Inserção da auriculoterapia por uma equipe de Estratégia de Saúde da Família: relato de experiência
Insertion of auriculotherapy in the Family Health Strategy: an experience report
Inserción de la auriculoterapia en la Estrategia de Salud de la Familia: relato de experiencia
Muro, Eliene Sousa[1]; Andrade, Maria Betânia Tinti de[2]; Bressan, Vânia Regina[3]; Terra, Fábio de Souza[4]
RESUMO
Objetivo: relatar a experiência da inserção da auriculoterapia em uma unidade de Saúde da Família de um município do Sul de Minas Gerais. Método: relato de experiência acerca da inserção da auriculoterapia em uma unidade de saúde da família ocorrido entre setembro de 2019 a março de 2020. Resultados: definiram-se os profissionais envolvidos na prática da auriculoterapia; capacitou-se os envolvidos com base no Curso de Formação em Auriculoterapia para Profissionais de Saúde da Atenção Básica da Universidade Federal de Santa Catarina; padronizou-se o atendimento com materiais e métodos idênticos; estipulou-se a forma de registro; definiu-se uma agenda semanal com cinco vagas por profissional em turnos alternados; divulgou-se para a comunidade adscrita e então foram disponibilizados os atendimentos. Conclusões: a auriculoterapia foi uma inserção exitosa de um trabalho em equipe na Saúde da Família com potencial para melhorar as condições de saúde das pessoas.
Descritores: Auriculoterapia; Terapias complementares; Atenção primária à saúde; Estratégia saúde da família; Enfermagem
ABSTRACT
Objective: to report the experience of insertion of auriculotherapy in a basic unit of the Family Health Strategy in a city in the south of Minas Gerais. Method: experience report about the insertion of auriculotherapy in a basic family health unit from September 2019 to March 2020. Results: the professionals were defined; those involved were trained based on the Auriculotherapy Course for Health Professionals in Primary Care at the Federal University of Santa Catarina; service was standardized with identical materials and methods; a way of carrying out the written records was stipulated; a weekly schedule was defined with five vacancies for professional in alternate shifts; it was disclosed to the ascribed community and the services were made available. Conclusions: auriculotherapy was a successful insertion of teamwork in Family Health with the potential to improve people's health conditions.
Descriptors: Auriculotherapy; Complementary therapies; Primary health care; Family health strategy; Nursing
RESUMEN
Objetivo: reportar la experiencia de inserción de la auriculoterapia en una unidad de Salud de la Familia en una ciudad del sur de Minas Gerais. Método: relato de experiencia sobre la inserción de auriculoterapia en una unidad básica de septiembre de 2019 a marzo de 2020. Resultados: se definieron los profesionales involucrados en la práctica; los involucrados fueron capacitados basados en Curso de Formación en Auriculoterapia para Profesionales de la Salud en Atención Primaria de la Universidad Federal de Santa Catarina; el servicio se estandarizó con materiales y métodos idénticos; se estipuló la forma de registro; se definió un horario semanal con cinco vacantes por profesional en turnos alternos; se difundió a la comunidad adscrita y se pusieron a disposición los servicios. Conclusiones: la auriculoterapia fue una inserción exitosa del trabajo en equipo en Salud de la Familia con potencial para mejorar las condiciones de salud de las personas.
