Viegas AC, Farias CR, Arrieira ICO, Pinto RO, Maagh SB, Fernandes VP. Cuidado paliativo de pacientes com condições crônicas durante a pandemia Coronavírus 2019. J. nurs. health. 2020;10(n.esp.):e20104021

https://periodicos.ufpel.edu.br/ojs2/index.php/enfermagem/article/view/19118

RELATO DE EXPERIÊNCIA

Cuidado paliativo domiciliar de pacientes com condições crônicas durante a pandemia Coronavírus 2019

Home palliative care of patients with chronic conditions during the Coronavirus 2019 pandemic

Cuidado paliativo domicilio de pacientes con afecciones crónicas durante la pandemia de Coronavirus 2019

Viegas, Aline da Costa[1]; Farias, Cintia Rodrigues[2]; Arrieira, Isabel Cristina Oliveira[3]; Pinto, Raquel Oliveira[4]; Maagh, Samanta Bastos[5]; Fernandes, Vanessa Pellegrini[6]

RESUMO

Objetivo: apresentar a experiência de profissionais da saúde ao cuidarem de pessoas com condições crônicas em cuidados paliativos no domicílio durante a pandemia do Coronavírus 2019. Método: ensaio teórico reflexivo de cinco enfermeiras e uma médica ao atenderem pessoas em cuidados paliativos em um Serviço de Atenção Domiciliar no Rio Grande do Sul. Resultados: percebeu-se a necessidade dos profissionais se reinventarem, cujas restrições, distanciamento, uso de equipamentos de proteção são essenciais para o cuidado de modo seguro, e que o olhar da pessoa em cuidados paliativos na integralidade necessita continuar fazendo parte da assistência. Considerações finais: apesar das restrições de distanciamento social com diminuição da aproximação física dos pacientes e cuidadores é possível manter os cuidados paliativos domiciliares e primar pela sua essência, que é cuidar da pessoa em sua integralidade.

Descritores: Cuidados paliativos; Assistência domiciliar; Equipe de assistência ao paciente; Coronavirus

ABSTRACT

Objective: to present the experience of health professionals when caring for people with chronic conditions in palliative care at home during the 2019 Coronavirus pandemic. Method: reflective theoretical essay of five nurses and a doctor when assisting people in palliative care in a Home Care Service in Rio Grande do Sul. Results: it was noticed the need for professionals to reinvent themselves, whose restrictions, distance, use of equipment protection are essential for safe care, and that the view of the person in palliative care in its entirety needs to remain part of the assistance. Final considerations: despite the restrictions of social distance with a decrease in the physical approach of patients and caregivers, it is possible to maintain palliative care at home and excel in its essence, which is taking care of the person in their entirety.

Descriptors: Palliative care; Home nursing; Patient care team; Coronavirus

RESUMEN

Objetivo: presentar la experiencia de los profesionales de la salud al atender a personas con afecciones crónicas en cuidados paliativos en el hogar durante la pandemia de coronavirus de 2019. Método: ensayo teórico reflexivo de cinco enfermeras y un médico al atender a las personas en cuidados paliativos en un servicio de atención domiciliaria en Rio Grande do Sul. Resultados: se notó la necesidad de que los profesionales se reinventaran, cuyas restricciones, distancia, uso de equipos la protección es esencial para una atención segura, y que la visión de la persona en cuidados paliativos en su totalidad debe seguir siendo parte de la asistencia. Consideraciones finales: a pesar de las restricciones de la distancia social con una disminución en el contacto físico de los pacientes y cuidadores, es posible mantener los cuidados paliativos en el hogar y sobresalir en su esencia, que es cuidar a la persona en su totalidad.

