Mota MS, Oliveira MM, Rodrigues WF. Notas do Coletivo Hildete Bahia acerca do racismo estrutural e da educação. J. nurs. health. 2020;10(2):e20102011
https://periodicos.ufpel.edu.br/ojs2/index.php/enfermagem/article/view/19393
EDITORIAL
Notas do Coletivo Hildete Bahia acerca do racismo estrutural e da educação
Notes from the Hildete Bahia Collective on structural racism and education
Notas del Colectivo Hildete Bahia sobre racismo estructural y educación
Mota, Marina Soares[1]; Oliveira, Michele Mandagará de[2]; Rodrigues, Wendel Farias[3]
Os 300 anos de escravidão ecoam até a contemporaneidade e colocam a população negra à margem da sociedade devido ao racismo estrutural. Este é um sistema de opressão baseado na raça e que gera desvantagens ou privilégios conforme o grupo racial que se faz parte. Deste modo, há relação de poder com intuito de dominação/opressão por meio da retirada de direitos, gerando desigualdade social e violência.1-2
No que tange os estudos sobre desigualdades sociais relacionadas à cor da pele, em 2017, em um total de 65.602, com a taxa de homicídio a cada 100 mil habitantes de 31,7, 16% foram em pessoas brancas e de 43,4%, em pessoas negras. Além disso, 69,9% dos homicídios ocorreram em pessoas entre 15 a 29 anos em sua maioria jovens negros do sexo masculino. Em 2018, em um total de 207.853, o rendimento mensal médio de pessoas brancas ocupadas foi 73,9% superior ao das negras; dos cargos gerenciais, apenas 29,9% foram ocupadas por pessoas negras, enquanto 68,8% eram de brancos. Referente à representação política, apenas 24,4% dos deputados federais eram negros, enquanto 75,6% eram brancas. Relativo às pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza, mais que o dobro são de negros, com 32,9% em comparação com os 15,4% de brancos vivendo nessa condição. Com relação ao ingresso no ensino superior, 35,4% foram de pessoas negras em contraponto aos 53,2% de pessoas brancas.3
Compreendendo o panorama de desigualdade social criado pelo racismo estruturado pela economia e política, pode-se lutar contra as amarras que sustentam este sofisticado sistema de opressão e desenvolver estratégias de reparo das injustiças sociais. Nesse sentido, em 2010, no Brasil, o Estatuto de Igualdade Racial marcou o reconhecimento do racismo estrutural na sociedade brasileira e a busca da redução das desigualdades ao instituir a paridade de oportunidades, a defesa dos direitos e o combate à discriminação e outras formas de intolerância.4
Ainda, a educação é um direito e ponto estratégico para a mobilidade social e a redução das desigualdades. A melhora de indicadores de atraso e abandono da escola, a ampliação e democratização do ensino por meio do sistema de cotas e do Programa de Apoio aos Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais e o Sistema Unificado, bem como o Fundo de Financiamento Estudantil e o Programa Universidade para Todos levaram a população negra a atingir a marca, no ano de 2018, de 50,3% dos estudantes no ensino superior no Brasil. Entretanto, esta comunidade ainda é sub-representada, visto que a população brasileira se constitui de 55,8% de pessoas negras.3
O ingresso de estudantes através das ações afirmativas, tais como cotas raciais e sociais, aumentou a diversidade no ambiente da Universidade Federal de Pelotas, levando a Faculdade de Enfermagem (FEN) a ampliar as discussões a respeito de políticas públicas voltadas à população negra, quilombola e indígena, no sentido de reparar injustiças sociais seculares. Para tanto, tem sido realizada a aproximação com outros atores de diferentes setores da própria universidade e de fora dela, favorecendo a construção de novas parcerias e a aproximação com pesquisadores e pessoas vinculadas aos movimentos sociais que, certa e acertadamente, têm contribuído para garantir que nossos professores, servidores e estudantes tenham ciência do compromisso com a justiça social.