Descriptores: Auriculoterapia; Terapias complementarias; Atención primaria de salud; Estrategia de salud familiar; Enfermería
INTRODUÇÃO
As Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (PICS) têm ganhado destaque no contexto do Sistema Único de Saúde (SUS), por se tratar de intervenções não medicamentosas que buscam estimular os mecanismos naturais de prevenção de agravos e de recuperação da saúde, por meio de tecnologias eficazes e seguras.1
As PICS foram oficializadas no SUS, por intermédio da Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC), apoiando-se na necessidade de complementar e integrar-se aos modelos de atenção curativa, voltados à doença, à cura e à intervenção medicamentosa, com práticas holísticas que favoreçam a integralidade dos cuidados à saúde e que compreendam intervenções de prevenção de agravos e de promoção em saúde, com intuito de melhoria na qualidade de vida das pessoas.2-4
Dentre as PICS disponíveis, destaca-se a auriculoterapia que consiste em um método de diagnóstico e de tratamento de inúmeras desordens físicas e psicossomáticas, por meio da estimulação de pontos específicos situados no pavilhão auricular, que desencadeia uma série de fenômenos bioquímicos correspondentes com a área do corpo, promovendo o processo de equilíbrio energético.5-6
A auriculoterapia tem sido amplamente utilizada para tratamento de problemas de saúde como epilepsia, ansiedade, obesidade, insônia, para alívio da dor, entre outros.7-9
Nesse sentido, a auriculoterapia, além de ser uma terapia eficaz no tratamento de várias disfunções no corpo humano, é considerada uma técnica eficaz, segura, barata e menos invasiva comparada com os tratamentos convencionais.6,10
O custo-benefício da acupuntura auricular está associado também ao material usado para estimular os pontos. Atualmente, são utilizados na aplicação agulhas de 1 a 2 mm, sementes, esferas, cristais, calor, pressão, laser ou correntes elétricas. No entanto, as sementes de mostarda têm sido amplamente utilizadas por produzem resultados tão satisfatórios quanto os outros materiais. Além disso, possuem um baixo custo, oferecem risco reduzido de infecção no pavilhão auditivo e menor desconforto ao paciente.1,11
Diante dos resultados satisfatórios da auriculoterapia, um número maior de pessoas tem buscado a terapêutica por meio dessa técnica para diversas finalidades, o que impulsionou muitos profissionais da área da saúde a se especializarem para realizar o procedimento, visto que, de acordo com a PNPIC, as PICS podem ser ofertadas pelo profissional que realiza o cuidado convencional aos pacientes mediante capacitação técnica para a prática.12-13
Este fato viabiliza a inclusão dessa PICS nos diversos níveis de atenção à saúde do SUS, priorizando a Atenção Básica (AB), uma vez que esta possui uma perspectiva da prevenção de agravos e da promoção e recuperação da saúde e nela atuam profissionais de diferentes categorias que trabalham em prol de um cuidado continuado, humanizado e integral, compartilhando saberes multidisciplinares.14
A inserção das PICS nos serviços públicos de saúde, ainda é considerado um desafio para a gestão, uma vez que estas práticas demandam recursos humanos capacitados, disponibilização de espaços e materiais para o seu desenvolvimento, bem como há dificuldade de integração entre as PICS e o modelo biomédico. Mesmo diante dos obstáculos, compreende-se que a inclusão de terapias como a auriculoterapia pode trazer inúmeros benefícios na AB, por proporcionar a ampliação das possibilidades dessas terapêuticas, na tentativa de proporcionar melhor controle dos problemas de saúde, especialmente quando os tratamentos convencionais se tornam limitados.3
Diante do exposto e frente ao incentivo da PNPIC na implantação das práticas, prioritariamente na AB, o presente estudo mostra-se relevante por apresentar um relato de experiência que retrata a inserção da auriculoterapia na Estratégia de Saúde da Família (ESF), permitindo que o conhecimento e as competências adquiridas por todos os envolvidos durante esta experiência sejam difundidos no campo científico, preenchendo lacunas existentes nesta área de pesquisa, assim como para profissionais que atuam na AB e os gestores.
Frente a isso, o estudo teve como objetivo relatar a experiência da inserção da auriculoterapia em uma unidade de Saúde da Família de um município do Sul de Minas Gerais.
MÉTODO
Trata-se de um relato de experiência, de natureza descritiva, sobre a inserção da auriculoterapia em uma ESF de um município do sul de Minas Gerais, no período de setembro de 2019 a março de 2020.
