ARTIGO original

Complicações locais e sistêmicas em pacientes pós-angioplastia coronariana transluminal percutânea primária

Local and systemic complications in patients after primary percutaneous transluminal coronary angioplasty

Complicaciones locales y sistémicas en pacientes tras angioplastia coronaria transluminal percutánea primaria

Cardoso, Karoline Jardim;[1] Silva, Debora Monteiro da[2]

RESUMO

Objetivo: descrever as principais complicações pós-angioplastia primária em um hospital universitário. Método: pesquisa descritiva, com análise documental de registros de 78 pacientes submetidos à angioplastia primária. A coleta de dados ocorreu de setembro a novembro de 2020, em prontuários impressos, através de instrumento previamente elaborado. A análise foi por estatística descritiva. Resultados: predomínio de idosos, com média de 60,7 anos, do sexo masculino (76%), hipertensos (67,9%) e tabagistas (35,9%). As principais complicações encontradas foram hematoma (17,9%), nefropatia induzida por contraste (12,8%) e retenção urinária (5,1%). Os eventos cardíacos adversos maiores mais prevalentes foram reestenose coronariana (7,7%), óbito cardíaco (3,8%), infarto agudo do miocárdio (1,3%) e cirurgia de revascularização do miocárdio de urgência (1,3%). Conclusões: a identificação das complicações pós-angioplastia primária pode ofertar subsídios para qualificar o cuidado através da criação de protocolos de prevenção e intervenção precoce aos eventos adversos aos pacientes submetidos ao procedimento.

Descritores: Infarto do miocárdio; Angioplastia; Complicações pós-operatórias

ABSTRACT

Objective: to describe the main complications after primary percutaneous transluminal coronary angioplasty in a university hospital. Method: descriptive, research with documentary analysis with data of 78 patients submitted to primary angioplasty. Data collection took place from September to November 2020, in printed medical records, using a previously prepared instrument. The analysis was by descriptive statistics. Results: predominance of elderly, with an average of 60.7 years, male (76%), hypertensive (67.9%) and smokers (35.9%). The main complications found were hematoma (17.9%), contrast-induced nephropathy (12.8%) and urinary retention (5.1%). The most prevalent major adverse cardiac events were coronary restenosis (7.7%), cardiac death (3.8%), acute myocardial infarction (1.3%) and urgent myocardial revascularization surgery (1.3%). Conclusions: the identification of complications after primary angioplasty can offer subsidies to qualify care through the creation of prevention and early intervention protocols for adverse events in patients undergoing the procedure.

Descriptors: Myocardial infarction; Angioplasty; Postoperative complications

RESUMEN

Objetivo: describir las principales complicaciones posteriores a la angioplastia coronaria transluminal percutánea primaria en un hospital universitario. Método: investigación por análisis documental de registros de 78 pacientes sometidos a angioplastia primario. La recolección de datos fue en septiembre a diciembre de 2020, en historias clínicas impresas, por instrumento preparado previamente. El análisis fue descriptivo. Resultados: predominio de ancianos, con una media de 60,7 años, varones (76%), hipertensos (67,9%) y fumadores (35,9%). Las principales complicaciones encontradas fueron hematoma (17,9%), nefropatía por contraste (12,8%) y retención urinaria (5,1%). Los eventos cardíacos adversos mayores más prevalentes fueron la reestenosis coronaria (7,7%), muerte cardíaca (3,8%), infarto agudo de miocardio (1,3%) y cirugía urgente de revascularización del miocardio (1,3%). Conclusiones: la identificación de las complicaciones después de la angioplastia primaria puede ofrecer subsidios para calificar la atención mediante la creación de protocolos de prevención e intervención temprana de eventos adversos en pacientes sometidos al procedimiento.

Descriptores: Infarto del miocardio; Angioplastia; Complicaciones posoperatorias

INTRODUÇÃO

As Doenças Cardiovasculares (DCV), incluindo o Infarto Agudo do Miocárdio, (IAM) fazem parte das Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNT), sendo consideradas as mais frequentes causas de morbimortalidade no Brasil e no mundo, independente de nível socioeconômico.1-7 Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), no ano de 2016 ocorreram 56.900.000 de óbitos, dos quais 9.433.000 foram causados por IAM, seguido de 5.781.000 por Acidente Vascular Cerebral (AVC).8

No Brasil, de acordo com dados obtidos através do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS), em 2017 ocorreram 1.321.633 óbitos, dentre estes, 358.882 foram causados por doenças do aparelho circulatório, e destes, 92.657 sendo IAM.9 O IAM, mais recentemente denominado de Síndrome Coronariana Aguda (SCA) é o termo usado para descrever a obstrução total ou parcial das artérias coronárias, vasos sanguíneos responsáveis por irrigar o músculo cardíaco.1,4

