ARTIGO ORIGINAL

Avaliação do nível de estresse em acadêmicos de enfermagem de uma universidade pública

Stress level assessment in nursing students of a public university

Evaluación del nivel de estrés en estudiantes de enfermería de una universidad pública

Alves, Gabriela Rodrigues dos Santos[1]; Ferreira, Eric Batista[2]; Monteiro, Cristiane Aparecida Silveira[3]; Andrade, Maria Betânia Tinti de[4]; Alves, Mariane Inaraí[5]; Bressan, Vânia Regina[6]; Silva, Simone Albino da[7]

RESUMO

Objetivo: avaliar o estresse em acadêmicos de enfermagem de uma universidade pública, identificando seu nível, comparando-o entre diferentes períodos e verificando correlação entre variáveis socioeconômicas. Método: estudo transversal, com 93 acadêmicos de 128, selecionados por conveniência. Dados coletados em dezembro de 2019, com instrumento socioeconômico e Escala de Avaliação de Estresse em Estudantes de Enfermagem. Análise feita com testes de qui-quadrado, exato de Fisher, Análise de Variância e Scott-Knott, 5% de significância. Resultados: predominou o nível médio de estresse (63,44%). Morar em república foi associado aos escores alto e médio de estresse comparado a morar com família (P=0,04). Nunca ter trabalhado foi associado aos escores altos de estresse. Concluintes apresentaram nível muito alto de estresse em “Formação Profissional” (13,71) e nível alto de estresse em “Realização das Atividades Práticas” (13) e “Comunicação Profissional” (7,28). Conclusão: a avaliação indica necessidade de intervenções sociais e na formação profissional.

Descritores: Estresse psicológico; Estudantes de enfermagem; Enfermagem

ABSTRACT

Objective: to assess stress in nursing students at a public university, identifying its level, comparing it between different periods and verifying the correlation between socioeconomic variables. Method: cross-sectional study, with 93 students out of 128, selected for convenience. Data collected in December 2019, through a socioeconomic instrument and the Nursing Student Stress Assessment Scale. Analysis performed with chi-square, Fisher's exact, Analysis of Variance and Scott-Knott tests, 5% significance. Results: the average level of stress prevailed (63.44%). Living in a republic was associated with high and medium stress scores compared to living with family (P=0.04). Never having worked was associated with high stress scores. Graduates showed a very high level of stress in “Professional Training” (13.71) and a high level of stress in “Performing Practical Activities” (13) and “Professional Communication” (7.28). Conclusion: the assessment indicates the need for social interventions and professional training.

Descriptors: Stress, psychological; Students, nursing; Nursing

RESUMEN

Objetivo: evaluar estrés en estudiantes de enfermería de una universidad pública, identificando su nivel, comparándolo entre diferentes períodos y verificando la correlación entre variables socioeconómicas. Método: estudio transversal, con 93 estudiantes de 128 seleccionados por conveniencia. Datos recolectados en diciembre de 2019, mediante instrumento socioeconómico y Escala de Evaluación de Estrés del Estudiante de Enfermería. Análisis realizado con chi-cuadrado, Exacto de Fisher, Análisis de Varianza y Scott-Knott. Resultados: predominó el nivel medio de estrés (63,44%). Vivir en una república se asoció con puntuaciones de estrés alto y medio en comparación con vivir con la familia (P = 0,04). No haber trabajado nunca se asoció con puntuaciones altas de estrés. Los egresados mostraron un altísimo nivel de estrés en “Formación Profesional” (13,71) y un alto nivel de estrés en “Realización de Actividades Prácticas” (13) y “Comunicación Profesional” (7,28). Conclusión: la valoración indica la necesidad de intervenciones sociales y formación profesional.