Descriptores: Cuidados paliativos; Atención domiciliaria de salud; Grupo de atención al paciente; Coronavirus

INTRODUÇÃO

Conforme a Organização Mundial da Saúde os Cuidados Paliativos (CP) objetivam a melhoria da qualidade de vida da pessoa doente e de seus cuidadores/familiares, diante de uma patologia ou agravo que ameace a continuidade da vida. Ocorre por meio de práticas preventivas e de minimização do sofrimento, da oportuna identificação, avaliação e tratamento da dor e outros sintomas físicos, psicológicos, sociais e espirituais, a partir de uma assistência multidisciplinar, de caráter interdisciplinar. Além disso, visa considerar a morte como um processo natural, sem acelerar ou retardar seu curso. É aplicável desde o diagnóstico, inclusive, em associação com terapias que se destinam a prolongar a vida, como a quimioterapia ou a radioterapia, desde que indicadas de modo apropriado.1

O ambiente domiciliar é considerado um espaço para a realização dos CP e vem sendo descrito na literatura a relevância desse cenário como propício para o cuidado, com vistas a reduzir o sofrimento em decorrência do adoecimento, e também, na possibilidade de colaborar para a promoção da dignidade no processo de morrer.2

O estabelecimento do cuidado no domicílio é permeado por condições complexas e específicas, sendo relevante o vínculo positivo entre as pessoas assistidas, seus cuidadores e profissionais da saúde, sendo fundamental considerar as especificidades de cada grupo. É neste contexto que os profissionais da equipe interdisciplinar são essenciais, no que tange ao apoio em relação às questões técnicas, emocionais e psicológicas, com a intenção de diminuir a insegurança e promover o cuidado neste espaço.3

Diante de um cenário marcado pelos crescentes casos de pessoas em condições crônicas não transmissíveis e o aumento da necessidade de CP e atendimento domiciliar, em 2020, o mundo se depara com uma pandemia em decorrência de uma doença viral de alta transmissibilidade, intitulada Coronavírus 2019. Em 20 de março de 2020, no Brasil, foi anunciado que a transmissão da doença se tornava comunitária em todos os entes da federação. Desde então, tem-se observado o aumento de casos em larga escala, o que exige estratégias para seu controle, e também, para que o sistema de saúde possa atender as pessoas que necessitam de cuidados mais intensivos.4 Além do mais, especialistas que elaboraram um Consenso para CP devido ao Coronavírus 2019 no Equador salientam que devido a esta enfermidade existem consequências negativas no sistema de saúde, percalços para as famílias, comunidade e economia, e um exponencial crescimento do sofrimento das pessoas e do número de mortes.5

A fim de colaborar com a prestação de assistência na Rede de Atenção em Saúde (RAS), o Ministério da Saúde Brasileiro, com seu departamento de Atenção Hospitalar e Domiciliar, igualmente em março de 2020, lançaram a nota técnica de Nº 9/2020 com o intuito de orientar a atuação dos Serviços de Atenção Domiciliar (SAD) do Programa Melhor em Casa, quanto as possibilidades de atendimento das pessoas doentes, inclusive com o diagnóstico do Coronavírus 2019, com destaque para que as equipes de saúde que compõe os SADs estejam vigilantes e que pudessem cooperar com os demais serviços da RAS.6

Não obstante, autores salientam que a atenção a pessoa em CP necessitou ser repensada devido a pandemia. Contudo, elementos substanciais como o olhar para a qualidade de vida e de morte, cuidado aos familiares, comunicação efetiva e o trabalho em equipe precisam ser mantidos com excelência.7

Apesar de considerar que os SADs têm potencial para colaborar no atendimento às pessoas portadoras do Coronavírus 2019, e contribuir consideravelmente com a RAS, essa reflexão vem no sentido de contribuir com a atenção aos demais pacientes, ou seja, às pessoas com condições crônicas e que necessitam de CP, e que neste momento, podem não ser prioridade nas estratégias e ações governamentais.

Ressalta-se que esses pacientes e seus cuidadores/familiares necessitam de atenção continua em consequência da condição que se encontram, envolta por disfunções orgânicas, psicológicas, sociais e espirituais. Sendo assim, é indispensável o cuidado, de modo seguro, com uso das precauções recomendadas, como por exemplo, uso de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs), telemonitoramento e diminuição do número de profissionais circulantes no domicílio.

Portanto, considerando o contexto de atenção as pessoas com condições crônicas em CP e a necessidade de seguimento da assistência prestada pelos profissionais, apesar da pandemia do Coronavírus 2019, esse estudo tem como objetivo apresentar a experiência de profissionais da saúde ao cuidarem de pessoas com condições crônicas em cuidados paliativos no domicílio durante a pandemia do Coronavírus 2019.

