a consulta de enfermagem existente até então não era sistematizada e ocorria de forma esporádica. Com a implementação da Residência em Saúde da Família na unidade, em 2016, iniciou-se o processo de organização desta demanda.
Nessa perspectiva, para a implantação da consulta pelo enfermeiro, realizou-se busca ativa e convite dos 90 usuários cadastrados com diagnóstico de DM tipo 2 por meio de visita domiciliar do Agente Comunitário de Saúde, abordagem telefônica e pessoalmente na ESF, a agendarem a consulta de enfermagem, participarem de grupos de educação em saúde e receberem visita domiciliar do enfermeiro. Para este atendimento, seguiu-se também as recomendações do Ministério da Saúde.7
Para a condução das consultas de enfermagem individuais e coletivas foi utilizado um protocolo de intervenção no qual o usuário deveria ser acompanhado pela enfermeira ou pela Residente de Enfermagem por um período mínimo de seis meses, sendo no mínimo duas consultas de enfermagem e duas atividades de educação em saúde durante o período, realizadas no domicílio ou na própria unidade.
Para o desenvolvimento de todas as atividades definiu-se como suporte o “Protocolo de Mudança de Comportamento”, validado para o Brasil14 que consiste em cinco etapas nas quais há: 1) definição de problemas; 2) abordagem de sentimentos e preocupações; 3) estabelecimento de metas; 4) formas de realizá-las e 5) avaliação das ações e dos resultados. Este instrumento direciona o profissional a atuar como facilitador, pautado em uma prática empoderadora na qual o usuário é conduzido a refletir sobre sua condição crônica e a mudar comportamentos.15
Foram incluídos na pesquisa os usuários com DM tipo 2 maiores de 18 anos, que possuíam capacidade cognitiva preservada, realizavam as atividades de vida diária e de autocuidado de maneira independente e aceitaram participar de todas as fases do estudo. O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido foi apresentado ao participante, lido e, após anuência, foi assinado em duas vias.
Considerando a disponibilidade do usuário para participação de todas as atividades previstas no protocolo de intervenção por no mínimo seis meses, o acompanhamento na consulta de enfermagem, inicialmente, contou com 22 participantes. Durante o tempo previsto, três desistiram com justificativa de trabalharem no período em que a unidade realizava suas atividades e quatro mudaram da área de abrangência durante o período da intervenção, que aconteceu entre setembro de 2016 a junho de 2017.
Os participantes elegíveis para o estudo foram os 15 usuários que participaram de todas as etapas do protocolo de intervenção, que foram convidados, por telefone, para participarem do estudo sobre suas percepções a respeito da atuação do enfermeiro na consulta de enfermagem individual e coletiva.
Para a coleta de dados, optou-se por realizar o grupo focal. Esta técnica possibilita a emersão de elementos experenciados pelos participantes, por meio da interação e troca durante o diálogo em grupo.16 Para sua realização foram utilizadas as seguintes perguntas norteadoras: a) Descreva o que percebeu sobre a consulta com a enfermeira?; b) Como você descreveria seu autocuidado em diabetes mellitus antes e depois da consulta com a enfermeira?; c) O que mais lhe chamou a atenção na consulta com a enfermeira?
Foram realizados dois grupos focais de acordo com a disponibilidade dos usuários. As questões norteadoras para o grupo focal não foram testadas previamente, mas ressalta-se que o facilitador que o conduziu tem expertise em DM e grupo focal e não participou de nenhuma etapa do cuidado de enfermagem estabelecido no protocolo de intervenção, para que não houvesse inibição dos relatos em relação às perguntas norteadoras do roteiro de coleta.
Os grupos foram realizados na unidade de saúde, cenário desse estudo, no período noturno, estando presente apenas os participantes e o facilitador e aconteceram no mês de maio de 2017, sendo que o primeiro teve a participação de 11 pessoas e o segundo de quatro. Realizou-se a gravação em áudio, com duração, respectivamente, de 70 minutos e 60 minutos.
Para a análise dos dados, optou-se pela técnica de Análise de Conteúdo temático-categorial, já que permite descobrir os núcleos de sentido que compõe a comunicação e realizar o seu reagrupamento em categorias empíricas.12 Após a coleta, os materiais dos grupos focais foram organizados e transcritos na íntegra, não sendo retornados aos participantes do estudo para correções ou comentários. Para garantir o anonimato dos participantes, os grupos foram identificados por G1 (Grupo Focal 1) e G2 (Grupo Focal 2). A análise de conteúdo foi realizada pela pesquisadora principal sem a utilização de software de análise qualitativa dos dados.