Nas últimas décadas houve um grande progresso na cardiologia intervencionista, no que se refere às técnicas percutâneas de revascularização do miocárdio. Em meados de 1960, um dos marcos mais importantes foi o surgimento da Angioplastia Coronariana Transluminal Percutânea (ACTP), assim como sua associação ao uso de stents, que se mostraram essenciais na manutenção dos resultados imediatos e em longo prazo.6,10

Diante da evolução da tecnologia, houve significativos avanços clínicos, percutâneos e cirúrgicos que possibilitaram o tratamento de grande parte dos pacientes acometidos por IAM. Atualmente, a angioplastia com stent é o método de reperfusão percutânea mais utilizado para o tratamento de obstrução arterial coronariana, uma vez que a ACTP pode reestabelecer o fluxo coronariano em cerca de 90% dos pacientes.6,10

Apesar dos avanços da cardiologia intervencionista, as complicações pós-ACTP continuam relativamente frequentes. Neste sentido, a equipe de enfermagem deve estar capacitada para a assistência ao paciente infartado em ACTP primária, a fim de evitar, minimizar e detectar possíveis complicações pós-procedimento, visando à qualidade da assistência prestada, redução do tempo de permanência, assim como diminuição dos custos hospitalares.6,10-11

O presente estudo justifica-se pela necessidade de conhecer o perfil dos pacientes, bem como as complicações mais incidentes pós-procedimento, a fim de ofertar subsídios para qualificar o cuidado através da criação de protocolos de prevenção e intervenção precoce aos eventos adversos aos pacientes submetidos ao procedimento. Esse estudo tem por objetivo descrever a prevalência das principais complicações pós-angioplastia coronariana transluminal percutânea primária em um hospital universitário da região metropolitana de Porto Alegre.

MATERIAIS E MÉTODO

Trata-se de um estudo descritivo, observacional, com abordagem quantitativa, e dados retrospectivos. A amostra é não probabilística intencional. Este estudo foi desenvolvido em um Hospital Universitário da Região Metropolitana de Porto Alegre, referência em hemodinâmica para a 8ª Região de Saúde – Vale do Caí/ Metropolitana. Participaram deste estudo 78 pacientes, população composta por todos os pacientes que estiveram internados na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) em pós-procedimento imediato de ACTP primária dos meses de janeiro a junho de 2020. Foram excluídos pacientes admitidos nesta unidade por outros motivos de internação que não sejam IAM com supradesnivelamento do segmento ST (IAMCSSST) pós-ACTP primária.

A coleta dos dados ocorreu no período de setembro a novembro de 2020, com a utilização dos prontuários disponíveis no Serviço de Arquivamento Médico e Estatística (SAME) da instituição pesquisada. Os dados foram tabulados em instrumento previamente elaborado, constituído de cinco partes. A primeira parte refere-se aos dados sociodemográficos do paciente; a segunda parte aos dados clínicos; a terceira relativa aos dados angiográficos; a quarta parte relativa às complicações pós-ACTP primária e a quinta parte relativa ao desfecho da internação do paciente.

Os dados quantitativos foram inseridos em um banco de dados eletrônicos do programa Excel XP® da Microsoft®, e após foram importados para o programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) – versão 22.0 para Windows, no qual foram tabulados e analisados a partir da estatística descritiva, e apresentados sob a forma de tabelas. As variáveis foram categóricas foram expressas como números absolutos e percentuais. As variáveis contínuas foram expressas como média e desvio e padrão.

A pesquisa atendeu à Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde e obteve Parecer da Comissão Ética em Pesquisa em Seres Humanos da Universidade Luterana do Brasil (ULBRA), sob o número de parecer 4.244.966 e Certificado de apresentação para apreciação ética 36579420.0.0000.5349.

RESULTADOS

No período de janeiro a junho de 2020, 78 pacientes foram submetidos à ACTP primária, distribuídos entre os meses de janeiro (n=12), fevereiro (n=18), março (n=12), abril (n=12), maio (n=10) e junho (n=14). Do total de pacientes, 59 (76,0%) eram do sexo masculino, 19 (24,0%) eram do sexo feminino. A média geral de idade foi de 60,7 ± 10,52 anos, a média entre pacientes do sexo masculino foi de 59,6 ± 10,6, e do sexo feminino 64 ± 9,64. Quanto à faixa etária dos pacientes, o mais jovem possuía 35 anos e o mais idoso 87 anos. Todos os pacientes foram atendidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Em relação ao município de procedência do paciente, 34 (43,6%) residiam em Canoas, 14 (17,9%) em Sapucaia do Sul, 12 (15,4%) em Esteio, 9 (11,5%) em Montenegro, 5 (6,4%) em Nova Santa Rita, 2 (2,6%) em São Sebastião do Caí e 2 (2,6%) em Triunfo.

