ARTIGO ORIGINAL

Psicotr�picos: uso por estudantes universit�rios antes e durante a pandemia de doen�a por coronav�rus 2019

Psychotropics: use by college students before and during the coronavirus disease 2019 pandemic

Psicotr�picos: uso por estudiantes universitarios antes y durante la pandemia de enfermedad del coronavirus 2019

Kantorski, Luciane Prado;[1] Brum, Aline Neutzling;[2] Menezes, Etiene Silveira de;[3] Silva, Priscilla dos Santos da;[4] Santos, C�tia Gentile dos;[5] Almeida, Mariana Dias de;[6] Ramos, Camila Irigonh�;[7] Manrique, Claudia Morosi[8]

RESUMO

Objetivo: descrever a utiliza��o de psicotr�picos por estudantes universit�rios antes e durante a pandemia de doen�a por coronav�rus 2019. M�todos: estudo transversal com 464 estudantes que frequentaram uma disciplina ofertada durante a pandemia. Utilizou-se um question�rio via Google Forms com quest�es autoaplic�veis. As informa��es coletadas foram transferidas para o Microsoft Excel 2007 e analisadas no software Statistical Package for the Social Sciences 25.0. Resultado: 37,3% referiram fazer uso de psicotr�picos antes ou durante a pandemia. Destes, mais de 80,0% relataram fazer uso antes e 17,5% iniciaram ap�s o in�cio da pandemia, sendo a maioria do sexo feminino, solteiras e cursando o primeiro ou o �ltimo semestre da gradua��o. Os antidepressivos foram os mais utilizados pelos participantes (64,0%). Conclus�es: a preval�ncia do uso de psicotr�picos entre estudantes pode ter se acentuado na pandemia. O desenvolvimento de programas e pol�ticas voltadas � promo��o e cuidado � sa�de mental dos universit�rios � necess�rio.

Descritores: Psicotr�picos; Estudantes; COVID-19; Sa�de mental; Preval�ncia

ABSTRACT

Objective: to describe the use of psychotropic drugs by university students before and during the 2019 coronavirus disease pandemic. Method: cross-sectional study with 464 students who attended a course offered during the pandemic. A questionnaire was used via Google Forms with self-administered questions. The collected information was transferred to the Microsoft Excel 2007 and analyzed in the Statistical Package for the Social Sciences 25.0 software. Result: 37.3% reported using psychotropic drugs before or during the pandemic. Of these, more than 80.0% reported using it before and 17.5% started after the beginning of the pandemic, the majority being female, single, and attending the first or last semester of graduation. Antidepressants were the most used by participants (64.0%). Conclusions: the prevalence of psychotropic use among students may have increased during the pandemic. The development of programs and policies aimed at promoting and caring for the mental health of university students is necessary.

Descriptors: Psychotropic drugs; Students; COVID-19; Mental health; Prevalence

RESUMEN

Objetivo: describir el uso de psicof�rmacos por parte de estudiantes universitarios antes y durante la pandemia de la enfermedad por coronavirus 2019. M�todo: estudio transversal con 464 estudiantes que asistieron un curso ofrecido durante la pandemia. Se utiliz� un cuestionario en Google Forms con preguntas autoadministradas. La informaci�n recolectada fue transferida al Microsoft Excel 2007 y analizada en el software Statistical Package for the Social Sciences 25.0. Resultado: el 37,3% inform� usar psicof�rmacos antes o durante la pandemia. De estos, m�s del 80,0% reportaron usarlo antes y el 17,5% iniciaron despu�s, siendo la mayor�a mujeres, solteras y cursando el primer o �ltimo semestre de graduaci�n. Los antidepresivos fueron los m�s utilizados por los participantes (64,0%). Conclusiones: la prevalencia del consumo de psicotr�picos entre estudiantes puede haber aumentado durante la pandemia. Es necesario el desarrollo de programas y pol�ticas dirigidas a promover y cuidar la salud mental de estudiantes universitarios.