Este estudo não tem conflitos de interesse e foi desenvolvido mediante Resolução do Conselho Nacional de Saúde nº 466 de dezembro de 2012. A coleta de dados iniciou-se após a aprovação do projeto pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal São João del-Rei (UFSJ), CAAE 58517416.5.0000.554. Este artigo é proveniente de um trabalho de conclusão de residência o qual está publicado no repositório da UFSJ (https://ufsj.edu.br/portal2-repositorio/File/resenf/Marine%20TCC.pdf).
RESULTADOS
Dos 15 participantes do estudo, 46,7% (7) eram homens com média de idade de 59,8 anos (±6,2) e 53,3% (8), mulheres com média de idade de 65 anos (±10,9). Em relação à escolaridade, 6,7% (1) declarou-se analfabeto, 66,7% (10) possuíam de 1 a 8 anos de estudo e 26,6% (4) com 9 a 12 anos de estudo. Quanto a profissão, 60% (9) eram aposentados, 20% (3) se declararam do lar, 13,3% (2) exerciam atividade remunerada informalmente e 6,7% (1) desempregado. O tempo médio de diagnóstico da condição crônica (DM2) foi de 11,4 anos (±10,3). Quanto as complicações referidas 6,7% (1) foi submetido a uma nefrectomia, 6,7% (1) teve Infarto Agudo do Miocárdio e 13,3% (2) já realizaram um Cateterismo Cardíaco.
Em relação ao protocolo de intervenção, foram realizadas 22 consultas de enfermagem na unidade de saúde, das quais oito usuários participaram de uma (53, 3%) e sete (46,7%) de duas; 35 consultas no domicílio, sendo que um usuário recebeu uma (6,7%), seis receberam três (40%) e oito receberam duas (53,3%). Quanto aos grupos de educação em saúde, foram realizados um total de cinco, sendo que dez usuários participaram (66,7%) de dois e cinco (33,3%) de três. Desta forma as atividades mínimas estabelecidas pelo protocolo de intervenção foram alcançadas.
Da análise de conteúdo na modalidade temática, emergiram duas categorias empíricas: Percepção do usuário quanto à consulta de enfermagem e Empoderamento do usuário por meio da consulta de enfermagem: a dialética entre a construção e a “regressão”.
Categoria 1: Percepção do usuário quanto à consulta de enfermagem
Como a consulta de enfermagem para a condição de DM não era uma realidade na ESF, os participantes da pesquisa começaram a perceber o profissional Enfermeiro como um dos atores envolvidos no cuidado prestado a ele e apontaram o reconhecimento da consulta de enfermagem como parte integrante deste processo.
Eu acho que esse contato com a (Enfermeira) com a gente trouxe uma segurança no tratamento, um controle, não deixa a gente desmazelar [...] faz a gente tomar os remédios direitinhos, frequentar as reuniões né? [...]. (G1)
Na consulta da (Enfermeira), ela conversa mesmo, dá aquela oportunidade de você se abrir com ela e conversar né. Então ela explica é o efeito, porque também não adianta o médico falar assim: Você tira isso, isso, porque você é diabética. (G2)
Nesse contexto, o usuário, ao reconhecer os serviços que estão sendo disponibilizados pela equipe e aqueles que são prestados, reflete a necessidade de valorização do que tem disponível em sua ESF e almeja que este cuidado se mantenha.
Semana passada mesmo, eu estava conversando com um rapaz, e ele falou que eu dei sorte, porque diz ele que ele consulta na ESF (nome da estratégia)[...] não faz acompanhamento de nada do diabetes. Falei com ele: mas lá no nosso posto lá tem a (Enfermeira)[...]. (G1)
Categoria 2: Empoderamento do usuário por meio da consulta de enfermagem: a dialética entre a construção e a “regressão”
O usuário, diante de sua condição crônica, desconhece, muitas vezes, as implicações que tal diagnóstico trará para o seu dia a dia, especialmente por questões culturais que podem interferir em sua visão de mundo e em suas escolhas.