Descriptores: Estrés psicológico; Estudiantes de enfermería; Enfermería

INTRODUÇÃO

O estresse é uma resposta fisiológica do organismo a um processo de adaptação, seja física ou psicológica. Esse mecanismo foi fundamental para a sobrevivência durante a evolução do ser humano e reino animal, devido às suas necessidades de alimentar, reproduzir e segurança frente às ameaças.1

Os estressores universitários podem ser exemplificados pela adaptação da pessoa em um novo ambiente, que envolve o ambiente físico e social; o primeiro, caracterizado pelo clima, número de habitantes, distância e facilidade de acesso aos locais destinados, a mobilidade entre esses pontos, necessidade e custo com transporte público. Associado aos fatores do novo ambiente, ao ingressar na universidade, o graduando passa a assumir novas tarefas e demandas, dentre elas, a adequação em aos novos padrões de relacionamento com família, assim como novos marcos de relação com professores e entre colegas, o que por sua vez pode ocasionar dificuldade de adaptação.2

No âmbito acadêmico, as exigências da grade curricular, as pressões no cumprimento dos prazos e os conteúdos se tornam estressores muito presentes e o ambiente que contribuiria na construção do conhecimento, sendo o fundamento para as suas vivências de formação profissional, torna-se, por vezes, o desencadeador de distúrbios patológicos. Esses fatores estão envolvidos na adaptação ao novo momento, porém, sua constância pode agravar ou levar o estudante ao estado de exaustão, podendo gerar graves consequências psicológicas tais como ansiedade e depressão.3

No curso de graduação de enfermagem esses estressores também estão presentes. Isso se deve às características da profissão que lida com os limites humanos. Presenciando o sofrimento e a morte do outro, o aluno pode sair do contexto profissional e trazer à tona sentimentos provenientes da memória afetiva ou até mesmo se dá o processo de identificação, no qual o mesmo se coloca no lugar do sujeito, tomando a dor para si.4

Neste contexto, entende-se que conciliar a empatia com o profissionalismo é mais um fator estressor, pois o indivíduo põe-se a controlar suas emoções e, ao mesmo tempo, aplicar técnica e cientificidade sem cair em negligência, imprudência ou imperícia. O fator técnico-científico profissional correlacionado à parte administrativa da enfermagem gera um alto nível de responsabilidade com o paciente e sua família, com a equipe e instituição.

Sendo assim, o estudante de enfermagem se vê sobrecarregado de bagagens emocionais que envolvem sua individualidade perante um ambiente novo, o ambiente universitário e o curso escolhido, que lhe trazem um montante de situações complexas e sentimentos alheios para tratar, e fica na tentativa constante de adaptação. Então, o acadêmico se depara frente a uma realidade avaliada como estressora que pode ser geradora de desgaste ou satisfação.5

Diante do exposto e da vivência dos autores em uma comunidade acadêmica, questionou-se: qual é o nível de estresse de estudantes de enfermagem de uma instituição pública de ensino superior? Por meio desta pergunta, empreendeu-se uma pesquisa em busca de respostas que poderão ser utilizadas pelas entidades diretivas do ensino superior para o desenvolvimento de programas de prevenção e enfrentamento do sofrimento psíquico de estudantes.

O objetivo do estudo foi avaliar o estresse em acadêmicos de enfermagem de uma universidade pública, identificando seu nível, comparando-o entre diferentes períodos e verificando correlação entre variáveis socioeconômicas.

MÉTODO

Estudo quantitativo, do tipo transversal. Utilizou-se de amostragem não probabilística por conveniência,4 de modo que os participantes do estudo foram selecionados por estarem presentes na universidade e se colocarem como disponíveis quando ocorreu a coleta dos dados.

Nos aspectos éticos, o projeto foi encaminhado e aprovado no comitê de ética, sob o parecer consubstanciado de número 3.905.979. Garantiu-se o anonimato e o confidencialidade das informações prestadas pelos respondentes para a realização da pesquisa. Somente participaram aqueles que deram sua anuência por meio da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

A pesquisa foi realizada com os alunos matriculados do curso de Enfermagem de instituição federal de ensino superior, localizada na região sul do Estado de Minas Gerais. O referido curso possui a oferta anual de 40 vagas para o ingresso por meio do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM). A carga horária total da dinâmica curricular é de 4.155 horas, distribuída em disciplinas obrigatórias, com aulas teóricas e práticas em campo, bem como estágio curricular nos últimos dois, dos nove semestres necessários para a obtenção do diploma de bacharelado em Enfermagem. Além das aulas teóricas e práticas, também é necessário cumprir atividades formativas e complementares, sob a forma de participação em projetos de pesquisa, de extensão, em eventos, dentre outros.