MÉTODO

Caracteriza-se por ser um ensaio teórico reflexivo em busca da compreensão da realidade, em que os pesquisadores destacam aspectos subjetivos do objeto a ser investigado.8 Essas reflexões ocorreram a partir do mês de março de 2020 e seguiram até junho do corrente ano, momento em que a pandemia em decorrência do Coronavírus 2019 e suas restrições foram reconhecidas pelo SAD de um município no Sul do Rio Grande do Sul e a consequente construção deste estudo.

Esse serviço possui três equipes do Programa Melhor em Casa que atende pessoas com diferentes patologias e condições de saúde e duas equipes exclusivas para pacientes oncológicos. Todas essas equipes têm possibilidades e prestam assistência às pessoas em CP, especialmente aquelas direcionadas para a oncologia. As equipes são compostas por enfermeira(o), médica(o), técnica(o) e/ou auxiliar em enfermagem, assistente social e motorista. E possuem na equipe de apoio: nutricionista, fisioterapeuta, psicóloga, terapeuta ocupacional e odontóloga, bem como, assistente espiritual o qual atua como voluntário. No mês de junho de 2020 havia 107 pacientes em acompanhamento domiciliar, sendo que desses 61 estavam em CP.

Os atendimentos domiciliares ocorrem de modo interprofissional, nos quais diária ou semanalmente profissionais da enfermagem e medicina assistem às pessoas dentro das suas residências, e possuem apoio dos demais integrantes da equipe. Também integra o processo de trabalho das equipes, reuniões semanais ou quinzenais, nas quais cada profissional contribui com sua impressão a partir de seu núcleo do conhecimento com o objetivo de elaborar o Projeto Terapêutico Singular do paciente, considerando todas as dimensões do cuidado. Nessas reuniões em grupos, os integrantes da equipe têm a possibilidade de discorrer sobre os pacientes e contribuir com o seu saber, com a intenção de qualificar a assistência prestada.

As reflexões tecidas neste ensaio são resultantes da experiência profissional de cinco enfermeiras e uma médica, as quais atuam em diferentes equipes e assistem essas pessoas no ambiente domiciliar, por meio das vivências cotidianas durante os atendimentos e discussões em grupo, onde estratégias de cuidado e segurança, qualidade da assistência, angústias, medos, insegurança e frustração são compartilhadas. Por ser um estudo que aborda a experiência das autoras, não foi necessária apreciação de um Comitê de Ética em Pesquisa.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Atenção domiciliar: quando o distanciamento também é cuidado e necessário para a segurança das pessoas com condições crônicas em CP, cuidadores/familiares e profissionais da saúde

O cenário da atenção domiciliar em que as profissionais estão inseridas é característico pela aproximação das pessoas, em que pacientes e cuidadores/familiares são acolhidos com toque afetivo cotidianamente. Nesse sentido, o cumprimento por meio de abraços faz parte da aproximação inicial. O “olhar nos olhos” e sentar à beira do leito entrelaçando as mãos (paciente-cuidador/familiar-profissional) também faz parte da ação diária.

Dado semelhante foi identificado em uma pesquisa desenvolvida em Minas Gerais com 12 profissionais da saúde que atuavam na atenção domiciliar, onde foi ressaltado que as práticas de cuidado incluíam orientações relacionadas aos dispositivos médicos como curativos, sondagem de alimentação e vesical, prevenção de lesões por pressão, dentre outras, todavia, a disponibilidade para apoio e afeto também foram consideradas essenciais.9

É neste contexto que se percebe as práticas de atenção à saúde humanizadas, em que todas as dimensões da experiência humana são consideradas importantes para o cuidado pleno da pessoa com a doença e seus cuidadores/familiares. Nesse sentido, o CP é estabelecido, sendo destacado a partir da experiência das autoras que é necessário cotidianamente avaliar e cuidar a dimensão física, social, espiritual e emocional das pessoas assistidas. Portanto, a aproximação de algum dos integrantes da equipe é fundamental a fim de vigiar o que pode estar alterado naquele momento de encontro, apesar das restrições em decorrência do Coronavírus 2019.