Em relação aos sintomas apresentados, o mais prevalente foi a precordialgia, 76 (97,6%), seguido de irradiação para o membro superior esquerdo e náuseas, presentes em 13 (16,7%) dos pacientes. Quanto às comorbidades, 53 (67,9%) dos pacientes apresentaram Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS), seguido de Diabetes Mellitus (DM) em 17 (21,8%). O hábito de vida mais prevalente nesta população foi o tabagismo, 28 (35,9%) (Tabela 1).

Tabela 1: Dados clínicos de pacientes submetidos à angioplastia coronariana transluminal percutânea primária. Região Metropolitana de Porto Alegre, 2020.

Variáveis

Frequência absoluta (n)

Frequência relativa (%)

Sinais e sintomas

 

 

Precordialgia

76

97,4%

Irradiação da dor para MSE

13

16,7%

Náuseas

13

16,7%

Sudorese

11

14,1%

Dispneia

09

11,5%

Vômitos

04

5,1%

Epigastralgia

04

5,1%

Irradiação da dor para cervical

03

3,8%

Irradiação da dor para o dorso

03

3,8%

Irradiação da dor para mandíbula

01

1,3%

Patologias prévias

 

 

Hipertensão Arterial Sistêmica

53

67,9%

Diabetes Mellitus

17

21,8%

IAM

13

16,7%

Obesidade

09

11,5%

Dislipidemia

05

6,4%

AVC

04

5,1%

ACTP

04

5,1%

CRM

01

1,3%

Hábitos de vida

 

 

Tabagismo

28

35,9%

Etilismo

04

5,1%

MSE – membro superior esquerdo, CRM – cirurgia de revascularização do miocárdio.

Fonte: dado da pesquisa, 2020.

Quanto ao local de punção para procedimento, houve predomínio da abordagem pela via radial, 65 (83,3%). Todos os pacientes incluídos neste estudo foram submetidos à ACTP primária com implante de stent. O número médio de stents por paciente foi de 1,4, variando entre um e três stents. A coronária direita foi a artéria mais tratada, em 39 (50,0%) dos casos, e o tipo de stent mais utilizado foi o farmacológico, 70 (89,7%). O tipo de anestesia utilizada no procedimento foi local em todos os pacientes deste estudo, realizada com Lidocaína 2% injetável sem vasoconstritor. O tipo de contraste iodado utilizado em todos os procedimentos foi o Iopamiron®, por via endovenosa (Tabela 2).

Tabela 2: Dados angiográficos de pacientes submetidos à Angioplastia Coronariana Transluminal Percutânea Primária. Região Metropolitana de Porto Alegre, 2020.

Variáveis

Frequência absoluta (n)

Frequência relativa (%)

Local de punção

 

 

Radial

65

83,3%

Femoral

13

16,7%

Número de stents por paciente

 

 

1 stent

49

62,8%

2 stents

27

34,6%

3 stents

02

2,6%

Número de stents por lesão

 

 

1 stent

62

79,5%

2 stents

16

20,5%

Coronária tratada*

 

 

Direita

39

50,0%

Descendente anterior

37

47,4%

Circunflexa

13

16,7%

Tipo de stent

 

 

Farmacológico

70

89,7%

Convencional

08

10,3%

*Estes percentuais relativos se explicam em função do fato de um único paciente poder ter apresentado mais de uma coronária tratada por procedimento.

Fonte: dados da pesquisa, 2020.

Observa-se que houve predomínio de hematoma como complicação local. A complicação sistêmica mais prevalente foi a nefropatia induzida por contraste 10 (12,8%). Em relação às complicações maiores, destaca-se a reestenose coronariana, presente em seis (7,7%) dos pacientes, seguido de óbito cardíaco três (3,8%). Ocorreram três (3,8%) óbitos resultantes de parada cardiorrespiratória sem retorno a circulação espontânea, dos quais dois (2,6%) ocorreram em Fibrilação Ventricular (FV), e um (1,3%) em Atividade Elétrica Sem Pulso (AESP) (Tabela 3).

Tabela 3: Complicações locais, sistêmicas e eventos cardíacos adversos maiores. Região Metropolitana de Porto Alegre, 2020.

Variáveis

Frequência absoluta (n)

Frequência relativa (%)

Complicações locais

 

 

Hematoma

14

17,9%

Pseudoaneurisma

03

3,8%

Sangramento

02

2,6%

Complicações sistêmicas

 

 

NIC

10

12,8%

Retenção urinária

04

5,1%

ECAM

 

 

Reestenose coronariana

06

7,7%

Óbito cardíaco

03

3,8%

IAM

01

1,3%

CRM

01

1,3%

NIC – nefropatia induzida por contraste, ECAM – eventos cardíacos adversos maiores.