A vivência foi em uma das 18 ESF situada na região periférica de um município do Sul de Minas Gerais. Esse município tem população estimada 80.973 pessoas.15 De acordo com o Sistema Viver/e-SUS,16 essa ESF possui 776 famílias cadastradas com uma população adscrita de 2.156 pessoas, distribuídas em seis microáreas, em que, 443 são idosos, 159 são adolescentes e 55 são crianças menores de cinco anos de idade.
A equipe que atua nesta ESF é constituída por uma enfermeira, uma médica, uma técnica de enfermagem, seis Agentes Comunitários de Saúde (ACS), um recepcionista, um dentista, uma auxiliar de saúde bucal e um auxiliar de limpeza. Desde o ano de 2015, esta unidade recebe os residentes do Programa de Residência Multiprofissional de Saúde da Família, vinculado a referida universidade.
Para implementação da auriculoterapia na referida ESF, a médica da unidade, que possui formação em terapia auricular pela Universidade Federal de Santa Catarina e formação complementar em Curso de Microssistemas - Medicina Tradicional Chinesa pela Prefeitura Municipal de Campinas- São Paulo, bem como, uma extensa experiência em auriculoterapia, propôs para a enfermeira responsável deste serviço a implantação desta terapia. A ideia foi aceita pela enfermeira e demais membros da equipe, que se colocaram à disposição para implantar e desenvolver a atividade.
O estudo seguiu os preceitos éticos em conformidade a Resolução nº 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde, na descrição da vivência, preservando dados dos participantes, mas não sendo necessário a apreciação no Comitê de Ética e Pesquisa.17
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Para a implantação e aplicabilidade desta PIC no serviço, foi necessário realizar as seguintes etapas: Determinação dos profissionais que realizariam a auriculoterapia na unidade de saúde; Capacitação dos envolvidos/profissionais para aplicação da auriculoterapia; Padronização do atendimento; Determinação na agenda dos dias e dos horários em que a terapia seria ofertada, bem como o número de vagas disponibilizadas para atendimento programado; Divulgação da auriculoterapia para a população adscrita e Disponibilização e realização dos atendimentos para os usuários da área adscrita. Os quais são descritos a seguir.
Determinação dos profissionais que realizariam a auriculoterapia na unidade de saúde
Os profissionais que participaram da capacitação para realização da terapia auricular na referida ESF foram: a enfermeira, a técnica de enfermagem, o recepcionista da unidade (Biólogo e graduando em farmácia) e a enfermeira da Residência Multiprofissional em Saúde da Família.
Destaca-se que um dos participantes da experiência não possui curso de nível superior e outro não possui formação na área da saúde no atual momento. No entanto, a inclusão dos mesmos não contradiz os preceitos éticos que norteiam o exercício da terapia auricular, visto que, nenhuma categoria profissional detém posse desta prática, de forma que todo profissional que possui capacitação técnica para tal, podem exercê-la.13
Capacitação dos envolvidos/profissionais para aplicação da auriculoterapia
A capacitação dos profissionais foi mediada pela médica todas as quintas-feiras, no período da tarde, a partir de setembro de 2019 até janeiro de 2020, sendo utilizado dois meses para capacitação teórica e dois meses para o treinamento da técnica. Os atendimentos de rotina da unidade, que aconteciam na quinta à tarde, foram redirecionados para os demais períodos, para que não houvesse prejuízos nos atendimentos.
Para embasamento teórico e prático foi utilizado o curso de Formação em auriculoterapia para profissionais de saúde da AB. Trata-se de uma iniciativa do Ministério da Saúde realizada pela Universidade Federal de Santa Catarina, no formato de ensino à distância, com um encontro presencial em polos previamente definidos, cujo objetivo é capacitar o profissional para o início da prática em auriculoterapia.
O curso é composto por cinco módulos, divididos da seguinte forma:
- Módulo I: Introdução à formação em auriculoterapia.14
- Módulo II: A auriculoterapia segundo a reflexologia.18
- Módulo III: Auriculoterapia segundo a Medicina Tradicional Chinesa.19
- Módulo IV: Auriculoterapia segundo a Biomedicina.20
- Módulo V: Uso da auriculoterapia na Atenção Básica.21
Cada módulo foi disponibilizado previamente por meio eletrônico e após estudo do material pelos profissionais participantes, foram realizados os encontros em data e horário fixados destinados para a capacitação. Nesses encontros, foram apresentados, utilizando notebooks, os vídeos correspondentes ao módulo estudado e discutidos pontos relevantes, bem como esclarecimento de dúvidas.