Nessa linha de pensamento, é que se entende que todas as dimensões da vida necessitam ser consideradas como relevantes, e que neste instante, a pessoa precisa ser compreendida em sua integralidade, para que isto ocorra, a atenção em saúde, exige o trabalho em equipe de modo interdisciplinar.10-11

Diante do contexto do Coronavírus 2019 existem rompimentos nos fluxos de atendimento, com necessidade do distanciamento e redução do número de encontros com as pessoas assistidas e seus cuidadores/familiares, desde que não comprometa o cuidado, necessidade da utilização de EPIs, a fim de garantir maior segurança para todos os envolvidos e reorganização das equipes e do seu modo de exercer suas atividades laborais.

No que diz respeito às vivências das profissionais quanto ao atendimento das pessoas em CP na RAS foi possível perceber que as consultas com especialidades médicas estavam suspensas, assim como os exames, exceto os de urgência. O ambulatório de CP do município também estava com o atendimento interrompido, o que dificultou as possíveis altas, bem como a assistência por parte das Unidades Básicas de Saúde aos cuidadores/familiares que utilizam esses serviços para buscar prescrição médica de medicamentos de uso contínuo e atendimento. Outra limitação em decorrência da pandemia, como forma de diminuir a circulação nas Unidades de Oncologia, foi a impossibilidade dos pacientes em quimioterapia e radioterapia terem acompanhantes durante os tratamentos e consultas.

Profissionais do Serviço de referência Nacional Médico da Unidade de  Cuidados Paliativos do Hospital do Câncer do Instituto Nacional de Câncer (INCA), que construíram estratégia para a atenção ao paciente oncológico no decorrer da pandemia, destacam que carece readaptações nas práticas assistenciais, tendo em vista as recomendações do governo para redução do deslocamento das pessoas, inclusive dos profissionais da saúde, visando a proteção de todos, com ressalva para a manutenção da qualidade da atenção em saúde.12 Além disso, os exames de imagem e de laboratório, sempre que possível, devem ser minimamente requisitados.11

As reuniões multidisciplinares presenciais no SAD em questão ocorriam sistematicamente, todavia, necessitaram ser suspensas. Até o momento da construção deste estudo, os profissionais ainda não haviam elaborado estratégias para dar continuidade aos encontros, como por exemplo, a partir da utilização de meio digital, embora se considere relevante a construção coletiva para a qualificação das práticas assistenciais. Todavia, na literatura há recomendações de que as reuniões multidisciplinares sejam continuadas por meio de plataformas virtuais, mantendo a essência das reuniões em que toda a equipe esteja presente e contribuindo com seus saberes.11

Apesar deste novo “modelo” de atenção que o Coronavírus 2019 exige, é primordial que as pessoas com doenças avançadas e seus cuidadores/familiares, especialmente as que estão no fim de vida, recebam os CP de maneira apropriada, independente do ambiente de estabelecimento da assistência, seja hospitalar ou domiciliar.13

Conjuntamente com o compromisso de estabelecer o cuidado efetivo, tem-se a necessidade do distanciamento, cujo momento provoca reações nos profissionais como preocupação e tensão, o que foi evidenciado com frequência, ao passo que havia um questionamento de como seria possível continuar atendendo as pessoas de maneira qualificada, embora de modo distante. Todos tiveram atenção e zelo para que os atendimentos não ocorressem de modo desorganizado ou às pressas, levando-se em consideração as necessidades da pessoa com a doença e sua família e/ou cuidadores. Sendo assim, as profissionais entendem que estão desempenhando suas funções de maneira congruente e adaptada para o cenário atual.

Ainda, cabe destacar como se deu a reorganização das equipes do SAD, como por exemplo, apenas um dos integrantes entrar no domicílio e realizar o atendimento de modo qualificado e atento, enquanto os demais, permaneciam no veículo de transporte, fazendo o preparo de medicamentos e/ou organizando os materiais para procedimentos que necessitavam ser realizados. Salienta-se que apenas a verificação de sinais vitais de rotina não foi realizada, os demais procedimentos foram mantidos com as precauções necessárias.