A coleta de dados foi realizada no mês de dezembro de 2019, por uma acadêmica do último ano do curso de Enfermagem para a elaboração do seu trabalho de conclusão de curso. Foi feito o agendamento prévio com cada uma das turmas do curso para a aplicação dos dois instrumentos de pesquisa, um para realizar a caracterização social e econômica e outro para avaliação do estresse psicológico. O instrumento de caracterização socioeconômica foi adaptado do formulário institucional usado no programa de auxílio aos estudantes.

O instrumento Escala de Avaliação de Estresse em Estudantes de Enfermagem (AEEE).6 É composto por 30 questões, agrupadas em seis domínios, a saber: Domínio 1 - Realização das Atividades Práticas (itens 4, 5, 7, 9, 12, 21); Domínio 2: Comunicação Profissional (itens 6, 8, 16, 20); Domínio 3: Gerenciamento do Tempo (itens 3, 18, 23, 26, 30); Domínio 4: Ambiente (itens 11, 22, 24, 29); Domínio 5: Formação Profissional (itens 1, 15, 17, 19, 25, 27) ; e Domínio 6: Atividade Teórica (itens 11, 22, 24, 29).6

Para cada questão há uma escala de resposta com quatro pontos: 0 para “não vivencio a situação”; 1 para “não me sinto estressado com a situação”; 2 para “me sinto pouco estressado com a situação” e 3 para “me sinto muito estressado com a situação”. Foi seguida a instrução de avaliação proposta pelos autores, na qual a variável dependente estresse foi obtida através da média de escore final de todos os constructos, sen­do a pontuação mínima de 0 a 1 (sem estresse) e a máxima de 2 a 3 (com presença de estresse). Assim como a variável dependente estresse, cada domínio apresenta uma pontuação de 0 a 3 segundo a escala.6-7

Para aferição do resultado, deve ser feita a soma do número correspondente da intensidade de estresse dos itens presentes em cada domínio. Aos escores segue-se a seguinte interpretação:7

Domínio 1: 0-9 baixo nível de estresse; 10-12 médio nível de estresse; 13-14 alto nível de estresse; 15-18 muito alto nível de estresse.

Domínio 2: 0-5 baixo nível de estresse; 6 médio nível de estresse; 7-8 alto nível de estresse; 9-12 muito alto nível de estresse.

Domínio 3: 0-10 baixo nível de estresse; 11-12 médio nível de estresse; 13-14 alto nível de estresse; 15 muito alto nível de estresse.

Domínio 4: 0-7 baixo nível de estresse; 8-10 médio nível de estresse; 11 alto nível de estresse; 12 muito alto nível de estresse.

Domínio 5: 0-9 baixo nível de estresse; 10 médio nível de estresse; 11-12 alto nível de estresse; 13-18 muito alto nível de estresse.

Domínio 6: 0-9 baixo nível de estresse; 10-11 médio nível de estresse; 12-13 alto nível de estresse; 14-15 muito alto nível de estresse.

Para a análise foram realizados testes de independência de qui-quadrado e exato de Fisher, escolhidos pela adequação a cada caso para as associações do nível de estresse categórico (baixo, médio, alto) com as variáveis socioeconômicas selecionadas. O nível nominal de significância foi escolhido em 10%, para aumentar o poder dos testes, ambos não paramétricos.

Para as comparações do nível de estresse entre períodos, geral e dentro de cada domínio, foi utilizada a Análise de Variância (Anova), seguida de teste de Scott-Knott, ambos feitos a 5% de significância. Foram testadas e confirmadas todas as pressuposições da Anova. O software utilizado foi o R e seu pacote ExpDes.pt.8-9

RESULTADOS

Dos 128 alunos matriculados, 93 participaram da pesquisa, conforme o critério de seleção que era a disponibilidade no momento da coleta dos dados. Foi constatado que 81 (87,10%) dos participantes era do sexo feminino, com idade média de 21,05 anos, e nenhum dos participantes informou a sua situação conjugal. Sobre a escolaridade, 56 (60,22%) concluíram o ensino médio em escola pública, 87 (93,55%) ainda não possui curso de graduação. O ingresso na instituição ocorreu para 39 (41,94%) por meio da ampla concorrência, enquanto 25 (26,88%) entraram pelo sistema de cotas.