Cabe destacar que a FEN foi fundada no ano de 1976, na sua maioria, por mulheres enfermeiras, nordestinas e negras. Sua história está alicerçada pela representatividade e pelo trabalho que essas realizaram em defesa do direito à saúde e à educação pública. A FEN se manteve comprometida com as políticas públicas de saúde e de educação com a finalidade de atentar para as demandas sociais que atravessam o cotidiano da produção do processo de ensino e aprendizagem.5
Entretanto, apesar dos avanços, ainda se percebe a pouca representatividade nos corredores da Universidade e nas salas de aula, além da carência de discussões sobre as necessidades sociais e de saúde relacionadas à população negra. Dentro desse contexto, um grupo de estudantes negros da FEN criou em 2019 o Coletivo Hildete Bahia - nome em homenagem a primeira professora negra da FEN e uma das fundadoras do curso. Esse coletivo chama a comunidade universitária e pelotense para refletir sobre a inserção da população negra nos diferentes contextos. Com o tempo, novas demandas se somaram e ampliaram o olhar para outras populações e temáticas, como exemplo das questões da população Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transgêneros e outros, da desigualdade social e da saúde mental, transformando o coletivo em um espaço de conhecimento e luta pela diversidade.
Vale lembrar que somente o ingresso de pessoas negras na Universidade não é o bastante. Faz-se necessário pensar a permanência e o êxito acadêmico, intensificar fomentos financeiros, bem como espaços de escuta qualificada e discussão sobre as questões da população negra no que se refere à vivência na academia, à saúde, e aos direitos. Assim, visa-se o empoderamento da referida população para a construção e fortalecimento de estruturas sociais antirracistas que garantam que esses ocupem e permaneçam em seu espaço de direito historicamente cerceado.
Para atingir as estruturas que sustentam o racismo, é preciso desafiar a sociedade a despir-se e admitir o sofisticado sistema criado por ela mesma para manter pessoas negras oprimidas em prol da manutenção do histórico poder do privilégio branco. O ciclo de desigualdade social “reservado” à população negra desde o Brasil império pode ser quebrado por meio de investimentos governamentais, em especial na educação, pois ela é prática libertadora que auxilia na reconstrução de bases capazes de reparar a dívida histórica, fruto da escravidão e do racismo, colocando a sociedade no caminho da sonhada equidade social.
REFERÊNCIAS
1 Almeida SL de. O que é racismo estrutural? Belo Horizonte: Letramento; 2018.
2 Ribeiro D. Quem tem medo do feminismo negro? 1ªed. São Paulo: Companhia das Letras; 2018.
3 Instituto de Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Desigualdades Sociais por Cor ou Raça no Brasil. Estudos e Pesquisas. Informação Demográfica e Socioeconômica n.41 [Internet]. 2019[acesso em 2020 jun 16]. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/populacao/25844-desigualdades-sociais-porcor-ou-raca.html
4 Brasil. Lei nº 12.288, de 20 de julho de 2010. Estatuto da igualdade racial. Diário Oficial da União [Internet]. 21 jul 2010[acesso em 2020 jun 16];Seção 1:1. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/diarios/6685234/pg-1-secao-1-diario-oficial-da-uniao-dou-de-21-07-2010
5 Escobal AP de L, Guedes A da C, Buss E, Silveira KL, Oliveira MM, Alves PF, et al. História, lutas e conquistas: 40 anos da Faculdade de Enfermagem em Pelotas. J. nurs. health.[Internet]. 2016[acesso em 2020 jun 20];6Suppl:118-30. Disponível em: https://periodicos.ufpel.edu.br/ojs2/index.php/enfermagem/article/view/8981/5998
[1] Enfermeira. Doutora em Enfermagem. Universidade Federal de Pelotas (UFPEL). Rio Grande do Sul (RS), Brasil. E-mail: msm.mari.gro@gmail.com http://orcid.org/0000-0002-5717-9406
[2] Enfermeira. Doutora em Enfermagem. Universidade Federal de Pelotas (UFPEL). Rio Grande do Sul (RS), Brasil. E-mail: michele.mandagara@gmail.com http://orcid.org/0000-0003-1363-7206
[3] Discente do curso de Enfermagem. Universidade Federal de Pelotas (UFPEL). Rio Grande do Sul (RS), Brasil. E-mail: wendelfarias9@gmail.com http://orcid.org/0000-0002-7739-0305