Embora as profissionais considerem que estão realizando as práticas de cuidado da melhor maneira possível, surge um “estranhamento” ao se entrar no domicílio e ser impossível a troca de abraço afetivo, já que todos estavam habituados com esse gesto, que pode parecer simples, mas é carregado de sentido no contexto da fragilidade e sofrimento humano. Desse modo, é preciso ter criatividade, por meio de outros gestos que sejam seguros, mas que demonstrem respeito e atenção por parte da equipe. Entre esses surgiram gestos que encenam abraço, representação do símbolo do coração com os dedos e lançamento de beijos à distância.

Conforme a nota técnica Nº 9 de 2020, no cenário da pandemia é possível realizar telemonitoramento, com observação do plano terapêutico e diminuição no número de atendimentos presenciais, desde que não interfira na condição da pessoa cuidada ou piore seu quadro clínico.5-6,12 Em um estudo publicado por autores norte-americanos a emergência das estratégias de Telessaúde e a possibilidade do acompanhamento dos pacientes por telemonitoramento são evidenciadas como um recurso necessário para auxiliar na tomada de decisão, e sobretudo, diminuir o risco de contágio pelo Coronavírus 2019, o que poderá influenciar positivamente na qualidade da assistência em saúde.14

Dessa forma, em algumas situações, como por exemplo, rever se a terapêutica proposta havia sido efetiva, avaliar com os cuidadores/familiares se a lesão cutânea apresentava alterações, monitoramento de glicemia, dentre outros, os contatos telefônicos ocorreram, e nesta oportunidade, um dos integrantes da equipe se colocava a disposição caso fosse necessário atendimento presencial. Enfatiza-se que por ser um serviço domiciliar, os familiares são continuamente orientados quanto às possíveis alterações no estado geral da pessoa assistida, portanto, esse olhar atento do cuidador/familiar responsável é incentivado desde o início do cuidado, e reiterado no monitoramento à distância durante a pandemia. Nessa perspectiva, a assistência presencial deve ser priorizada, principalmente, às pessoas com sintomatologia não controlada, com a equipe planejando estratégias para que as medicações e cuidados sejam mantidos adequadamente.7,12

O uso dos EPIs é fundamental para a segurança dos profissionais da saúde, mas também, para as pessoas atendidas. Todavia, o uso constante de máscaras, óculos de proteção, sapatos fechados e luvas, minimamente, no cenário da atenção domiciliar é uma prática que o Coronavírus 2019 exigiu. Mas, a possibilidade de não ter disponível para o uso de todos e a necessidade de contenção devido à falta no mercado gerou desconfortos no ambiente de trabalho, os quais podiam ser percebidos pelo estresse e ansiedade dos profissionais.

Inicialmente, em meio as dúvidas de qual protocolo a instituição hospitalar iria seguir, a Comissão de Controle de Infecção Hospitalar (CCIH) orientou o uso de máscaras de proteção do tipo cirúrgica somente nos casos suspeitos, a fim de manter o estoque para os profissionais que atenderiam os casos confirmados dentro do hospital, fato que maximizou a insegurança dos profissionais quanto a possibilidade de contaminação, devido às chances de terem casos assintomáticos na comunidade.

Nesse sentido, alguns profissionais uniram-se e solicitaram diálogo com a gerência de enfermagem da instituição, explicitando os anseios devido a não se ter controle dentro do ambiente domiciliar em relação ao fluxo de pessoas, à circulação dos cuidadores/familiares e aos cuidados para prevenção de contaminação com o vírus. Dessa maneira, foi autorizada a utilização das máscaras N95, com reutilização desde que se mantivessem íntegras, sendo indicada a troca quando em más condições. Na literatura, as recomendações indicam que é imprescindível o uso de EPIs adequados pelos profissionais de acordo com o ambiente de trabalho, e que os gestores necessitam garantir esses insumos, promovendo assim, a segurança do profissional que está em contato com as pessoas.11,15

A reorganização das equipes foi um “nó” crítico a ser enfrentado, no sentido de redução da força de trabalho, já que o hospital em que o SAD é vinculado foi considerado referência para o tratamento das pessoas com Coronavírus 2019. Além disso, pelo risco de exposição e contato com o vírus durante a atividade laboral, alguns profissionais foram afastados por pertencerem aos grupos de risco como, gestantes, lactentes, portadores de condições crônicas e idosos. Ainda, houve necessidade de realocar os profissionais entre as equipes, onde se observou fortalecimento de vínculos e colaboração.