Fonte: dados da pesquisa, 2020.

Em relação ao desfecho da internação dos pacientes, 52 (66,7%) tiveram alta para a unidade de internação, 23 (29,5%) foram transferidos ao hospital de origem e 3 (3,8%) foram a óbito. O tempo de permanência em UTI teve como média 2,2 ± 1,7 dias, variando entre um e 12 dias. Em Unidade de Internação (UI) a média foi de 7,4 ± 4,4 dias, variando entre dois e 23 dias de internação hospitalar.

DISCUSSÃO

Os resultados obtidos nesse estudo corroboram com uma pesquisa realizada com 93 pacientes submetidos à ACTP primária, em que 64,5% da amostra eram homens e 35,5% mulheres com a média de 61,64 anos.5 Outro estudo realizado com 127 pacientes revelou uma média de idade de 60,8 anos com variação entre 30 e 84 anos, sendo 65,4% dos pacientes do sexo masculino e 36,2% do sexo feminino.12

O perfil etário brasileiro vem se modificando ao decorrer das últimas décadas, tendo como resultado um aumento significativo da população idosa. A idade avançada é um fator de risco que está diretamente ligado ao acúmulo de exposição aos fatores de risco ao longo da vida. De acordo com estudos, é possível constatar que há um aumento da incidência de IAM em faixas etárias avançadas, assim como em indivíduos do sexo masculino, onde encontram-se as maiores taxas de mortalidade, sendo estes, fatores de risco não modificáveis.5,13

A Tabela 1 evidencia que entre os principais sintomas apresentados, o mais prevalente foi a precordialgia, 76 (97,6%), seguido de irradiação para o membro superior esquerdo e náuseas, presentes em 13 (16,7%) dos pacientes.

A dor torácica localizado na região esternal do peito é o principal sintoma de infarto, relacionada com sensação retroesternal de pressão ou peso, com irradiação para o pescoço, mandíbula, ombro e braço esquerdo, podendo ser persistente ou intermitente. A irradiação se dá devido a origem comum dos neurônios sensoriais que suprem o miocárdio e essas áreas a partir do corno posterior da medula espinhal.1,4

Além disso, são considerados sintomas clássicos: dispneia, palpitação, sudorese, náuseas, vômitos, dor abdominal, tontura, lipotimia e sensação de morte iminente. Estes sinais e sintomas são apontados como úteis para o diagnóstico diferencial.1,4,14-15

Cabe ressaltar, que cerca de 80% dos casos cursam sintomáticos, porém salienta-se há possibilidade de manifestação assintomática, sendo mais comum em indivíduos idosos e em portadores de DM devido à neuropatia diabética. 1,4,14-15

Na Tabela 1 se observou que em relação às comorbidades, 53 (67,9%) dos pacientes apresentaram HAS, seguido de DM em 17 (21,8%). O hábito de vida mais prevalente nesta população foi o tabagismo, 28 (35,9%).

Estudos apontam que os fatores de risco reconhecidamente associados ao IAM, são: HAS, DM, dislipidemia, tabagismo, alcoolismo, aumento do consumo de carnes e gorduras, redução do consumo de frutas e verduras, obesidade, sedentarismo, além das desigualdades socioeconômicas e dificuldade de acesso aos serviços de saúde.1,3,5,13

A Tabela 2 evidencia o número de stents implantados por paciente, em que o atual estudo revelou que 62,8% dos pacientes implantaram um stent, 34,6% implantaram dois e 2,6% implantaram três stents. Em relação ao emprego de stent farmacológico, este ocorreu em 89,7% dos pacientes, seguido pelo uso do stent convencional em 10,3% dos casos.

Estes resultados assemelham-se a um estudo publicado em 2017 em um hospital universitário, em que o emprego de um stent ocorreu em 54 (58%), dois stents em 30 (32,3%) e três stents ou mais em três (9,7%) dos pacientes. O emprego de um stent ocorreu em 54 (58%), dois stents em 30 (32,3%) e três stents ou mais em três (9,7%) dos pacientes.5 Em relação ao número médio de stents por paciente, o atual estudo evidenciou uma média de 1,4, variando entre um e três stents, resultado também descrito em outro estudo semelhante.12

Um ensaio clínico randomizado realizado com 231 pacientes indicados à ACTP, divididos em dois grupos para o uso de stent farmacológico (n=77) e não farmacológico (n=154), apontou que o único preditor de reestenose intra-stent foi o emprego de stent não farmacológico, onde em 93% da ocorrência de reestenose ocasionou-se devido a sua utilização. Este estudo também avaliou o custo-efetividade do emprego de stent farmacológico comparado ao uso de stent não farmacológico, evidenciando redução no percentual de reestenose, porém sem impacto na mortalidade, com aumento de custo.16

Em relação às coronárias afetadas, a direita foi mais tratada, com 50,0% dos casos, seguida da descendente anterior com 47,4% e circunflexa em 16,7%. Cabe ressaltar que estes percentuais se explicam pelo fato de um único paciente ter apresentado mais de uma coronária tratada.

