Treccossi SPC, Ferreira JC, Oliveira RM, Santos RP, Carvalho ARS. Protagonismo da enfermagem na organização de uma unidade para assistência à pacientes com Coronavírus. J. nurs. health. 2020;10(n.esp.):e20104039

https://periodicos.ufpel.edu.br/ojs2/index.php/enfermagem/article/view/19859

RELATO DE EXPERIÊNCIA

Protagonismo da enfermagem na organização de uma unidade para assistência à pacientes com Coronavírus

Nursing protagonism in the organization of a unit to care patients with Coronavirus

Protagonismo de la enfermería en la organización de unidad de asistencia a pacientes con Coronavirus

Treccossi, Sara Priscila Carvalho[1]; Ferreira, Joabe Candido[2]; Oliveira, Rafael Muniz de[3]; Santos, Reginaldo Passoni dos[4]; Carvalho, Ariana Rodrigues da Silva[5]

RESUMO

Objetivo: relatar o protagonismo vivenciado por líderes da enfermagem, na organização de uma unidade de internação hospitalar, destinada exclusivamente aos pacientes com infecção suspeita e confirmada por Coronavírus. Método: relato de experiência sobre a organização de uma unidade hospitalar da região Sul brasileira, entre março e abril de 2020. Resultados: os líderes da enfermagem participaram de todas as etapas e processos necessários à organização e ativação da unidade no hospital, exercendo as seguintes competências: comunicação; tomada de decisão; liderança; administração e gerenciamento; assistência à saúde; educação permanente. Conclusões: a autonomia dada pela governança máxima e o caráter universitário da instituição (que viabilizou atualização científica contínua), bem como o prévio preparo técnico da equipe (por meio de reuniões estruturadas e planejamento organizacional), atrelados aos anos de formação e prática profissional dos enfermeiros-líderes potencializaram a experiência vivenciada.

Descritores: Infecções por coronavírus; Papel do profissional de enfermagem; Gestão em saúde; Enfermagem; Educação baseada em competências

ABSTRACT

Objective: to report the protagonism experienced by nursing leaders in the organization of a hospitalization unit, exclusively for patients with suspected and confirmed infection by Coronavirus. Method: experience report on the organization of a hospital unit in the southern Brazilian region, between March and April 2020. Results: the nursing leaders participated in all the steps and processes necessary for the organization and activation of the unit in the hospital, exercising the following skills: communication; decision-making; leadership; administration and management; health care; permanent education. Conclusions: the autonomy given by the maximum governance and the university character of the institution (which enabled continuous scientific updating), as well as the prior technical preparation of the team (through structured meetings and organizational planning), linked to the years of training and professional practice of nurses- leaders potentiated the lived experience.

Descriptors: Coronavirus infections; Nurse's role; Health management; Nursing; Competency-based education

RESUMEN

Objetivo: reportar el protagonismo experimentado por los líderes de enfermería en la organización de una unidad de hospitalización, exclusivamente para pacientes con sospecha y infección confirmada por Coronavirus. Método: relato de experiencia sobre la organización de una unidad hospitalaria en la región sur de Brasil, entre marzo y abril de 2020. Resultados: los líderes de enfermería participaron en todos los pasos y procesos necesarios para la organización y activación de la unidad en el hospital, ejercitando las siguientes habilidades: comunicación; toma de decisiones; liderazgo; administración y gestión; cuidado de la salud; educación permanente. Conclusiones: la autonomía otorgada por la máxima gobernanza y el carácter universitario de la institución (que posibilitó la actualización científica continua), así como la preparación técnica previa del equipo (a través de reuniones estructuradas y planificación organizacional), vinculados a los años de formación y práctica profesional de las enfermeras líderes potenciaron la experiencia vivida.

Descriptores: Infecciones por coronavirus; Rol de la enfermera; Gestión en salud; Enfermería; Educación basada en competencias.