E quando a gente não conhece a doença causa sempre um medo na gente, né? [...] o que eu via falar de diabetes, via falar de amputação por causa de diabetes, e isso causava um certo medo na gente. Agora, que teve essa explicação aqui em conjunto, a gente sabendo o que é a doença, a gente lida melhor com ela, né? (G1)
A consulta de enfermagem individual e coletiva permitiu, na percepção dos participantes, reformulações de antigos conceitos e a abertura para novas concepções, construindo-se assim um alicerce para escolhas mais conscientes.
[...] foi muito importante porque eu tinha muito medo, dentro do diabetes tinha muito medo. (G1)
O usuário começa a se questionar, se aceitar e a perceber sua posição diante da condução de seu autocuidado e as implicações a longo prazo.
Igual eu falei: só tomar remédio é fácil, você não pode comer isso e isso e isso. Por quê? Porque você é diabética [...] Mas aí, só isso não resolve. (G2)
Diante disso, o indivíduo pode se empoderar frente sua condição e a buscar escolhas com base no conhecimento adquirido durante a consulta de enfermagem e ações educativas.
Nada a gente podia comer, só que aí eu aprendi que a gente pode comer de tudo, mas moderado. Então é uma coisa que eu venho aprendendo. (G2)
Verificou-se que o usuário passa a reconhecer os resultados alcançados a partir da implementação das ações de modificação do estilo de vida.
Eu mudei muito, porque ela (Glicemia) sempre continuava 400 até 600 [...] agora ela está cem, cento e pouco. (G1)
No entanto, há a permanência de conceitos preestabelecidos, mesmo após o acompanhamento realizado que devem ser valorizados e desmistificados em futuras abordagens.
Eu acho que esse trem pega [...] não sei por que apareceu essa doença, porque meu avô morreu de velho. (G1)
De acordo com os resultados do estudo, a baixa escolaridade e o tempo de diagnóstico se assemelham a outros achados e devem ser refletidos de maneira crítica pelo enfermeiro, pois são variáveis influenciadoras no conhecimento e atitudes do usuário frente a sua condição crônica e têm relevância ao se planejar o cuidado. 11,17-18
Ações de saúde planejadas de modo diversificado, com vistas às particularidades individuais e o estímulo à promoção da saúde e ao autocuidado são cada vez mais valorizadas no manejo do DM, diante do impacto positivo na vida do usuário.15,19 Um ensaio clínico randomizado acompanhou usuários, deste município, mediante este novo paradigma e obteve resultados positivos tanto no controle metabólico, quanto nas mudanças comportamentais de autocuidado.5
No entanto, há diversos entraves presentes no cotidiano do enfermeiro e da equipe de saúde que dificultam as práticas assistenciais preconizadas como: a alta demanda, fragilidade na referência e contra referência, apoio ineficiente da gestão, manutenção do cuidado pautado no modelo biomédico.3-4 Estes fatores podem influenciar a relação usuário/equipe e fragilizar o cuidado longitudinal.18,20-21
Este estudo demonstra que a consulta de enfermagem não era uma realidade instituída na ESF conforme preconizado, ainda que o DM seja uma área de atenção à saúde prioritária. Situações semelhantes foram observadas em outros locais, nos quais além da incipiência quanto a sua realização, há também a manutenção do modelo biomédico.18,20-21
Diante das barreiras que o sistema de saúde apresenta e das possíveis limitações individuais de cada profissional, o usuário pode não perceber o enfermeiro como um dos atores envolvidos em seu processo de cuidar, seja pela incipiência das ações realizadas ou pela não realização da consulta de enfermagem como rotina na assistência prestada. Esta complexa teia de relações e fatores podem interferir no autocuidado do DM.18,20
Sob a perspectiva interacionista, a natureza humana é produto de sua comunicação e o sujeito está em constante construção por meio de suas vivências.13 Assim, as questões sociais, culturais e individuais precisam ser respeitadas e valorizadas, pois influenciam suas escolhas e atitudes a respeito de sua saúde e podem tornar-se um facilitador ou uma barreira na obtenção de bons resultados das intervenções realizadas.22
Como evidenciado neste estudo, o usuário atendido por meio de um processo dialógico e sistematizado, seja individualmente ou em grupo, interage com o enfermeiro, recebe o cuidado prestado, se fortalece e constrói o saber a respeito de sua condição e ainda há a troca experiências com seus pares.14-15 Sob a ótica do interacionismo simbólico estes pontos se relacionam e provocam uma ressignificação de antigos conceitos e há abertura a novos conhecimentos, transformando o sujeito ao longo do tempo.13