Estes resultados podem ser comparados a outro estudo semelhante, em que a coronária direita foi tratada em 30,1% dos pacientes, a descendente anterior em 41,9% e a circunflexa em 12,9%, além dos casos em que mais de uma artéria foi tratada 12,9%.5

Tratando-se do local de punção para procedimento, conforme a Tabela 2, houve predomínio da abordagem pela via radial, 65 (83,3%) e por via femoral em 13 (16,7%). A escolha da via radial para realização de ACTP vem se expandido em virtude dos benefícios obtidos na utilização desta técnica, como a diminuição de complicações vasculares, menores taxas de sangramento, possibilidade de deambulação precoce, menor tempo de internação e custos hospitalares.17

Um estudo unicêntrico realizado com 2453 pacientes submetidos à ACTP com implante de stents farmacológicos, sendo 1237 submetidos a procedimento via radial e 1216 por via femoral evidenciou que no grupo em que a abordagem do procedimento por via femoral apresentou maior prevalência de complicações vasculares, maior volume de contraste utilizado, taxas de mortalidade geral e de eventos cardíacos adversos maiores no grupo femoral.17 Este estudo também apontou que a abordagem por via femoral se revelou como um preditor independente de mortalidade cardiovascular. Em contraponto, a abordagem por via radial se mostrou capaz de reduzir a mortalidade geral e cardiovascular, ECAM e complicações vasculares.17

Em relação ao tipo de anestesia utilizada no procedimento, salienta-se que em todos os pacientes deste estudo foram submetidos a anestesia local, podendo ser comparado com outra pesquisa realizada em um hospital situado na região noroeste do Rio Grande do Sul, em que pacientes submetidos ao cateterismo cardíaco e angioplastia coronariana com implante de stent, revelou que em 95,7% dos casos a anestesia local foi utilizada exclusivamente.3

A Tabela 3 revela dados referentes às complicações locais, sistêmicas e ECAM, no qual 28 (35,9%) dos pacientes incluídos neste estudo apresentaram complicações pós-ACTP primária. A principal complicação local encontrada neste estudo foi o hematoma, com uma frequência em 14 (17,9%) dos pacientes, sendo localizado em via radial quatro (5,1%), e em via femoral 10 (12,8%).

Estes resultados corroboram com um estudo de coorte de base populacional realizado com 199 pacientes, em que 82,4% dos procedimentos foram realizados via radial, revelou uma prevalência de 18,3% de equimoses e 17,7% de hematomas, em maior frequência para a abordagem radial (17,1%) quando comparada a femoral (14,2%).18 Em contraponto, um estudo quantitativo realizado com 127 pacientes em um hospital público em Minas Gerais evidenciou uma prevalência de hematoma em 29 (22,8%) dos pacientes, sendo a abordagem por via femoral em 124 (97,6%) e três (2,4%) por via radial.12

Outro estudo realizado com 383 pacientes submetidos a intervenção coronária percutânea por via femoral, revelou uma ocorrência de 6,5% de complicações vasculares, sendo o pseudoaneurisma de artéria femoral a complicação mais observada. Este estudo constatou que o emprego de dispositivo hemostático do tipo plugue de colágeno emergiu como fator protetor contra a ocorrência de complicações vasculares, facilitando a recuperação e melhorando o conforto dos pacientes que podem deambular mais precocemente.19

Em relação aos fatores de risco de complicações vasculares, estudos apontam que a utilização de anticoagulante antes do procedimento, o paciente ser do sexo feminino, pressão arterial sistólica superior a 160 mmHg, número de tentativas de punção e troca de profissional durante a compressão manual são alguns fatores que apresentaram associação estatisticamente significativa com o surgimento de complicações.12 Outros pesquisadores evidenciaram que apenas a relação entre complicações vasculares e o calibre do introdutor apresentou significância estatística.20