INTRODUÇÃO

Os primeiros casos de contaminação humana pelo novo Coronavírus foram relatados publicamente no final de 2019, em moradores da província de Wuhan, na China.1 Desde então, a infecção se disseminou por diversos países, acometendo milhões de indivíduos e tornando-se problemática de saúde internacional, sendo declarada em março de 2020 como uma pandemia pela Organização Mundial da Saúde (OMS).2 A Doença do Coronavírus (COVID-19) é classificada como doença viral infecciosa causada pelo Severe Acute Respiratory Syndrome Coronavirus 2 (SARS-CoV-2), apresenta um período de incubação médio de cinco dias e os sintomas surgem, aproximadamente, após o 11º dia de contaminação, nos quais se incluem febre, tosse, mialgia ou fadiga e linfopenia.3-4

Considerando que a contaminação pelo Sars-CoV-2 tomou proporção global, sistemas de saúde do mundo todo foram afetados e seus governantes obrigados a estabelecerem planejamentos estratégicos de enfrentamento à pandemia. Objetivando nortear tais planejamentos, a OMS divulgou o documento “COVID-19: Operational Planning Guidelines to Support Country Preparedness and Response2, no qual constam recomendações e diretrizes para elaboração dos planos nacionais. Com base no guia publicado pela OMS e, por meio de uma parceria entre várias entidades, envolvendo instâncias governamentais e órgãos de classes profissionais, elaborou-se o “Plano de Contingência Nacional para Infecção Humana pelo novo Coronavírus COVID-19”.5

No referido plano, descrevem-se qual o conjunto de ações a serem desenvolvidas, de acordo com o nível de avanço da pandemia no país.5 No Brasil, tomou-se conhecimento sobre o primeiro paciente com COVID-19 em meados de fevereiro de 2020 e, após isso, em poucos dias a contaminação populacional tomou grandes proporções. As medidas de enfrentamento da COVID-19, por meio de respostas ao nível ESPIN, incluem: vigilância epidemiológica; suporte laboratorial; controle de infecção; assistência em saúde; assistência farmacêutica; vigilância sanitária; comunicação de risco e gestão.5

Atuando em todos os pilares de repostas, universidades e todos os órgãos ligados às instituições universitárias brasileiras contribuem sobremaneira ao combate e enfrentamento da COVID-19, promovendo inúmeras ações de ensino, pesquisa, assistência e gestão. Assim, no que tange à assistência, a ampliação de leitos e reativação de áreas assistenciais obsoletas estão dentre as medidas preconizadas pelo Plano de Contingência brasileiro à COVID-19.5 Nessa direção, destaca-se que “os hospitais universitários têm compromisso inalienável de ofertar serviços de saúde à comunidade”.6:2 Por todo o país, gestores de hospitais universitários têm realizado esforços extraordinários para que o sistema de saúde não entre em colapso e, principalmente, consigam dar suporte assistencial adequado a todos os necessitados. Assim, este artigo objetiva relatar o protagonismo vivenciado por líderes da enfermagem, na organização de uma unidade de internação hospitalar, destinada exclusivamente aos pacientes com infecção suspeita e confirmada por Coronavírus.

MÉTODOS

Trata-se de um relato de experiência referente ao papel e atuação de líderes da enfermagem em um Hospital Universitário (HU) público, localizado no Estado do Paraná. A experiência se deu frente à organização de uma estrutura assistencial (que até então, nunca havia sido ativada) com o propósito de torná-la uma unidade destinada, exclusivamente, ao atendimento de pacientes suspeitos e confirmados com a COVID-19.

As informações que viabilizaram este estudo partem, principalmente, de resgate mental, narrativas, anotações e reuniões expositivo-dialogadas das quais participaram enfermeiros gestores de um HU, autores deste relato, que vivenciaram, entre os meses de março e abril de 2020, situações desafiadoras na prática profissional, quando da elaboração e efetivação do planejamento estratégico operacional de enfrentamento e resposta à disseminação do Sars-Cov-2, na rede de atenção à saúde da localidade em que atuam.