Sobre a situação de renda dos 93 participantes, 26 declararam receber algum tipo de auxílio do programa de assistência estudantil. A maioria, 12 alunos (12,90%), declarou receber auxílio alimentação e 10 (10,75%) recebem mais de um tipo de auxílio. Sobre a condição de ocupação dos participantes, 35 estudantes (37,63%), nunca trabalharam, 20 (21,51%) nunca trabalharam com vínculo empregatício, 17 (18,28%) estavam desempregados e 6 (6,45%) estavam trabalhando no período da coleta dos dados. A maior parte dos acadêmicos, 83 (89,25%), declarou-se dependente quanto à participação na renda familiar.

Destes participantes, 35 (37,63%) cursam o segundo período da graduação, 26 (27,96%) o quarto período, 25 (26,88%) o sexto período e sete (7,53%) o oitavo e nono períodos. O resultado geral dos níveis de estresse dos estudantes está expresso na Tabela 1.

Tabela 1: Distribuição do nível de estresse dos acadêmicos de enfermagem da UNIFAL-MG, Alfenas - MG, Brasil, 2020. N=93

Nível de Estresse

N

Porcentagem (%)

Baixo

16

17,20

Médio

59

63,44

Alto

18

19,36

Total

93

100,00

Fonte: Elaborado pelos autores, 2020.

A maior parte dos estudantes de enfermagem foi classificada com médio nível de estresse. A Tabelas 2 ilustra o resultado dos domínios da Escala AEEE.6

Tabela 2: Distribuição do nível de estresse dos acadêmicos de enfermagem da UNIFAL-MG de acordo com os domínios, Alfenas – MG, Brasil, 2020

Domínio

Nível de Estresse

Total

n (%)

Muito alto

n (%)

Alto

n (%)

Médio

n (%)

Baixo

n (%)

Atividades Práticas

08 (8,60)

16 (17,20)

22 (23,66)

47 (50,54)

93 (100)

Comunicação Profissional

07 (7,53)

19 (20,43)

16 (17,20)

51 (54,84)

93 (100)

Gerenciamento do Tempo

03 (3,23)

15 (16,13)

16 (17,20)

59 (63,44)

93 (100)

Ambiente

00 (0,00)

01 (1,08)

10 (10,75)

82 (88,17)

93 (100)

Formação Profissional

25 (26,88)

23 (24,73)

07 (7,53)

38 (40,86)

93 (100)

Atividade Teórica

06 (6,45)

17 (18,28)

24 (25,81)

46 (49,46)

93 (100)

Fonte: elaborado pelos autores, 2020.

O domínio que apresentou os maiores escores foi o da formação profissional e o que apresentou menores escores foi o domínio relativo ao ambiente. A Tabela 3 mostra a relação entre situação de trabalho e nível de estresse.

Tabela 3: Associação entre o nível de estresse dos acadêmicos de enfermagem da UNIFAL-MG com a situação de trabalho, Alfenas - MG, Brasil, 2020 (n=90)

Variável

Categoria

Nível de estresse

P- valor

Alto n (%)

Baixo n (%)

Médio n (%)

Situação de trabalho

Está trabalhando

00 (0,00)

03 (3,33)

03 (3,33)

0,07

Trabalho temporário

01 (1,11)

01 (1,11)

02 (2,22)

Nunca Trabalhou

12 (13,33)

09 (10,00)

34 (37,78)

Recebe seguro-desemprego

02 (2,22)

01 (1,11)

01 (1,11)

Desempregado

02 (2,22)

01 (1,11)

14 (15,56)

Pensionista

00 (0,00)

01 (1,11)

03 (3,33)

 

Total

17 (18,89)

16 (17,78)

57 (63,33)

90*

Nota: *três participantes não responderam.

Fonte: elaborado pelos autores, 2020.

Evidenciou-se que a maioria dos estudantes que se classificam com estresse alto são aqueles que nunca trabalharam. Devido a esse P-valor (p=0,07), nota-se que o nível de estresse é dependente da situação de trabalho. A Tabela 4 apresenta os resultados da associação entre situação de trabalho e nível de estresse apontando que o nível de estresse é dependente de, com quem os estudantes moram, e que a maioria daqueles que tem estresse médio e alto mora em república ou pensão independentemente do número de moradores e, em contrapartida, a maior parte que reside com a família possui estresse de nível baixo.