Descriptores: Psicotr�picos; Estudiantes; COVID-19; Salud mental; Prevalencia

INTRODU��O

O ambiente acad�mico apresenta novas demandas e responsabilidades aos estudantes, exigindo dedica��o, horas de estudo, produtividade, evolu��o do curso e a necessidade de conciliar, em alguns casos, a faculdade com o trabalho, amigos, fam�lia e tempos de lazer.1

No primeiro semestre de 2020, com o in�cio da pandemia de Coronavirus Disease 2019 (COVID-19), as escolas e universidades vivenciaram dificuldades e incertezas frente ao novo per�odo letivo e as novas ferramentas de trabalho, como o ensino remoto, utilizado durante os �ltimos dois anos.2

Al�m disso, pesquisa3 feita neste per�odo pand�mico apresentaram o aumento de impactos negativos na sa�de mental da popula��o mundial, como um estudo populacional realizado na China, no in�cio de 2020, que constatou que 53,8% dos entrevistados referiram impacto psicol�gico moderado ou grave mediante a pandemia; 16,5% relataram sintomas depressivos moderados a graves; 28,8% relataram sintomas de ansiedade moderados a graves; e 8,1% relataram n�veis de estresse moderado a grave.4

No contexto brasileiro, um estudo populacional produzido durante a pandemia constatou que 40,4% dos participantes se sentiram frequentemente tristes ou deprimidos, e 52,6% frequentemente ansiosos ou nervosos.4 Tristeza, nervosismo frequentes e altera��es do sono estiveram mais presentes entre adultos jovens (18-29 anos), mulheres e pessoas com antecedente de depress�o.4

Com o fechamento das escolas e universidades, os estudantes passaram a realizar suas atividades de aprendizagem atrav�s da utiliza��o dos meios digitais. Um estudo apontou que as dificuldades geradas pelo ensino a dist�ncia foi um agente estressor na popula��o universit�ria que experienciaram um aumento nas taxas de ansiedade e depress�o.5

Somado a isso, estudos realizados com universit�rios evidenciaram a utiliza��o de psicotr�picos, iniciados ap�s o ingresso na universidade ou que j� faziam uso.1,6 Ainda, pesquisa desenvolvida em 2020 em Portugal com 1.067 estudantes de ensino superior identificou em seus resultados que um ter�o (36,6%) destes tomava medica��o em virtude de seus estudos.6 Uma das principais finalidades da ingest�o dos psicof�rmacos era o al�vio de sintomas de ansiedade, problemas de desempenho cognitivo, problemas para dormir e sintomas depressivos.2

Do mesmo modo, um estudo realizado no Brasil em 2021 com universit�rios apresentou em seus resultados que 36,7% destes j� utilizavam psicotr�picos, e 14,7% passaram a usar no �ltimo m�s, sendo os ansiol�ticos, antidepressivos e psicoestimulantes os medicamentos mais utilizados.1 Os principais motivos para um maior uso destes psicof�rmacos eram situa��es de estresse, perda familiar ou submiss�o a cirurgia pelos estudantes.

Diante do exposto, este estudo objetivou descrever a utiliza��o de psicotr�picos por estudantes universit�rios antes e durante a pandemia de doen�a por coronav�rus 2019.

MATERIAIS E M�TODO

Trata-se de um estudo transversal realizado entre agosto e setembro de 2020, com 464 estudantes universit�rios que frequentaram a disciplina optativa de Sa�de mental em emerg�ncias humanit�rias ofertada no modelo de ensino remoto, pelo Departamento de Enfermagem da Universidade Federal de Pelotas, durante a pandemia de COVID-19.

Para participar da pesquisa todos os 536 estudantes que frequentaram a disciplina at� o final foram recrutados via e-mail, e receberem o consentimento livre e esclarecido eletr�nico, via formul�rio Google Forms e manifestaram o interesse em participar da pesquisa atrav�s do preenchimento deste. Em seguida, os estudantes receberam o question�rio eletr�nico da pesquisa, tamb�m por e-mail. Responderam ao question�rio 464 estudantes, configurando uma taxa de resposta de 86,0%. O crit�rio de exclus�o foi a desist�ncia ou trancamento da disciplina, dessa forma n�o houve sele��o amostral e sim o crit�rio de censo foi aplicado na sele��o dos participantes da pesquisa, em que se observou perda de uma parcela da popula��o selecionada.