Em uma situação especial, uma das equipes ao realizar atendimento a uma pessoa com câncer em CP, deparou-se com um momento em que não conseguiram evitar o contato físico, pois a paciente os surpreendeu no final do atendimento domiciliar com abraço afetuoso, ao sentir gratidão pela atenção proporcionada pela equipe, apesar dos profissionais terem explicado inicialmente sobre a necessidade do distanciamento.

Nesse instante, sentimentos ambíguos emergiram: surpresa/preocupação, porém ao mesmo tempo uma sensação de entrega e de emoção o que impossibilitou a restrição do gesto de afeto. Este fato demonstra que mesmo com todos os esforços em manter o distanciamento físico das pessoas atendidas, a equipe pode ser surpreendida e refletir a respeito da falta de controle total da situação. Mesmo assim, no momento da despedida no domicílio, os profissionais reiteraram a necessidade do distanciamento para segurança de todos.

Em relação a abordagem espiritual, quando o paciente e a família e/ou cuidadores manifestam o desejo de receber apoio, os profissionais podem servir como um elo, com a indicação de atendimento por plataformas virtuais, sempre respeitando os credos religiosos de cada pessoa. Além disso, o respeito, o silêncio, o se colocar no lugar do próximo e a escuta terapêutica também fazem parte da assistência diária das profissionais.  

A ressignificação da vida, a busca da paz e da esperança pode ocorrer por meio da espiritualidade que é a capacidade de o ser humano transcender no tempo e espaço e se conectar com um ser superior, sobretudo, nos momentos em que se sente fragilizado e vivenciando situações dramáticas, como é o adoecimento.5,16 Mesmo com o incentivo às práticas espirituais e religiosas às pessoas em CP, é fundamental orientar o uso de EPIs nos atendimentos presenciais pelos entes religiosos, e destacar a possibilidade dos atendimentos virtuais.16

Outra experiência das profissionais do SAD foi o atendimento aos cuidadores/familiares no pós-óbito do paciente, em que a visita de condolências tem o sentido de encerrar um ciclo de convivência semanal/diária com aquele grupo. Em algumas situações a visita ocorreu na frente do domicílio, entretanto, em outras o cuidador/familiar demonstrou desejo de que o profissional entrasse em um dos cômodos para uma maior interação e reflexão a respeito do que havia sido vivenciado nos últimos momentos com o ente querido.

A circunstância do sofrimento espiritual, do final de vida e do luto, durante a pandemia, requer dos profissionais da saúde criatividade para que atuem de modo oportuno, atendendo às necessidades das pessoas enlutadas, nas quais devem manter dois cuidados primordiais: a atenção e o distanciamento social no mesmo momento.5

As impressões que os profissionais do SAD apresentam em relação ao comportamento das famílias e/ou cuidadores é diversificada dependendo do contexto a relatar. Enquanto, algumas pessoas já esperam com máscaras, álcool em gel e água sanitária para higienizar os calçados, demonstrando preocupação com a contaminação pelo vírus, outras inicialmente demonstram estranhamento com a ausência da aproximação anteriormente habitual. Ao passo que as informações são divulgadas na mídia e pela equipe assistencial, a maioria compreende a gravidade da doença e colaboram com as estratégias de prevenção, como por exemplo, recebendo e usando as máscaras de tecido fornecidas pela equipe.

Diante do que foi apresentado, entende-se que é primordial aliar os CP ao cuidado humano com respeito, solidariedade e empatia. E que os profissionais da saúde que atendem no domicílio, têm potencial para colaborar na assistência as pessoas com uma condição que aspira atenção intensa.2 Contudo, neste momento de pandemia, todas as restrições, distanciamento, uso de equipamentos de proteção, dentre outros cuidados são essenciais para o estabelecimento do cuidado de modo seguro.