Visando a apresentação didática e clara do relato em pauta, optou-se por evidenciar o protagonismo dos líderes da enfermagem na organização da unidade COVID-19 organizando-se os resultados da experiência, metodologicamente, com base no que se preconiza como competências gerais do enfermeiro, delineadas pelas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN), conforme a legislação da educação superior brasileira vigente.7

Faz mister registrar, ainda, que as DCNs norteiam as instituições de ensino e coordenações de cursos quanto às características e competências profissionais mínimas que se esperam do enfermeiro, para que o mesmo seja capaz de promover o exercício das competências gerais descritas na legislação pertinente.7 Essas competências visam a formação de um “enfermeiro generalista, crítico e reflexivo, com competências técnico-científicas, ético-políticas e socioeducativas”, que deem suporte à atuação em ambientes e contextos heterogêneos e permeados de desafios.8 Isso posto, destaca-se que a apresentação dos resultados da experiência, por meio das competências gerais do enfermeiro, segue a ordem que os autores compreenderam ser a competência mais exigida dos protagonistas em cada momento vivenciado.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

O protagonismo dos enfermeiros gestores na organização da unidade COVID-19 se evidenciou a partir da prática das competências gerais na seguinte ordem: comunicação; tomada de decisões; liderança; administração e gerenciamento; atenção à saúde; educação permanente. Diante do atual contexto em saúde pública, o exercício das competências do enfermeiro gestor, tanto em sua formação quanto ao longo de sua prática laboral, foi essencial para a reestruturação hospitalar e a reorganização da dinâmica laboral, incorporando as recomendações oficiais de enfrentamento à COVID-19 na prática diária.9

Cabe ressaltar, entretanto, que o desenvolvimento das competências na referida ordem não se mostrou restritivo, sendo a mesma apenas um meio de se evidenciar a competência que mais se expressou durante a ordem cronológica em que as situações foram vivenciadas. Assim sendo, enfatiza-se que em todos os momentos da experiência profissional todas as competências foram exigidas e praticadas. Nesse contexto, vale lembrar

Comunicação

Sabidamente, a comunicação é um dos principais pilares das interações humanas. Diante do medo e a insegurança, pela necessidade de se lidar com uma situação jamais vivenciada, o desgaste psicológico e a apreensão emocional são inevitáveis. Assim, estabelecer uma comunicação empática, valendo-se da inteligência emocional, contribui sobremaneira às respostas positivas da equipe de enfermagem perante à comunicação desenvolvida pelos enfermeiros-líderes.10 Por conseguinte, foi através de muita comunicação, abertura ao diálogo, acessibilidade, confiabilidade e flexibilidade, por parte de todos envolvidos, que se estabeleceram as tratativas para organização da unidade COVID-19 no HU. A primeira reunião de negociações ocorreu em 10 de março de 2020, por meio de conversa informal entre representantes da Regional de Saúde (RS), da Secretária de Saúde (SESA) local e o diretor geral do HU, o qual é um enfermeiro gestor e servidor público concursado da instituição universitária.

Naquele momento, o assunto pautado foi a (re)organizar uma estrutura assistencial do HU, para viabilizar atendimento aos casos de Dengue, que cresciam rapidamente na região, tornando a estrutura um hospital regional de retaguarda. A unidade em questão trata-se de uma estrutura predial construída, inicialmente, com o propósito de comportar o Centro de Tratamento de Queimados (CTQ) do HU, mas, até então, não havia sido ativada e encontrava-se fechada, por inúmeros motivos.

Uma semana após a comunicação informal ocorrida entre os gestores da saúde local, em16 de março do mesmo ano, houve uma nova reunião. Dessa vez, a comunicação entre os gestores foi formal e contou com a participação de representantes da Prefeitura Municipal em que o HU se encontra instalado, do Centro de Operações de Emergências para a COVID-19 (COE-COVID-19) local e a direção geral do HU, que neste momento foi representada pela diretora do Departamento de Enfermagem (DE) do hospital. Nesta reunião formal, as negociações permaneceram, especialmente, em torno da utilização da estrutura assistencial do HU para atendimentos dos pacientes com dengue, mas, já se aventou a idealização em se utilizar a unidade também para hospitalização de pacientes com contaminação suspeita e confirmada por COVID-19, conforme houvesse necessidade perante o aumento da disseminação da doença e da demanda por leitos hospitalar.