O question�rio foi disponibilizado no ambiente virtual de ensino da Universidade, via Google Forms, sendo composto por 223 quest�es autoaplic�veis, divididas em quest�es para caracteriza��o sociodemogr�ficas, quest�es para descri��o das rela��es dos participantes com a pandemia da COVID-19, quest�es sobre o ensino online, sobre as condi��es de sa�de e uso de medica��es. Os dados foram coletados durante o per�odo de entre 4 de agosto a 12 de setembro de 2020.

As informa��es foram coletadas via backup dos question�rios, junto ao software Microsoft Excel 2007, e posteriormente foram exportadas para o software estat�stico Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) 25.0 onde foram analisadas.

Sobre os medicamentos psicotr�picos usados, estes foram categorizados conforme a classifica��o anat�mica, terap�utica e qu�mica �Anatomical Therapeutic Chemical Classification System� (ATC) da Organiza��o Mundial da Sa�de.7 O sistema ATC organiza os medicamentos em diferentes grupos de acordo com seus s�tios de a��o e suas caracter�sticas terap�uticas e qu�micas, sendo cinco n�veis diferentes. Os medicamentos s�o divididos em 14 grupos anat�micos principais (n�vel 1), os quais abrigam dois subgrupos terap�utico/farmacol�gicos (n�veis 2 e 3); o n�vel 4, subgrupo terap�utico/farmacol�gico/qu�mico; e o n�vel 5, a subst�ncia qu�mica propriamente dita.7-8 Sendo assim, nos question�rios respondidos foram identificadas a presen�a de psicotr�picos conforme a subst�ncia e classe terap�utica/farmacol�gica.

No question�rio existiam ainda quest�es referentes as caracter�sticas sociodemogr�ficas, estado de sa�de f�sica e mental e situa��es di�rias vivenciadas junto a pandemia. O question�rio de car�ter estruturado foi composto por quest�es quantitativas e qualitativas. As vari�veis categ�ricas que descreveram o uso psicotr�picos antes e depois da pandemia e o tipo de restri��o de contato realizado adotada pelos participantes da pesquisa, foram analisadas de forma espec�fica no estudo.

As an�lises estat�sticas foram realizadas atrav�s da an�lise descritiva foi realizada com objetivo de apresentar as frequ�ncias e preval�ncias dos dados coletados na respectiva popula��o de estudo. Em seguida, an�lise bin�ria com o teste qui-quadrado, verificando-se poss�veis associa��es entre as vari�veis categ�ricas, considerando-se p<0,05 para signific�ncia estat�stica em todos os casos.

A pesquisa recebeu aprova��o do Comit� de �tica em Pesquisa da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Pelotas atrav�s do Parecer 4.186.982.

RESULTADOS

Participaram deste estudo 464 estudantes, destes, 71,0% eram do sexo feminino, 88,2% solteiras, 76,5% autodeclaradas brancas, com m�dia de idade de 23,4 (�5,7) anos e renda familiar m�dia de R$4.917,68 (�R$5.140,28). A �rea de ci�ncias da sa�de foi a mais prevalente, representando 67,0% da amostra.

Com rela��o ao uso de psicotr�picos, 37,3% (n=173) da popula��o entrevistada declarou fazer uso em algum momento durante sua vida. Dentre a popula��o que fazia uso de psicotr�picos, 45,0% (n=78) responderam � quest�o sobre o uso da medica��o acontecer desde antes ou ap�s ingresso na universidade. Desses, 26,9% (n=21) fizeram uso da medica��o antes do ingresso na universidade e 73,1% (n=57) relataram o uso dessa medica��o ap�s seu ingresso na universidade.