Após leitura e discussão desses cinco módulos do curso foi iniciado o treinamento prático de todos os profissionais envolvidos nesta atividade, com duração de dois meses.
Nessa etapa, sob a supervisão da médica, cada profissional do treinamento realizou a aplicação da auriculoterapia, um no outro, a fim de desenvolver habilidade técnica. Posteriormente, foi ofertado esta terapia aos outros membros da equipe da ESF que não estavam envolvidos na capacitação e, por último, a terapia foi disponibilizada aos pacientes adscritos nesta unidade, também com acompanhamento da mediadora. Essa parte da capacitação se estendeu até que todos os profissionais capacitados e treinados estivessem seguros com a avaliação das necessidades do usuário e com a técnica de aplicação da auriculoterapia.
Para padronização do atendimento, todos os profissionais utilizaram a avaliação sequenciada que incluiu o levantamento e a intensidade das queixas, a avaliação do pavilhão auricular e a identificação dos pontos sensíveis com uso de apalpadores; aplicação de sementes de mostarda para estímulos dos pontos com o auxílio de uma pinça, uma placa e fita microporosa; um mapa auricular de pontos da vertente francesa que se baseia na reflexologia.
Por último, registravam o atendimento no prontuário do paciente por meio do método Subjetivo, Objetivo, Avaliação, Plano (SOAP), que se trata de um método eficiente e dinâmico para o registro de consultas e recuperação rápida das informações clínicas da pessoa assistida, garantindo continuidade articulada de cuidados em equipe dentro da AB. Outros métodos de registros foram até pensados pela equipe, como por exemplo, nas figuras de orelhas impressas, porém, no sentido de viabilizar o tempo do atendimento e também facilitar o acompanhamento do paciente, foi priorizado, no momento, o registro apenas em prontuário.
Determinação na agenda dos dias e dos horários em que a terapia seria ofertada, bem como o número de vagas disponibilizadas para atendimento programado
Passados os quatros meses de capacitação teórica e do treinamento prático, com todos os envolvidos aptos a iniciarem aos atendimentos, individualmente e sem supervisão, foi incorporado na agenda de atendimento da ESF, os dias e os horários para realização da auriculoterapia nos usuários. Ressalta-se que a agenda foi definida prevendo o espaço para os atendimentos e a disponibilidade dos cinco profissionais capacitados, cuidando para que o atendimento por profissional fosse realizado em turnos diferentes.
Assim, foi destinado cinco vagas da terapia auricular na terça-feira à tarde pela enfermeira da unidade; na quarta-feira pela manhã pela técnica de enfermagem; na quinta-feira de manhã pela residente de enfermagem, na quinta-feira à tarde pela médica e na sexta-feira à tarde pelo recepcionista, totalizando 25 vagas na semana.
Divulgação da auriculoterapia para a população adscrita
A terapia auricular foi divulgada por meio de cartazes em sala de espera da ESF, durante os atendimentos individuais e em grupos dos usuários e com o auxílio dos ACS durante as visitas domiciliárias.
Disponibilização e realização dos atendimentos para os usuários da área adscrita
Ao iniciar os atendimentos aos usuários, foi observado que a grande maioria das pessoas daquela área de abrangência não conheciam a auriculoterapia. Muitos viam os cartazes e perguntavam do que se tratava, o qual era explicado, mesmo assim ainda existia, nesse momento inicial, uma resistência dos pacientes em se desvincular do modelo biomédico.