Tabela 4: Associação entre o nível de estresse dos acadêmicos de enfermagem da UNIFAL-MG com a situação de moradia, Alfenas - MG, Brasil, 2020 (n=71)

Variável

Categoria

Nível de Estresse

P-valor

Alto n (%)

Baixo n (%)

Médio n (%)

Situação de moradia

Mora sozinho

02 (2,82)

01 (1,41)

07 (9,86)

0,04

Mora em república ou pensão com 2 moradores

02 (1,41)

00 (0,00)

01 (1,41)

Mora em república ou pensão com 3 moradores

02 (2,82)

01 (1,41)

07 (9,86)

Mora em república ou pensão com 4 moradores

06 (8,55)

02 (2,82)

15 (21,13)

Mora em república ou pensão com 6 moradores

00 (0,00)

04 (5,63)

00 (0,00)

Mora em república ou pensão com 8 ou mais moradores

00 (0,00)

00 (0,00)

02 (2,82)

Mora de favor com familiares ou amigos

01 (1,41)

00 (0,00)

02 (2,82)

Mora com a família

01 (1,41)

07 (9,86)

06 (8,45)

Outros

01 (1,41)

00 (0,00)

02 (2,82)

Total

14 (19,72)

15 (21,13)

42 (59,15)

71*

Nota: *: 22 participantes não responderam sobre sua situação de moradia.

Fonte: elaborado pelos autores, 2020.

A Tabela 5 mostra a comparação entre os períodos da graduação e o nível de estresse de acordo com os seis domínios.

Tabela 5: Análise do nível de estresse por domínio, comparando os períodos da graduação de enfermagem da UNIFAL – MG, Alfenas - MG, Brasil, 2020

 

Estresse

Períodos

Realização das Atividades Práticas

Comunicação Profissional

Gerenciamento do Tempo

Ambiente

Formação Profissional

Atividade Teórica

Total

8,91b

4,03c

9,69a

3,11a

9,77b

9,77a

52,87a

9,73b

4,73c

8,54a

3,88a

10,42b

8,81a

47,37a

10,56b

6,00b

9,72a

3,92a

11,00b

9,52a

46,36a

8° e 9°

13,00a

7,28a

7,71a

3,14a

13,71a

7,71a

59,00a

Nota: o peso de cada resultado é indicado de forma decrescente nas letras de “a” a “c”.

Fonte: elaborado pelos autores, 2020.

Os estudantes do 8° e 9° períodos apresentaram maior escore de estresse nos domínios “Realização das Atividades Práticas”, “Comunicação Profissional” e “Formação Profissional”. Para os domínios “Gerenciamento do Tempo”, “Ambiente”, “Atividade Teórica”, bem como no total, não houve diferença no nível de estresse entre os períodos.

DISCUSSÃO

A adaptação dos jovens ao ambiente universitário, com colegas, aulas e corpo docente pode ser influenciada pelo suporte familiar e os vínculos construídos no desenvolvimento do indivíduo.

A convivência com os pais ou parentes responsáveis reduz as responsabilidades financeiras com despesas e afazeres domésticos, o que proporciona maior disponibilidade para os estudos e compromissos acadêmicos, em comparação àqueles que são responsáveis pelas finanças e tarefas domésticas. Porém, esta organização de vida pode influenciar negativamente prorrogando o processo de maturidade emocional e financeira do jovem adulto.9

Residir com a família durante a graduação foi possibilitado para inúmeros jovens devido ao avanço das Instituições de Ensino Superior para o interior dos estados, deixando de ser centralizadas em grandes cidades. Bem como a dispensa de meio de transporte para chegar à universidade devido à proximidade da residência com o campus.

A vivência em república ocorre geralmente quando o indivíduo precisa deslocar-se para outra cidade para estudar, deixando de morar com familiares, e necessita subsidiar a moradia e outros custos. O ambiente das repúblicas possibilita o lazer dos acadêmicos devido às relações sociais e experiências coletivas e individuais, pois é notável que haja busca de convivência com aqueles em que se há identificação e harmonia relacionada aos desejos pessoais e ambições profissionais, possibilitando trocas interpessoais.10-11

Quando a opção é por morar sozinho, nota-se que a decisão provém de frustrações de experiências anteriores em compartilhar moradia, com pessoas que não tinha proximidade ou por não conseguir conciliar os conflitos.12 Em estudo, os que moram sós se adaptaram ao ambiente acadêmico desenvolvendo estratégias de enfrentamento dos conflitos cotidianos e da solidão vinculada ao distanciamento da família, porém essa situação ocasionou altos níveis de estresse.13

Em relação à formação pregressa, a maioria dos participantes é egressa de instituições públicas e ingressaram por meio do sistema de cotas. Essa reserva de vagas é destinada a pretos, índios, estudantes de escola pública, pessoas portadoras de deficiência e quem comprove carência financeira.9

Os alunos que cursaram o ensino médio em instituições privadas são prevalentes em instituições públicas de ensino superior, e aqueles que concluíram o ensino médio em escolas públicas cursam, em maior parte, ensino superior em instituições privadas.14 O cenário dos participantes indica um avanço na equidade do acesso ao ensino superior público.