Há o reconhecimento na literatura em relação ao potencial dos profissionais da saúde e dos esforços e dedicação que estão vivenciando no contexto do Coronavírus 2019. Não obstante, destaca-se ser primordial o fornecimento de insumos e ambiente seguro para o estabelecimento da assistência, independentemente de ser no hospital ou domicílio.14

As reflexões apresentadas a partir da experiência das profissionais demonstram que proporcionar o cuidado às pessoas no cenário paliativo é desafiador, sobretudo, durante a pandemia de Coronavírus 2019, na qual as pessoas envolvidas no cuidado têm receio de transmitir e/ou contaminar os demais. Nesse sentido, as práticas de atenção e cuidado precisam ser reestruturadas e ressignificadas, embora sua essência necessita ser mantida.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Apesar da insegurança e do medo dos profissionais da equipe de atenção domiciliar por estarem vivenciando uma pandemia, em que pouco se conhece sobre sua evolução, é possível com a permanência dos atendimentos ofertar aos pacientes e seus cuidadores/familiares segurança e tranquilidade, evitando exacerbações de condições clínicas crônicas e dos sintomas em fim de vida, minimizando a necessidade de deslocamento a outras modalidades de atendimento à saúde.

Entende-se que independentemente das restrições de distanciamento social com diminuição da aproximação física das pessoas atendidas e de seus familiares é possível manter os CP domiciliares e primar pela sua essência, que é cuidar da pessoa em sua integralidade com atenção para todas as dimensões da vida, por meio de reinvenção das práticas assistenciais.

Em suma, acredita-se no potencial desse nível de atenção e dos esforços dos profissionais da saúde no cuidado as pessoas que se encontram fragilizadas e que necessitam de apoio continuamente, independente do momento histórico que a humanidade está vivenciando. Portanto, espera-se que essa reflexão instigue outros serviços a manter os CP de modo oportuno, inclusive no ambiente domiciliar, mesmo durante a vigência da pandemia ocasionada pelo Coronavírus 2019. Como limitação deste estudo, salienta-se que a experiência aqui apresentada, é vista sob o olhar apenas dos profissionais da saúde, e que seria relevante conhecer a visão dos pacientes e familiares sobre o contexto analisado.

AGRADECIMENTOS

Ao Renato Lins Rodrigues e ao Tiago Maas pela disponibilização das informações quantitativas a respeito do Serviço de Atenção Domiciliar.

REFERÊNCIAS

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Data de submissão: 03/07/2020

Data de aceite: 25/07/2020

Data de publicação: 14/08/2020



[1] Enfermeira. Doutora em Ciências. Hospital Escola da Universidade Federal de Pelotas (UFPEL)/Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH). Rio Grande do Sul, Brasil. E-mail: alinecviegas@hotmail.com http://orcid.org/0000-0001-6134-0496

[2] Enfermeira. Especialista em Saúde Pública. Hospital Escola da Universidade Federal de Pelotas (UFPEL)/Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH). Rio Grande do Sul, Brasil. E-mail: cicafarias@yahoo.com.br http://orcid.org/0000-0001-9755-3020

[3] Enfermeira. Doutora em Ciências. Universidade Católica de Pelotas (UCPEL). Rio Grande do Sul, Brasil. E-mail: isabel.arrieira@ucpel.edu.br http://orcid.org/0000-0003-4607-9255

[4] Enfermeira. Mestra em Saúde Coletiva. Hospital Escola da Universidade Federal de Pelotas (UFPEL)/Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH). Rio Grande do Sul, Brasil. E-mail: quel_enf@yahoo.com.br http://orcid.org/0000-0002-6737-8871

[5] Enfermeira. Mestra em Ciências. Universidade Católica de Pelotas (UCPEL). Rio Grande do Sul, Brasil. E-mail: samantamaagh@yahoo.com.br http://orcid.org/0000-0003-4337-8321

[6] Médica. Especialista em Clínica Médica e Geriatria. Hospital Escola da Universidade Federal de Pelotas (UFPEL). Hospital Universitário de Rio Grande (FURG)/ Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH). Rio Grande do Sul, Brasil. E-mail: nessapfernandes@gmail.com http://orcid.org/0000-0003-0435-2487