Já em 17 de março outro encontrou foi estabelecido entre os enfermeiros gestores do HU e representantes da saúde local e de entidades correlatas. Nesta reunião, a pauta foi direcionada especialmente à discussão sobre a situação de pandemia da COVID-19. A disseminação da doença avançava e, naquele momento, o Brasil estava com 234 casos confirmados, o Paraná com 67 casos suspeitos e, o município local já contava com 22 casos suspeitos.

Tomada de decisões

Das negociações efetivadas, sustentadas pela comunicação contínua e aberta, tomou-se a decisão de se lançar um Decreto Municipal, que estabeleceu novas medidas de proteção da população e de enfrentamento à COVID-19. Tal Decreto estabeleceu a suspensão do atendimento presencial ao público em diversos estabelecimentos comerciais do município e o distanciamento social, inicialmente, entre o período de 20 de março e 05 de abril de 2020, dentre outras medidas.

Ainda como decisão tomada a partir da reunião de 17 de março, definiu-se a divisão da equipe do COE-COVID-19 e representantes das entidades de saúde local em subgrupos de trabalho. Ademais, também se estabeleceu que o HU fosse a instituição de referência da macrorregional de saúde, para atendimento hospitalar a todos os casos suspeitos e confirmados de COVID-19. Nesse sentido, é oportuno destacar que antes mesmo da pandemia o HU já era a referência de atendimento hospitalar pelo Sistema Único de Saúde (SUS) para 20 municípios, os quais englobam em torno de dois milhões de habitantes. Ao ser decidido que o HU seria referência hospitalar do SUS para uma macrorregional de saúde, a instituição tornou-se, então, referência para 38 municípios.

A partir das decisões tomadas, iniciou-se, então, uma força tarefa interna no HU, liderada pela diretora do DE juntamente com o enfermeiro diretor geral, o Serviço de Controle de Infecção Hospitalar (SCIH) e outras coordenações do hospital, para criação do Plano Interno de Contingência e Enfrentamento à COVID-19 (PICE-COVID-19). Considerando todas as unidades ativas, o HU conta com, aproximadamente, 239 leitos de internação para atendimento via SUS à população de todos os municípios incluídos em sua área de abrangência. De seu total de leitos ativos no hospital, 14 são em Unidade de Terapia Intensiva (UTI) geral, para assistência à saúde de pacientes adultos criticamente enfermos.

Assim, num primeiro momento, definiu-se que o hospital destinaria três leitos de isolamentos para atendimento aos casos de COVID-19, distribuídos da seguinte forma: um leito na UTI geral, um leito na unidade de internação em clínica médica e cirúrgica e um leito no alojamento conjunto pediátrico. Essa configuração, que estipulou quais e quantos leitos do HU se destinaria exclusivamente aos pacientes suspeitos e confirmados de contaminação pela COVID-19 foi, desde o início, amplamente questionada pela equipe de enfermagem do hospital, especialmente, pela diretora do DE. No fluxo inicial do PICE-COVID-19 do HU, os pacientes encaminhados ao hospital pela COVID-19 seriam isolados em leitos que se encontravam dentre de enfermarias gerais, onde se internam pacientes com diversos outros diagnósticos médicos e, os profissionais de enfermagem responsáveis pelo cuidado assistencial a esses pacientes, inevitavelmente, também estariam em contato com demais pacientes.

Dessa maneira, os questionamentos dos profissionais e da diretora do DE fundamentaram-se, principalmente, pela preocupação com a segurança da equipe e de todos os pacientes internados na mesma unidade. Além disso, os enfermeiros gestores do HU questionaram as autoridades sanitárias, representantes da macrorregional de saúde e os membros do COE-COVID-19 quanto ao número de leitos destinados aos pacientes acometidos pela doença. Tendo em vista que o hospital se tornou referência do SUS para atendimento aos casos de COVID-19 que ocorressem em uma ampla área de abrangência, era certo que a destinação de apenas três leitos hospitalares seria insuficiente.

As preocupações e questionamentos da equipe de enfermagem, diante do fluxo inicial apresentado no PICE-COVID-19 do HU, chegaram às chefias do alto escalão da instituição universitária por meio da representatividade que tinham nas pessoas da diretora do DE e do enfermeiro diretor geral do hospital. Com isso, em 20 de março de 2020, após uma reunião interna feita com a presença do Reitor universitário e demais direções da instituição, estabeleceu-se que a estrutura predial inativa que foi construída para ser o CTQ do hospital deveria, então, ser organizada para realização dos atendimentos assistenciais exclusivamente aos pacientes com diagnóstico médico suspeito e confirmado de infecção por COVID-19.