A utilização do Protocolo de Mudança de Comportamento como norte para a implementação do cuidado direciona para as necessidades individuais e trabalha suas potencialidades e limitações, de modo a estimular um plano de cuidado factível, definido pelo próprio usuário. 7,13-15
É aconselhável que às ações educativas em grupo ou individuais sobre DM sejam realizadas pelo enfermeiro e equipe e aborde temas que estimulem o autocuidado.7,18 Destaca-se também, a importância de melhorar o nível de conhecimento do usuário sobre sua condição crônica e assim, instigar seu empoderamento e sensibilizá-lo quanto à corresponsabilização no cuidado à sua saúde, pois de acordo com o interacionismo simbólico, o indivíduo age com base naquilo que lhe é significativo.13,15
Estudo aponta que a avaliação de um programa educativo, organizado e realizado de maneira sistematizado, realizado após cinco anos de seu término, identificou efeito duradouro de suas ações.18 Tal achado permite inferir, sob a perspectiva do interacionismo simbólico e diante dos relatos, que o conhecimento adquirido pelo usuário nas consultas de enfermagem, foi interiorizado de forma significativa.13
Resultados de uma revisão sistemática mostraram que os enfermeiros têm papel importante no tratamento do DM que é necessário eliminar quaisquer barreiras que os impeçam de prestar cuidados adequados. Além disso, esse estudo ainda descreveu o enfermeiro como facilitador de seu conhecimento e orientador de seu autocuidado.23
Este contato, originado pela comunicação, torna possível a interação entre enfermeiro e usuário e ao analisar esta relação por meio do interacionismo simbólico há a emersão de um símbolo significante, pois o usuário recebe o cuidado prestado e isto torna-se significativo para ele e não apenas para o enfermeiro.13
Diante dos resultados positivos no acompanhamento à pessoa com DM, é imperativo que as ações da enfermagem sejam permanentes, pois a mudança de comportamento não acontece em um único contato. A educação ao adulto necessita de idas e vindas e ocorre por repetição, sempre com foco na subjetividade do indivíduo.5,15,17-18
Salienta-se limites do estudo como: a realização de grupo focal em detrimento de entrevistas individuais, a inibição natural de alguns usuários e o tempo curto de seis meses de acompanhamento. Como forma de amenizar, no grupo focal o facilitador procurou estimular todos os usuários a manifestarem suas opiniões e assegurou sigilo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A consulta de enfermagem realizada individualmente ou em grupo, quando direcionada de maneira planejada com foco na gestão do cuidado, auxilia o usuário a reconhecer sua condição crônica, de forma a desmistificar o medo, estimulando o empoderamento e o autocuidado. É importante que o enfermeiro se empodere de suas atribuições e que as consultas de enfermagem sejam instituídas dentro dos serviços de saúde de modo planejado e pautadas em evidências atualizadas.
Espera-se que os resultados, aqui apresentados, estimulem os enfermeiros da APS a realizarem a consulta de enfermagem de modo permanente e com instrumentos norteadores, tendo em vista os relatos positivos deste acompanhamento. Ademais, são necessários outros estudos que englobem também a percepção de enfermeiros sobre a assistência prestada e da gestão a despeito destas ações de modo a triangular todos os olhares com o intuito de aprimorar e fortalecer a consolidação da consulta de enfermagem.
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Recebido em: 18/05/2020
Aceito em: 11/12/2020
*Este artigo é proveniente de um trabalho de conclusão de residência o qual está publicado no repositório da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ), disponível em: https://ufsj.edu.br/portal2-repositorio/File/resenf/Marine%20TCC.pdf
[1] Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ). Divinópolis, Minas Gerais (MG), Brasil. E-mail: danielcortez@ufsj.edu.br ORCID: 0000-0002-4644-274X
[2] Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ). Divinópolis, Minas Gerais (MG), Brasil. E-mail: mery_ita@hotmail.com ORCID: 0000-0002-0024-6663
[3] Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ). Divinópolis, Minas Gerais (MG), Brasil. E-mail: fernandalanza@ufsj.edu.br ORCID: 0000-0001-8250-180X
Como citar: Cortez DN, Santos MT, Lanza FM. Consulta de enfermagem: o cuidado na perspectiva da pessoa com diabetes mellitus tipo 2. J. nurs. health. 2021;11(1):e2111118810. Disponível em: https://periodicos.ufpel.edu.br/ojs2/index.php/enfermagem/article/view/18810