De acordo com a Tabela 3, as complicações sistêmicas mais prevalentes encontradas neste estudo foram NIC, em 10 (12,8%) pacientes. Estes achados podem ser comparados com um estudo unicêntrico recente, em que 279 pacientes foram divididos em dois grupos de acordo com o tempo total de isquemia miocárdica. O grupo 1 (n=118), em que o tempo dor-balão <6 horas apresentou uma prevalência de 9 (7,6%) de NIC, e o grupo 2 com tempo dor-balão ≥6 e <12 horas (n=161) apresentou 32 (19,9%).21 Outro estudo realizado com dois grupos, constatou que entre pacientes idosos (n=131), a NIC ocorreu em nove (6,2%), e no grupo de pacientes não idosos (n=149) em 10 (5,7%).22

Em uma pesquisa desenvolvida com comparação entre dois grupos, o grupo 1 (n=76) caracterizado por pacientes sem disfunção renal basal e que não desenvolveram NIC, e o grupo 2 (n=64) caracterizado por pacientes sem disfunção renal basal, mas que desenvolveram NIC, constatou que o uso de meios de contraste mais nefrotóxicos foi maior no grupo 2, assim como o volume de contraste administrado.23

A nefropatia induzida por contraste se caracteriza por uma forma de injúria renal aguda, que ocorre após poucos dias depois da exposição ao meio de contraste iodado, utilizado com frequência em procedimentos diagnósticos e terapêuticos. Na última década, a NIC foi reconhecida como a terceira causa mais comum de insuficiência renal adquirida em meio hospitalar, com importantes implicações prognósticas.23

A insuficiência renal aguda (IRA), também chamada de lesão renal aguda (LRA), é definida como aumento da creatinina sérica >50,0% do valor basal ou de necessidade de terapia renal substitutiva.21 A análise da função renal é parte fundamental da avaliação clínica prévia antes de procedimentos médicos em que se utilize meio de contraste iodado, incluindo a ACTP.23

O acompanhamento de níveis séricos de creatinina pós-angioplastia coronariana tem como objetivo comparar valores laboratoriais anteriores com propósito de constatar a ocorrência de NIC.24 A ocorrência de NIC em pacientes submetidos a hidratação venosa apresentam redução dos marcadores laboratoriais quando submetidos a este preparo.24

De acordo com a Tabela 3, a retenção urinária ocorreu em quatro (5,1%) pacientes, em que a abordagem do procedimento foi por via femoral, com necessidade de cateterismo vesical de alívio.

Um estudo realizado em um hospital universitário evidenciou que em relação aos procedimentos realizados por via femoral, em 25,7% dos pacientes foi necessária a realização de cateterismo vesical de alívio. Quanto à abordagem por via radial, apenas 2,4% dos pacientes apresentaram retenção urinária sem necessidade de medida invasiva, visto que a o deambular precocemente e o fato de ser liberado para ida ao banheiro favoreceu a micção espontânea.12,18

Em outra pesquisa, foi observado que entre após a realização de angioplastia coronariana, 12 (9,4%) dos pacientes necessitaram de cateterismo vesical, sendo a retenção urinária evidenciada como principal complicação sistêmica apresentada no estudo.12

O conceito de ECAM pode ser definido como um combinado de mortalidade por causa cardíaca, infarto agudo do miocárdio e necessidade de revascularização do vaso-alvo.22 O presente estudo apontou uma prevalência de 11 (14,1%) de ECAM, sendo divididos entre 3 (3,8%) de óbitos cardíacos, um (1,3%) de IAM não-fatal, seis (7,7%) de necessidade de revascularização do vaso-alvo através de intervenção coronariana percutânea e 1 (1,3%) por CRM.

Estes resultados podem ser comparados a um estudo de coorte prospectiva realizado com 101 pacientes, em que 83,2% destes foram submetidos à ACTP primária, resultando em uma taxa de 7,9% de reestenose, 2,0% de IAM não-fatal e 10,9% de óbitos de causa cardíaca.25

Outro estudo realizado comparando dois grupos divididos em relação a idade, revelou uma frequência de 2,4% de óbitos no grupo de pacientes idosos, classificados como >65 anos (n=131) e o grupo de pacientes não idosos, classificados como <65 anos (n=149), apresentou 1,2% de óbitos. Em relação a ocorrência de IAM e CRM de urgência, os dois grupos apresentaram a mesma prevalência em ambos os eventos, com um total de 0,6% cada.22

CONCLUSÕES

Os resultados deste estudo contribuem para a quantificação de complicações pós-ACTP primária, servindo de subsídio para gerar estratégias para a prevenção de agravos aos pacientes submetidos ao procedimento. Além disso, possibilita que a equipe de enfermagem seja capacitada para a assistência ao paciente, visando a qualidade do cuidado prestado, redução do tempo de permanência, assim como diminuição dos custos hospitalares.