Dos estudantes entrevistados, o curso de enfermagem é a primeira experiência em um curso de graduação. A população que frequenta o curso é jovem, dificultando experiências acadêmicas pregressas devido à pouca idade.5

A situação de trabalho ilustra uma baixa inserção dos acadêmicos de enfermagem no mercado de trabalho durante a graduação. É fato que a universidade oferta o curso apenas em turno integral, o que dificulta a disponibilidade deles. Comparando esse índice ao de uma instituição privada, que oferece o curso em apenas um turno, aumenta a possibilidade do indivíduo se encaixar no mercado de trabalho.10

A trajetória universitária dos estudantes, principalmente os de baixa renda, proporciona conflitos em relação aos gastos necessários para o custeio dos estudos, e apesar da existência de auxílios estudantis e bolsas remuneradas por atividade extraclasse, esses não são benefícios que abrangem todos os estudantes, levando-os a inserção no mercado de trabalho concomitantemente a vida universitária.15 Aqueles que possuem vínculo empregatício o fazem em períodos noturnos e/ou finais de semana e feriados, comprometendo o tempo e qualidade de estudo e momentos de descanso e lazer dos estudantes.9

O nível de estresse considerado médio foi apontado pela maioria da população estudada, e que em alguns domínios é maior em alunos dos últimos períodos em comparação aos alunos dos períodos iniciais e intermediários. O período de adaptação é um fator responsável por alto nível de estresse nos alunos ingressantes, devido a mudança para uma localidade diferente para estudar, assim como mudanças físicas e pessoais, diferente dos estudantes concluintes do curso, que já estão na rotina da vida acadêmica há mais tempo, reduzindo os níveis de adoecimento psíquico, mesmo diante dos desafios diários e das tarefas exigidas nesta fase final, por já estarem mais adaptados.16 Contudo, nesse estudo, a adaptação à rotina universitária não contribuiu para a diminuição do estresse.

O posicionamento da formação profissional como agente estressor seguramente se relaciona com a ansiedade pela obtenção do grau de bacharel em Enfermagem que, por sua vez, se atrela a sentimentos de medo e incertezas relacionados à inserção no mercado de trabalho e responsabilidade profissional, que é, também, a variável que possui maior pontuação nos alunos dos oitavo e nono períodos.16 Conflitos em relações interpessoais e profissionais, angústia sobre o processo de aprendizagem e a futura inserção no mercado de trabalho são fatores que geram estresse, inclusive atrapalhando a qualidade de sono dos estudantes.17

Dentre os domínios avaliados, a Realização das Atividades Práticas se sobressai no grupo dos alunos concluintes. A literatura relaciona o estresse com o último ano do curso devido à prática pré-profissional desenvolvida na carga horária de estágios, e a inserção no cotidiano profissional, lidando com a equipe e estreitando laços com os pacientes.18

O domínio Comunicação traz o desdobramento do que foi apontado anteriormente, pois os alunos dos últimos períodos apresentaram maiores níveis de estresse em comparação aos demais. Os alunos do sexto período, terceiro ano de graduação, apresentaram segundo maior escore nesse domínio, ficando atrás apenas dos alunos concluintes. Os estudantes são jovens e pouco experientes em comunicação direta e formal, principalmente no âmbito profissional, o que traz um nível de estresse elevado relacionado à comunicação.17