Nesse sentido, algumas alternativas foram adotadas pela equipe, como ofertar auriculoterapia, durante o acolhimento, ao paciente que chegava com alguma queixa e relatava para o profissional. Assim, após avaliação das suas condições de saúde, era realizado a tomada de decisão frente às condutas necessárias para cada caso e oferecido terapia auricular à pessoa depois da explicação sobre a terapia. Cabia ao paciente a decisão de receber esta terapia, ou não. Os pacientes que foram atendidos no acolhimento, quando não necessitava de intervenção médica imediata, era ofertado e aplicado a auriculoterapia e agendado consulta médica. Essa estratégia foi mantida por duas semanas.
Uma alternativa adotada pela equipe para aumentar a adesão dos pacientes à auriculoterapia, foi realizar o procedimento após a consulta médica. Dessa forma, a médica avaliava o que deveria ser tratado pelo modelo biomédico ou pela auriculoterapia ou pela associação dos dois. Nesse caso, os pacientes saíam da consulta médica e eram direcionados para a aplicação da terapia com outro membro da equipe, e ao final, agendava-se a próxima sessão para semana seguinte. O número de sessões e duração dos atendimentos foram variados devido as individualidades dos pacientes e problemas de saúde diversificados, mas em média, cada pessoa recebia cinco sessões de auriculoterapia, sendo uma por semana, com duração aproximada de 40 minutos por atendimento.
Feito isso, a intervenção de auriculoterapia começou a tomar as proporções de conhecimento e de aceitação pelos pacientes conforme o esperado pela equipe. Como vários pacientes já haviam iniciado o tratamento e retornavam para a próxima sessão de auriculoterapia, relatando melhoras significantes das suas queixas, observou-se que muitos familiares e conhecidos desses pacientes começaram a buscar pelo atendimento na unidade.
Dessa forma, as 25 vagas por semana destinadas para a realização desta terapia foram rapidamente preenchidas, gerando uma fila de espera, que à medida em que os pacientes foram tendo alta do tratamento, mais pessoas foram contempladas com a prática. Assim, ao final do período, um total de 98 pessoas foram atendidas com pelo menos uma sessão de auriculoterapia.
Durante a discussão, entre os profissionais da equipe, dos casos que receberam e estavam recebendo a auriculoterapia, foi observado que as queixas mais referidas pelos pacientes atendidos foram: cefaleia; insônia; depressão; dores osteomusculares; alcoolismo e ansiedade. E, para todos os casos tratados, os sintomas relatados pelos pacientes diminuíram ou desapareceram a partir da primeira sessão, contribuindo para o consenso que a auriculoterapia foi uma importante intervenção implantada na referida ESF, com potencial para melhorar a qualidade de vida dos usuários.
Essa percepção contribui para a reflexão e expectativa da equipe em ampliar, em um momento futuro, a aplicação da auriculoterapia em grupos específicos, como, por exemplo, de tabagismo.
Embora, a intervenção de auriculoterapia tenha se mostrado bastante exitosa no referido serviço de saúde em que foi implantada, alguns desafios foram enfrentados pela equipe. Ainda no início dos atendimentos, a enfermeira da unidade se ausentou por motivo de licença de maternidade, diminuindo a quantidade de profissionais habilitados para ofertar a terapia e o número de atendimentos.
Também, uma pequena quantidade dos pacientes desistiu da terapia após a primeira sessão não retornando para os atendimentos de auriculoterapia subsequentes.
Outro ponto negativo observado foi o fato de que a intervenção não envolveu gestores da AB do município, fato que poderia ter fortalecido a ação, uma vez que a auriculoterapia implantada naquela unidade de saúde poderia tomar proporções em nível municipal, servindo de modelo para que outras ESF pudessem também implantar esta intervenção. Ainda, o conhecimento e a valorização da terapia por parte dos gestores, poderia contribuir com a disponibilização dos recursos materiais utilizados nos atendimentos, pois materiais como placas, sementes, fitas microporadas, pinças e apalpadores foram custeados pelos próprios profissionais executores.
No entanto, as experiências positivas vivenciadas neste processo de implantação e de desenvolvimento da terapia tornaram a equipe ainda mais fortalecida com o propósito de continuar ofertando aos usuários a intervenção de auriculoterapia.