Sobre o processo de tomada de decisão, especialmente, àquelas que implicam diretamente no cuidado ao paciente, perante a situação pandêmica e, com o advento de novas demandas assistenciais, pesquisadores frisam que é preciso reogarnizar a dinâmica laboral, “[...] com agilidade, em práticas assertivas, resolutivas, em especial na atenção hospitalar, nos aspectos relativos à assistência e gerência de enfermagem”.11

Liderança

A partir do momento em que se tomou a decisão de organizar a estrutura predial do CTQ, exclusivamente, para assistência à saúde dos casos de COVID-19 que necessitassem de atendimento hospitalar na macrorregional do HU, os conhecimentos, habilidades e, principalmente, as atitudes da diretora do DE fizeram com que sua competência de liderança prevalecesse, tanto perante a equipe de enfermagem quanto para os membros da equipe multiprofissional. Sendo assim, conversas e reuniões internas foram realizadas com a equipe de saúde do hospital, objetivando-se definir aqueles que fariam parte da linha de frente no cuidado aos pacientes que fossem direcionados ao HU para atendimento na estrutura assistencial que foi denominada “Unidade COVID-19”.

Assessorada por uma equipe de enfermeiros coordenadores das unidades já ativas no HU, os quais possuem legítima qualificação técnica e notória competência gerencial, a enfermeira diretora do DE, com sua reconhecida competência de liderança e, provida de outros atributos pessoais e profissionais, relacionados à sua empatia, responsabilidade, comprometimento e habilidade de comunicação, fez um chamado afetuoso e não arbitrário a toda equipe de enfermagem do hospital, com a finalidade de conhecer quais profissionais desejariam estar na linha de frente do enfrentamento à pandemia, fazendo parte, espontânea e voluntariamente, da equipe assistencial que se encontrava em formação para trabalhar na Unidade COVID-19.

Administração e gerenciamento

Com a decisão de que a estrutura predial do CTQ seria a Unidade COVID-19 do HU, os enfermeiros gestores, fazendo valer a posição de líderes da equipe de saúde e representantes do hospital junto às autoridades políticas e de saúde externas, negociaram junto à SESA do Estado a ampliação do número de leitos na unidade, decidindo-se que seria organizado na estrutura assistencial um leito de UTI para cada dois leitos de enfermaria, conforme a capacidade espacial do prédio.

Em 21 de março de 2020, um dia após serem tomadas as decisões finais sobre organização da Unidade COVID-19, o HU recebeu o primeiro caso suspeito, sendo internada na unidade uma mulher de 41 anos que apresentava sinais típicos da COVID-19 e, devido à piora no quadro respiratório, a mesma necessitou de internação hospitalar. Nessa data, esforços múltiplos foram realizados para finalizar a organização mínima necessária à abertura da unidade e recebimento da paciente na mesma.

Em seu projeto inicial, a Unidade COVID-19 contou com dois leitos de enfermaria, abertos em caráter emergencial, para atender a demanda inicial. Todavia, dando sequência no processo organizacional e, com os recursos disponíveis do momento, em poucos dias a unidade já contava com 15 leitos, sendo quatro quartos com três leitos em cada um, além de outros dois leitos de isolamento, com antessala e pressão negativa.  Também se destinou um quarto contendo equipamentos, insumos e materiais para recepção e atendimento inicial de recém-nascido.

A partir da boa administração e gerenciamento das verbas financeiras, bem como do quantitativo de ventiladores mecânicos e de monitores, repassados pelo elo Estado à instituição, juntamente com as doações empresariais de materiais diversos e equipamentos para proteção individual (EPI) da equipe, intenciona-se que se amplie a capacidade de atendimento da unidade, com aumento do número de leitos, passando para 20 leitos de enfermaria e 10 leitos de UTI. Contudo, registra-se que, inicialmente, para organização e abertura inicial da unidade diversos insumos, equipamentos e materiais foram remanejados de outras unidades já ativas no hospital, especialmente, da UTI geral e da unidade de internação em clínica médica-cirúrgica.