O Gerenciamento do Tempo reflete como o estudante concilia as atividades acadêmicas com as atividades pessoais. A maioria dos acadêmicos apontou este domínio com baixo potencial de gerar estresse e não houve diferença entre os resultados por período. Em outros estudos, o gerenciamento do tempo foi considerado como gerador de alto nível de estresse nos ingressantes do curso de enfermagem, que devido à adaptação, não conseguem conciliar os afazeres acadêmicos com os pessoais.18 Com o progredir no curso, há a intensificação das exigências acadêmicas nas disciplinas, o desenvolvimento de pesquisas e atuações em projetos de extensão, vivências que demandam tempo de dedicação dos alunos, além do lazer, descanso e tempo com a família. O estudante precisa administrar as distintas demandas diárias e conciliá-las ao convívio familiar e social, o que contribui para a elevação do nível de estresse dos alunos.17

Analisando o contexto em que estes estudantes se dedicam ao curso, ainda que este possua carga horaria integral, a maioria dos acadêmicos está em situação de dedicação exclusiva ao mesmo, numa cidade de pequeno porte, na qual não se gasta um tempo considerável para o deslocamento, sendo estes pontos favoráveis ao gerenciamento do tempo. O que é corroborado pelo resultado do domínio Ambiente, que apresentou baixo nível de estresse entre os estudantes de todos os períodos analisados. Esse domínio avalia a distância até a faculdade e aos campos de estágio e o transporte utilizado para o trajeto. Nos resultados desse estudo, a maioria dos acadêmicos reside próximo à universidade, não necessitando, na maioria das vezes, de meio de transporte para o trajeto.

Os domínios Atividade Teórica e Formação Profissional, obtiveram como resultado de estresse posicionados nos níveis de alto a muito alto para a maioria dos estudantes participantes do estudo. A Formação Profissional teve sua maior pontuação no grupo dos alunos concluintes. O Projeto Político Pedagógico do Curso de Enfermagem se compõe de disciplinas do ciclo básico nos primeiros anos, com pouca atividade prática. Ao avançar dos períodos há a inserção dos conteúdos específicos de enfermagem, aumentando a carga horária prática, porém mantendo a complexidade do conteúdo teórico das aulas ministradas, as avaliações teóricas e o nível de dificuldade exigido para a execução das mesmas, que são importantes preditores do estresse universitário.4

Assim, a prática de aulas expositivas extensas pode reduzir o empenho na aprendizagem e desempenho dos estudantes, além de levar a uma formação desvinculada da realidade da profissão.18

Nas análises estatísticas foram testadas as associações entre o nível de estresse com as variáveis socioeconômicas “tipo de instituição onde cursou maior parte do ensino médio”, “situação de trabalho”, “local de residência”, “situação de moradia” “situação conjugal dos pais” e “meio de transporte necessário para o trajeto até a universidade”. O nível de estresse só esteve associado a duas dessas variáveis: situação de trabalho e com quem compartilha moradia.

Na situação de trabalho do estudante (p=0,07) verificou-se que aqueles que nunca trabalharam, com ou sem vínculo empregatício, apresentaram alto nível de estresse seguido dos desempregados que se concentram na classe mediana de estresse. A apreensão sobre a condição financeira interfere nos vínculos sociais e culturais do acadêmico, traz angústia e preocupações quanto à capacidade de se sustentar na universidade, gerando sentimento de impotência, baixa autoestima e sobrecarga.19

No caso de compartilhamento de moradia (p=0,04), constatou-se que a maioria dos que moram em pensão ou república possuem alto nível de estresse, em contrapartida, aqueles que moram com a família, em sua maior parte, estão com baixo nível de estresse.

Nos variados tipos de residência do estudante universitário (com a família, parentes, sozinho, república e em pensionato), morar com a família favorece o bem-estar psicológico do mesmo, ao contrário de que, morar em república e pensionato eram fatores de risco à saúde mental. O afastamento da família, daqueles que não moram com os familiares, pode acentuar sentimentos de solidão, abandono e isolamento.19

Morar em república requer o convívio com pessoas diferentes, tendo que negociar os afazeres domésticos e os espaços, além de cuidar de si e dos próprios pertences; ficar longe da família, amigos, namorado(a); administrar renda e/ou trabalhar para se sustentar.20

O curso da graduação atrelado a questões pessoais estressantes, vivenciadas fora da instituição, como situação de trabalho ou financeira e com quem compartilha moradia pode ser considerado um momento exaustivo para o estudante.21

Evidencia-se a necessidade de condução de uma formação com apoio ao enfrentamento dos estressores, possibilitando um nível de estresse diminuído, resultando em um profissional que atuará na sociedade, em conjunto com sua equipe, capaz de lidar melhor com os fatores estressantes da vida profissional refletindo na melhor qualidade de assistência.