Nota-se que, para que uma intervenção dessa importância atinja seus objetivos e tenha êxito no serviço, são necessários a motivação profissional e o trabalho em equipe. O que foi observado desde o início de todo este processo, foi uma equipe interessada e integrada, o que condiz com uma realidade considerada essencial para um desfecho satisfatório com o desenvolvimento desta terapia.
Do ponto de vista individual, a vivência desta experiência contribuiu para vislumbrar a replicação desta terapia em outros ambientes de trabalho, com a perspectiva de melhorar a qualidade de vida e condições de saúde das pessoas. Além disso, participar de toda a implantação e o desenvolvimento da intervenção, proporcionou a aquisição de conhecimentos a respeito da auriculoterapia que agrega saberes ímpares no exercício profissional de trabalhadores que atuam em Unidades Básicas de Saúde. E, por fim, sentir-se privilegiada por essa oportunidade de aprendizado enquanto discente de um Programa de Residência Multiprofissional de Saúde da Família; além de propiciar a equipe executora deste projeto a melhora em seu autocuidado e nos cuidados prestados à população adscrita da área da ESF e que poderá, futuramente, refletir no trabalho em equipe.
A adesão de profissionais de saúde às propostas intervencionistas nas ESF, constitui um desafio da AB, pois esse ambiente de trabalho exige habilidade relacional, comprometimento e humanização de suas práticas. Neste sentido, uma realidade considerada fundamental para o desfecho satisfatório de uma determinada ação, é o comprometimento e a motivação dos profissionais no desenvolvimento de suas atividades, principalmente para aquelas inovadoras para o processo saúde-doença.22 Como visto, o interesse e a motivação de todos os profissionais da equipe envolvidos neste processo, mostrou-se uma característica positiva para o êxito da implantação e do desenvolvimento da auriculoterapia na ESF.
É importante ressaltar que na ESF, toda ação em saúde deve ser realizada em conjunto. Para que esse trabalho em equipe ocorra com colaboração mútua, é necessário um diálogo efetivo e a integração entre os profissionais que atuam nestes serviços, canalizando-os para melhorar a qualidade do trabalho desenvolvido. Frente a isso, as reuniões de equipe são importantes estratégias para estreitamento das relações e para discussão das ações executadas no serviço de saúde.23-24 Um ponto que merece ser mencionado é que durante o processo de implantação e desenvolvimento desta terapia na referida ESF, foram realizadas reuniões com a equipe com o intuito de formação e de capacitação dos profissionais, assim como discussão do processo de execução da auriculoterapia.
Cabe destacar que, em uma ESF, além de motivada, a equipe precisa estar bastante alinhada e preparada teoricamente e tecnicamente para uma melhor qualidade do serviço prestado. É importante capacitar e instrumentalizar os profissionais de saúde com o uso de referenciais fortes e pertinentes com o objetivo de potencializar e de fortalecer os trabalhadores, tornando-os atores ativos das novas práticas de assistência adotadas no serviço.25
Neste sentido, ao se pensar no processo de implantação da auriculoterapia em um serviço de saúde, é preciso qualificar a equipe, pois, além do conhecimento teórico, é primordial a aquisição de competência técnica para aplicação da terapia, uma vez que essa terapêutica exige o manuseio apropriado de instrumentos e de materiais como pinças e sementes para o estímulo em pontos específicos da orelha.5,14
Vale ressaltar que a escolha do Curso de formação em auriculoterapia para profissionais de saúde da AB, utilizado para mediar a capacitação dos participantes deste relato de experiência, foi uma importante ferramenta para fornecer subsídios aos profissionais de saúde quanto à Introdução à formação em auriculoterapia e seus conceitos de reflexologia, da Medicina Tradicional Chinesa, da auriculoterapia segundo a Biomedicina, bem como uso da auriculoterapia na AB, revelando ser um eficiente guia para implantação da acupuntura auricular na prática clínica.14,18-21