Destaca-se, ainda, que as competências de administração e gerenciamento dos enfermeiros gestores também foram indispensáveis aos enfermeiros para comunicação e tomada de decisões conjuntas com diversos serviços, tal como farmácia, serviço de nutrição e dietética, SCIH, serviço de rouparia, de apoio e higienização, dentre outras. Foram estabelecidos os fluxos de atendimento, protocolos para procedimentos operacionais e assistenciais, bem como processos diversos necessários à segurança da equipe e dos pacientes atendidos na unidade. Determinou-se, também, quais seriam as áreas “limpas” e “contaminadas”, dividindo-se a equipe dentre essas áreas e, definindo-se os corredores e trajetos que cada equipe faria, com o intuito de minimizar o risco de disseminação da infecção com contaminação dos profissionais.

Faz mister registrar que, para a organização e abertura da Unidade COVID-19 no HU, além da verba financeira e dos ventiladores mecânicos e monitores, o hospital também administrou e gerenciou da melhor forma possível o recebimento de diversos insumos e outros equipamentos necessários, recebidos do Governo do Estado por meio da SESA. Com o quantitativo financeiro disponibilizado, foi possível organizar e gerenciar o processo para contratação de mais profissionais de enfermagem, ampliando-se os recursos humanos da unidade.

Assistência à saúde

No mesmo dia em que realizou o chamado, a diretora do DE recebeu dezenas de mensagens em seu celular, com enfermeiros e técnicos de enfermagem assistenciais se prontificando e, expressando a vontade em participar daquela que muitos chamavam de “a equipe que fará história e mostrará a importância da enfermagem ao mundo”. Em poucas horas, os recursos humanos em enfermagem para prestação de assistência na Unidade COVID-19 estava formado, sendo constituído inicialmente por cinco enfermeiros e 12 técnicos de enfermagem, os quais foram divididos em cinco grupos de trabalho, distribuídos em dois diurnos, para os períodos matutino e vespertino e três noturnos, para compor as equipes da “Noite 1”, “Noite 2” e “Noite 3”.

Os 17 profissionais de enfermagem escalados em primeira instância compuseram a equipe multiprofissional responsável pela assistência aos pacientes que necessitassem dos dois leitos para internação na Unidade COVID-19 que seria organizada na estrutura predial do HU. A comunicação realizada e decisões tomadas pelos enfermeiros gestores do HU em conjunto com membros do COE-COVID-19, da macrorregional de saúde e representantes de outras entidades do setor saúde local, culminaram na negociação para abertura imediata, em caráter emergencial, do referido quantitativo de leitos, que se mostrou restrito pelo fato de que, por mais que não houvesse muita vontade, empenho e dedicação por parte dos gestores e equipe de saúde do HU, sabidamente organizar e ativar uma unidade assistencial hospitalar é algo que demanda tempo e recursos (humanos, materiais, financeiros e outros), especialmente, no âmbito do SUS.

Importante salientar, que no tocante aos recursos humanos do pessoal de enfermagem, o número de profissionais que relataram desejar fazer parte da equipe assistencial na Unidade COVID-19 foi muito maior que o quantitativo inicialmente elencado para trabalhar. Então, novamente a competência em liderança da diretora do DE prevaleceu e, sustentada pelas demais habilidades gerenciais, elencou-se dentre os vários profissionais que manifestaram interessem, quais seriam aqueles que fariam parte da equipe assistencial multiprofissional que estaria na linha de frente do cuidado aos primeiros pacientes a serem admitidos na Unidade COVID-19 do HU, sendo que conforme a demanda aumentou outros profissionais, dentre aqueles que se dispuseram, foram chamados e treinados. Dessa forma, necessitou-se proceder ao fechamento de outras duas unidades assistenciais, as quais já estavam ativas, haja vista ocorrência de remanejamento de profissionais destas unidades para a Unidade COVID-19.