Assinalam-se as limitações do estudo que se constituem em uma amostra pequena, restrita a uma única instituição, selecionada por conveniência e a realização de um estudo transversal que não permite inferir a causalidade dos resultados. Contudo, sobressai a necessária adaptação da instituição de ensino para a formação humana e técnica dos futuros profissionais. Sugere-se para trabalhos futuros o uso do mesmo instrumento de avaliação do estresse com amostragem maior, que abarque estudantes de instituições públicas e privadas, estudando em diferentes turnos, em cidades de diferentes portes demográficos e situados nas cinco regiões brasileiras.

CONCLUSÃO

A passagem pela universidade é um período determinante na vida de uma pessoa, um período que induz e produz a metamorfose do adolescente, que deixa a casa dos pais, no adulto qualificado a ingressar no mercado de trabalho, inovando e transformando as relações no seguimento para o qual se qualificou.

O nível de estresse entre os estudantes do curso de enfermagem dos períodos analisados foi mediano. Em relação aos domínios avaliados, a Formação Profissional e Atividade Teórica concentram o maior escore de estresse entre os níveis médios a muito alto.

Nos domínios Realização das Atividades Práticas, Comunicação Profissional e Formação Profissional foram maiores nos estudantes de enfermagem dos dois últimos períodos, em relação aos demais. O nível de estresse do sexto período, terceiro ano da graduação, mostrou-se o segundo maior no domínio Comunicação Profissional, ficando atrás apenas dos alunos concluintes.

O estresse está associado à situação de trabalho e moradia dos estudantes. A maioria com alto nível de estresse nunca trabalhou e os desempregados demonstraram médio nível de estresse. O estresse também dependeu de com quem esses estudantes moram, pois, a maioria dos que possuíam alto nível de estresse moravam em república ou pensionato, já os que residiam com a família possuíam baixo nível de estresse.

O olhar do corpo docente da escola de enfermagem da universidade para esses resultados, leva a um conhecimento das necessidades dos estudantes no processo de aprendizagem, podendo interferir na condução das atividades durante o curso. Indica-se por este resultado que há necessidade do desenvolvimento de mais atividades práticas e comunicação profissional como ações voltadas aos alunos dos últimos períodos do curso, a fim de acolher a angústia e medo em relação ao futuro profissional.

A disponibilidade dos estudantes do último ano limitou a coleta de dados com eles. Devido ao estágio, os horários são conflitantes, o que levou a um baixo número de estudantes que puderam responder à pesquisa.

A análise do estresse gerado durante a graduação nos indivíduos tem a função de alertar o corpo docente da escola de enfermagem dessa universidade para intervenções ou modificações na forma de conduzir o ensino, a fim de diminuir os fatores estressantes aos estudantes, contribuindo para a formação de profissionais menos estressados e mais aptos e dispostos a atuar no mercado de trabalho.

Por ter sido um estudo realizado em uma única instituição de ensino pública situada em uma cidade longe dos grandes centros urbanos brasileiros, ele não apresenta potencial para generalizações. O desenvolvimento de mais pesquisas sobre a temática permitirá ampliar o campo do conhecimento, analisar demais causas de estresses e possíveis interferências durante a graduação em enfermagem.  Desta forma, há que se gerar conhecimento para a tomada de decisão na efetivação de ações que contribuam para o alcance de uma vida acadêmica saudável.

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20 Borine RDCC, Wanderley KDS, Bassitt DP. Relação entre a qualidade de vida e o estresse em acadêmicos da área da saúde. Estud. Interdiscip. Psicol. [Internet]. 2015[acesso em 2021 jul 07]6(1). Disponível em: https://dx.doi.org/10.5433/2236-6407.2015v6n1p100

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Recebido em: 13/08/2020

Aceito em: 28/06/2021

Publicado em: 15/07/2021



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Como citar: Alves GRS, Ferreira EB, Monteiro CAS, Andrade MBT, Alves MI, Bressan VR, et al. Avaliação do nível de estresse em acadêmicos de enfermagem de uma universidade pública. J. nurs. health. 2021;11(2):e2111219389. Disponível em: https://periodicos.ufpel.edu.br/ojs2/index.php/enfermagem/article/view/19389