Algumas limitações podem ser consideradas neste estudo, como o tamanho da amostra, a dificuldade de encontrar dados sociodemográficos nos prontuários impressos e arquivados no SAME da instituição hospitalar cenário do estudo, assim como a escassez de estudos recentes sobre a temática proposta. É fundamental que novas pesquisas que incluam esta temática sejam desenvolvidas, com objetivo de buscar mais evidências sobre os problemas identificados.

REFERÊNCIAS

1 Bemposta MCM, Martins MDS, Silva NAP. Identification of the time of onset of acute myocardial infarction symptomatology. Referência. 2018;4(19):61-70. DOI: https://doi.org/10.12707/RIV18038

2 Sant’Anna FM, Alvarez FS, Bruno RV, Brito MB, Menezes S, Correa Filho WB, et al. Desfechos hospitalares em pacientes submetidos a intervenção percutânea na vigência de síndromes coronárias agudas atendidos em unidades de pronto atendimento (UPAs) – resultados de um centro de cardiologia terciário. Rev. bras. cardiol. invasiva. 2010;18(1):30-6. DOI: https://doi.org/10.1590/S2179-83972010000100008

3 Kuhn OT, Bueno JFB, Loro MM, Kolankiewicz ACB, Winkelmann ER, Rosaneli CLSP. Perfil de pacientes submetidos a cateterismo cardíaco e angioplastia em um hospital geral. Rev. Contexto Saúde (Impr.). 2015;15(29): 4-14. Disponível em: https://www.revistas.unijui.edu.br/index.php/contextoesaude/article/view/4143

4 Ouchi DJ, Teixeira C, Ribeiro CAG, Oliveira CC. Tempo de chegada do paciente infartado na unidade de terapia intensiva: a importância do rápido atendimento. Ensaios e Ciências. 2017;21(2):92-9. Disponível em: https://ensaioseciencia.pgsskroton.com.br/article/view/3652#:~:text=De%20acordo%20com%20a%20IV,80%25%20nas%20primeiras%2024%20horas

5 Lima MSM de, Dantas RAN, Mendes NPN, Alves LCM, Silva TTM da, Brito AGR, et al. Clinical-epidemiological aspects of patients submitted to Percutaneous Coronary Intervention in a university hospital. Rev. bras. enferm. 2018;71(6):3056-63. DOI: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0012

6 Gomes ET, Silva TT, Santos MS. Complicações da intervenção coronária percutânea: inferência dos diagnósticos de enfermagem. Enfermagem Brasil. 2018;17(6):694-701. DOI: https://doi.org/10.33233/eb.v17i6.1306

7 Silva IM, Silva MG. Infarto agudo do miocárdio: assistência ao paciente pós-infarto internado em unidade de terapia intensiva. Revista Amazônia: Science & Health. 2018;6(1):12-21. Disponível em: http://ojs.unirg.edu.br/index.php/2/article/view/1545

8 World Health Organization (WHO). Global Healthy Observatory. The top 10 causes of death. 2018. Available from: https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/the-top-10-causes-of-death

9 Ministério da Saúde (BR). Departamento de informática do SUS. Mortalidade – infarto agudo do miocárdio – 2017 (Brasil e regiões). Brasília: Ministério da Saúde; 2017. Disponível em: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi.exe?sim/cnv/obt10uf.def

10 Macedo RCR, Balsanelli AP, Franco FF, Sant’Ana EA. Enfermagem em cardiologia: procedimentos em unidade semi-intensiva. 1ª ed. Barueri: Manole; 2012.

11 Santos MN dos, Medeiros RM, Soares OM. Emergência & cuidados críticos para enfermagem: conhecimentos - habilidades – atitudes. 1ª ed. Porto Alegre: Moriá; 2018.

12 Barbosa MH, Moreira TM, Tavares JL, Andrade EV de, Bitencourt MN, Freitas KBC de, et al. Complicações em pacientes submetidos à angioplastia coronariana transluminal percutânea. Enferm. glob. 2013;12(3):24-33. Disponível em: https://revistas.um.es/eglobal/article/view/eglobal.12.3.153141/149781

13 Santos J dos, Meira KC, Camacho AR, Salvador PTCO, Guimarães RM, Pierin AMG, et al. Mortality due to acute myocardial infarction in Brazil and its geographical regions: analyzing the effect of age-period-cohort. Ciênc. Saúde Colet. (Impr.). 2018;23(5):1621-34. DOI: https://doi.org/10.1590/1413-81232018235.16092016

14 Miranda AVS, Rampelotti LF. Incidence of chest pain as a symptom of acute myocardial infarction in an urgent care unit. BrJP. 2019;2(1):44-8. DOI: https://doi.org/10.5935/2595-0118.20190009