Educação permanente

Paralelamente com a administração e gerenciamento dos processos para definição dos fluxos assistenciais, aconteciam os treinamentos com os profissionais que se ofereceram a trabalhar na unidade. O primeiro treinamento foi realizado pelo com o médico intensivista da unidade, que tinha por objetivo abordar os assuntos relacionados à ventilação mecânica e a importância da não desconexão dos circuitos respiratórios, bem como o manejo do paciente em ventilação mecânica.

Na segunda semana, se iniciava os treinamentos específicos quanto às necessidades de tratamento dos pacientes versus a importância da realização segura desses procedimentos. Assim, foram repassadas as técnicas de intubação orotraqueal, ressuscitação cardiopulmonar e de pronação do paciente, destacando o papel de cada membro da equipe um durante o desenvolvimento dos procedimentos. Além destes treinamentos, palestras, simulações realísticas e instruções práticas sobre diversos outros procedimentos foram realizados com a equipe e serão promovidos, conforme necessidade apresentada pelos profissionais e também perante as características clínicas e demandas de cuidados que apresentarem os pacientes internados na unidade. Cabe destaca, também, que treinamentos para orientar a equipe quanto à técnica de paramentação e desparamentação foram realizados em diversas ocasiões, intencionando-se que toda a equipe assistencial adquira habilidades necessárias à realização destes processos tomando-se o máximo de cuidado para evitar possíveis casos de infecção entre os membros da equipe ocorrida a partir da contaminação pelo contato com os EPIs utilizados durante a assistência direta aos pacientes com COVID-19.

CONCLUSÕES

A autonomia dada pela governança máxima e o caráter universitário da instituição (que viabilizou atualização científica contínua), bem como o prévio preparo técnico da equipe (por meio de reuniões estruturadas e planejamento organizacional), atrelados aos anos de formação e prática profissional dos enfermeiros-líderes potencializaram a experiência vivenciada. Por outro lado, o restrito conhecimento científico disponível sobre a COVID-19 foi um importante ponto de limitação e fragilidade, pois, a medida em que o conhecimento foi ampliado e disponibilizado à comunidade acadêmica diversas mudanças e adequações nos processos e fluxos de trabalho também se fizeram necessárias, o que contribuiu para a sobrecarga física e mental de todos os envolvidos.

Ademais, o protagonismo foi vivenciado pelos enfermeiros-líderes pela participação ativa e proativa destes durante todo o processo de organização da unidade assistencial, estando na linha de frente das ações gerenciais, em todas as discussões, decisões e planejamento da dinâmica laboral. 

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9 Ventura-Silva JMA, Ribeiro OMPL, Santos MR, Faria ACA, Monteiro MAJ, Vandersen L. Planejamento organizacional no contexto de pandemia por COVID-19: implicações para a gestão em enfermagem. J. Health NPEPS. [Internet]. 2020[acesso em 2020 nov 20]; 5(1): e4626. Disponível em: https://periodicos.unemat.br/index.php/jhnpeps/article/view/4626/3639

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Data de submissão: 14/10/2020

Data de aceite: 18/11/2020

Data de publicação: 26/11/2020



[1] Enfermeira. Mestre em Engenharia Biomédica. Hospital Universitário da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (HUOP/UNIOESTE). Paraná (PR), Brasil. E-mail: sarapriscilacarvalho@hotmail.com http://orcid.org/000-0001-7421-8289

[2] Enfermeiro. Especialista em Urgência e Emergência. Hospital Universitário da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (HUOP/UNIOESTE). Paraná (PR), Brasil. E-mail: joabe__ferreira@hotmail.com http://orcid.org/0000-0001-9444-1795

[3] Enfermeiro. Mestre em Engenharia Biomédica. Hospital Universitário da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (HUOP/UNIOESTE). Paraná (PR), Brasil. E-mail: rafaliborio@hotmail.com http://orcid.org/0000-0001-8387-6080

[4] Enfermeiro. Mestre em Biociências e Saúde. Hospital Universitário da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (HUOP/UNIOESTE). Paraná (PR), Brasil. E-mail: regipassoni@gmail.co http://orcid.org/0000-0002-7526-2510

[5] Enfermeira. Doutora em Ciências. Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE). Paraná (BR), Brasil. E-mail: arscarvalho@gmail.com http://orcid.org/0000-0002-2300-5096