Igualmente importante, é o levantamento dos dados que busca conhecer a história clínica do paciente, que muitas vezes é similar, quando se trata das pessoas atendidas nas ESF. Este fato ocorre devido uma alta incidência de pessoas com doenças crônicas atendidas neste ambiente. Estas são submetidas a vários tratamentos e, às vezes, precisam conviver com efeitos colaterais desconfortáveis.26
Por esse motivo, a auriculoterapia tem sido uma alternativa no tratamento de diversos problemas de saúde comumente encontrados na AB, como dores em geral, depressão, ansiedade, fatores ligados a obesidade, tabagismo, entre outros, por ser uma terapia que pode ser utilizada coadjuvante a tratamentos convencionais.27
Quanto aos benefícios das PICS neste nível de assistência, destaca-se a auriculoterapia por ser uma prática reconhecidamente capaz de promover analgesia e relaxamento na pessoa, bem como restaurar funções orgânicas e reforçar o sistema imunológico.1 Tais benefícios foram evidenciados na literatura, em que estudos testam o efeito da auriculoterapia sobre diferentes problemas de saúde, revelando resultados favoráveis e promissores.7-9,11,27
Além disso, a terapia auricular possui vantagens quanto ao custo-benefício, facilidade de aplicação, poucos efeitos colaterais e menor desconforto a pessoa, principalmente quando aplicada com sementes. Ainda, pode ser realizada por profissionais da área da saúde de diferentes formações, desde que habilitados para tal.6,10
Mesmo existindo vários benefícios da auriculoterapia na saúde da pessoa, como mencionado anteriormente, o conhecimento sobre a auriculoterapia da população que foi assistida no processo de implantação e desenvolvimento desta prática na ESF, em geral, ainda é incipiente. No entanto, a partir da divulgação do procedimento, com uso de recursos como cartazes e orientações, foi possível despertar o interesse da população, estimulando-os a experimentar a terapia. Nesse sentido, os meios de divulgação como cartazes, panfletos e outros materiais informativos, têm sido amplamente utilizados nos serviços de saúde e incentivados pelo próprio Ministério da Saúde (MS), por possuir a perspectiva de influenciar no modo de pensar e de agir das pessoas em relação a determinado assunto.28
Além destes recursos didáticos utilizados na divulgação das novas práticas assistenciais das ESF, é essencial envolver o ACS no processo de orientação sobre a saúde, visto que esse profissional atua como mediador entre a equipe de saúde e a comunidade, com potencial de educar as pessoas com base em saberes técnicos.29
Embora os efeitos da auriculoterapia possam ser observados nas pessoas tão logo à sua aplicação, ainda existem aquelas que esperam ter um resultado totalmente satisfatório ou ter uma grande melhora do seu quadro sintomático. Desse modo, elas podem desistir do seguimento do tratamento, não completando todas as sessões propostas. No entanto, essa adesão da população à assistência prestada pelos profissionais sempre foi um desafio. Nesta perspectiva, é importante ofertar um cuidado qualificado, com diálogo eficiente, tratamento individualizado, atendendo às necessidades de esclarecimento das pessoas com respeito às suas capacidades cognitivas e crenças culturais.1,30
Outro aspecto que pode aumentar a adesão da população nos atendimentos dos serviços de saúde, principalmente a uma assistência inovadora, como foi o caso da auriculoterapia, refere-se a importância de a coordenação da assistência estipular propostas organizacionais que ordenem o cuidado, definindo número de atendimentos ofertados com agendas e horários diversificados. Esta estratégia visa diminuir o tempo de espera, no intuito de qualificar o atendimento e melhorar a adesão da população a assistência prestada.31
Cabe destacar então que o enfermeiro, na realidade de uma ESF, é quem assume a coordenação da assistência para o alcance das metas e de um atendimento qualificado.32 Com a função de gestor do serviço, o enfermeiro realiza a organização, o planejamento, a direção e o controle dentro do serviço de saúde, com o intuito de ter um serviço com resultados satisfatórios frente as necessidades da população adscrita.33