15 Passinho RS, Sipolatti WGR, Fioresi M, Primo CC. Signs, symptoms and complications of acute myocardial infarction. Rev. enferm. UFPE online. 2018;12(1):247-64. Available from: https://periodicos.ufpe.br/revistas/revistaenfermagem/article/viewFile/22664/26099

16 Pessoa JA, Ferreira E, Araújo DV, Maia E, Silva FSM da, Oliveira MS de, et al. Cost-effectiveness of Drug-Eluting Stents in Percutaneous Coronary Intervention in Brazil’s Unified Public Health System (SUS). Arq. bras. cardiol. 2020;115(1):80-9. DOI: https://doi.org/10.36660/abc.20180292

17 Silva BSL, Mangione FM, Wili LF, Mauro MFZ, Cristóvão SAB, Mangione JA. Análise dos pacientes submetidos à intervenção coronária percutânea por via radial. Dados do registro SAFIRA. Rev. bras. cardiol. invasiva. 2018;26(1):1-5. DOI: https://doi.org/10.31160/JOTCI2018;26(1)A0018

18 Armendaris MK, Azzolin KO, Alves FJMS, Ritter GS, Moraes MAP de. Incidence of vascular complications in patients submitted to percutaneous transluminal coronary angioplasty by transradial and transfemoral arterial approach. Acta Paul. Enferm. (Online). 2008;21(1):107-11. DOI: https://doi.org/10.1590/S0103-21002008000100017

19 Brito Junior FS, Magalhães MA de, Nascimento TCDC, Amorim IMG, Almeida BO, Abizaid A, et al. Incidência e preditores contemporâneos de complicações vasculares após intervenção coronária percutânea. Rev. bras. cardiol. invasiva. 2007;15(4):394-9. DOI: https://doi.org/10.1590/S2179-83972007000400014

20 Zanatta LG, Cardoso CO, Mota FM, Conti EP, Diehl D, Rodrigues APR, et al. Preditores e incidência de complicações vasculares após a realização de intervenções coronárias percutâneas: achados do registro IC-FUC. Rev. bras. cardiol. invasiva. 2008;16(3):301-6. DOI: https://doi.org/10.1590/S2179-83972008000300010

21 Barbosa RR, Cesar FB, Serpa RG, Bayerl DMR, Mauro VF, Veloso WUG, et al. Results of Primary Percutaneous Coronary Intervention According to the Total Ischemic Time. Rev. bras. cardiol. invasiva. 2014;22(2):137-42. DOI: https://doi.org/10.1016/S2214-1235(15)30007-7

22 Dall’Orto CC, Lopes RPF, Alcântara CT, Cisari G, Marques AS, Perea JCC, et al. Percutaneous coronary intervention using transradial access in elderly vs. non-elderly patients. Rev. Bras. Cardiol. Inasv. 2013;21(1):36-42. DOI: https://doi.org/10.1590/S2179-83972013000100009

23 Nunes MBG, Fialho AC, Alvares VRC, Meneguz-Moreno R, Lamas E, Loures V, et al. Fórmula de CKD-EPI versus Cockcroft-Gault na predição de nefropatia induzida por contraste após intervenção coronária percutânea, em pacientes sem disfunção renal significativa. Rev. port. cardiol. 2018;37(1):25-33. DOI: https://doi.org/10.1016/j.repc.2017.05.009

24 Lima VCGS, Queluci GC, Brandão ES. Post-coronary transluminary angioplasty patient's nursing care. Rev. enferm. UFPE online. 2019;13(3):732-42. DOI: https://doi.org/10.5205/1981-8963-v13i3a236601p732-742-2019

25 Bahia Neto AFC, Campos FZ, Gonçalves RB, Gomes IC, Sternick EB, Almeida AM. Custos e desfechos clínicos na intervenção coronária percutânea no sistema único de saúde. Rev. Bras. Cardiol. 2016; 29(6):431-42. Disponível em: http://www.onlineijcs.org/sumario/29/pdf/v29n6a03.pdf

Recebido em: 04/02/2022

Aceito em: 13/12/2022

Publicado em: 23/12/2022



[1] Universidade Luterana do Brasil (ULBRA). Canoas, Rio Grande do Sul (RS). Brasil (BR). E-mail: nursekaroline@gmail.com ORCID: 0000-0001-5080-0901

[2] Universidade Luterana do Brasil (ULBRA). Canoas, Rio Grande do Sul (RS). Brasil (RS). E-mail: debora.silva@ulbra.br ORCID: 0000-0003-2043-1521

 

Como citar: Cardoso KJ, Silva DM. Complicações locais e sistêmicas em pacientes pós-angioplastia coronariana transluminal percutânea primária. J. nurs. health. 2022;12(3):e2212320603. DOI: https://doi.org/10.15210/jonah.v12i3.4607