É importante que os profissionais da saúde, dentre eles o enfermeiro, que atuam na AB possuam uma boa comunicação com os gestores municipais. Que eles sejam capazes de envolver os gestores nas novas possibilidades de assistência do serviço, como por exemplo, a inclusão das PICS. Isso implica em levar ao conhecimento dos gestores municipais e estaduais as diretrizes e os objetivos da PNPIC, visto que o desconhecimento dessas práticas por esses entes tem se mostrado um entrave na implementação destas práticas na AB, bem como no financiamento das mesmas.3
Para exemplificar este contexto, um estudo revelou que os gestores de saúde entrevistados, apresentaram conhecimento bastante superficial sobre a PICS e a PNPIC. No entanto, eles admitiram a importância dessas práticas para melhoria da forma de cuidado e reconheceram a necessidade de garantir o conhecimento por meio de uma formação específica e permanente, bem como do acesso aos materiais e recursos necessários para ofertá-las.34
Diante das evidências e reflexões apresentadas, a vivência dessa experiência, confirma as vantagens de disponibilizar a auriculoterapia na ESF, visto que a terapia contribuiu na redução dos problemas de saúde das pessoas adscritas no serviço. Isso leva a inferir que essa estratégia agrega valores à assistência prestada e potencializa a perspectiva de prevenção de agravos e da promoção e recuperação da saúde na AB.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em síntese, a inserção da auriculoterapia na referida ESF, foi uma experiência exitosa de um trabalho em equipe que tornou possível a inclusão de uma prática terapêutica eficaz e resolutiva, com potencial para melhorar a qualidade de vida e condições de saúde das pessoas. Além disso, tornou essa ESF pioneira em ofertar a auriculoterapia dentro do município.
Apoiando-se nessa evidência clínica e na literatura que apresentaram os efeitos da auriculoterapia para diversos problemas de saúde, é possível mencionar que a terapia auricular é um tratamento comprovado, aprovado e recomendado pelo MS, por trazer benefícios para o corpo e para a mente, podendo ser uma alternativa de tratamento das doenças crônicas, além de outros agravos, nos serviços de AB. Desse modo, sugere-se que todos os profissionais da saúde que atuam na AB, qualifiquem-se sobre a PNPIC, para tornar a saúde integrativa uma das fontes de promoção da qualidade de vida e bem-estar dos pacientes.
Além disso, o aprendizado adquirido com esta experiência, desperta para novas possibilidades de aprimoramento da implantação da auriculoterapia em outros serviços da AB, como por exemplo, apresentar a proposta e os resultados aos gestores municipais, iniciar previamente a divulgação, levar esta estratégia ao conhecimento de outras ESF e incorporar a terapia em grupos de educação em saúde, ampliando, assim, a oferta de cuidado nos serviços.
Por fim, cabe destacar que este estudo apresenta magnitude ao oferecer elementos que podem contribuir no avanço do conhecimento da área com a ampliação dos saberes sobre auriculoterapia e sua implantação na AB. Também, acredita-se que novas investigações sobre a auriculoterapia, com outros delineamentos de pesquisa, poderão fortalecer essa PICS e produzir novas evidências científicas aplicáveis a prática.
AGRADECIMENTOS
À médica Letícia Lara Martins, a enfermeira Simone de Castro Magalhães Furtado, a técnica de Enfermagem Taís Aparecida Augusto e ao recepcionista Wesley Antônio de Souza pelo conhecimento compartilhado na vivência da inserção da auriculoterapia na ESF.
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Recebido em: 28/02/2021
Aceito em: 22/10/2021
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Como citar: Muro ES, Andrade MBT, Bressan VR, Terra FS. Inserção da auriculoterapia por uma equipe de Estratégia de Saúde da Família: relato de experiência. J. nurs. health. 2021;11(4):e2111420746. Disponível em: https://periodicos.ufpel.edu.br/ojs2/index.php/enfermagem/article/view/20746