Do total de participantes que respondeu � quest�o sobre o uso de psicotr�picos durante a pandemia, 82,5% (n=66) relatou fazer uso de psicotr�picos antes da pandemia e 17,5% (n=14) iniciou o uso de psicotr�picos ap�s o in�cio da pandemia.

A categoria de usu�rios mais frequente segundo o sexo biol�gico, foi o de mulheres, considerando o total de usu�rios (73,3%, n=132), ou aqueles que faziam uso antes (81,8%, n=54) ou a partir (78,6%, n=11) da pandemia. Usu�rios que se autodeclararam de cor branca foram os mais frequentes quando observados o total (77,5%, n=134) de usu�rios e os grupos dos que faziam uso de psicotr�picos antes (77,3%, n=51) ou ap�s o in�cio da pandemia (78,6%, n=11). Do total dos usu�rios de psicof�rmacos a maioria eram solteiros (84,4%, n=146), o que se manteve dentre os que declaram fazer uso de psicotr�picos antes da pandemia (86,4%, n=57) e entre os usu�rios que fizeram uso desta medica��o ap�s o in�cio da pandemia (92,9%, n =13).

A m�dia de idade dos usu�rios de psicotr�picos era de 24 (�7,6) anos e a renda obtida pelos mesmos de 4.671,76 (� 6.396,66) reais, sendo que 3,1 (�1,28) pessoas dependiam desta renda. A idade m�dia dos usu�rios que faziam uso de psicotr�picos antes da pandemia era de 23,8 (�5,39) anos, o que difere estatisticamente (p<0,05) da m�dia de idade do grupo de usu�rios que come�aram a utilizar psicotr�picos ap�s o in�cio da pandemia que foi de 28,7 (�20,83) anos. A m�dia de renda obtida pelos usu�rios do grupo que fazia uso de psicotr�picos antes (R$4.724,04 � R$5.194,16 e 3,1 �1,37 pessoas dependiam da renda) diferiu significativamente (p<0,05) do grupo de usu�rios que fazia uso de psicotr�picos ap�s o in�cio da pandemia (R$9.610,64 �R$11.576,03 e 3,5 �0,96 pessoas dependiam da renda) a pandemia.

Em rela��o �s �reas do conhecimento (cursos de gradua��o) nas quais os usu�rios estavam inseridos, se observou que a �rea de ci�ncias da sa�de seguida da �rea de ci�ncias humanas s�o as mais frequentes na popula��o total (61,8%, n=107; 15,6%, n=27) de usu�rios, e dentre os grupos de usu�rios que fazia uso de psicotr�picos antes (65,2%, n=43; 16,7%, n=11) ou depois do in�cio da pandemia (64,3%, n=9; 21,4%, n=3). Sobre o semestre cursado, do total de usu�rios de psicotr�picos 17,9% (n=31) encontravam-se no quinto semestre, 17,3% (n=30) no primeiro semestre e 14,5% (n=25) no s�timo semestre. Do grupo de usu�rios de psicotr�picos desde antes da pandemia 22,7% (n=15) estavam no s�timo semestre, 18,6% (n=12) no quinto semestre e 16,7% (n=11) no primeiro e no terceiro semestre. Dentre os usu�rios que iniciaram o uso de psicotr�picos durante a pandemia 28,6% (n=4) encontrava-se no quinto semestre, 21,4% (n=3) no sexto semestre e 14,3% (n=12) no primeiro ou o s�timo semestre.

Os dados referentes a intensidade da restri��o de contato social durante a pandemia pelos usu�rios de psicotr�picos permitiram observar que no grupo de usu�rios que fazia uso de psicotr�picos desde antes da pandemia a maioria 56,1% (n=37), permaneceu em casa saindo somente para compras em supermercados ou farm�cias. J� no grupo de usu�rios que come�ou o uso de psicotr�picos ap�s o in�cio da pandemia 50% (n=7) procurou tomar cuidado, ficar a dist�ncia das pessoas e reduzir um pouco o contato, e 35,7% (n=5) permaneceu em casa saindo somente para compras em supermercados ou farm�cias. Houve associa��o estat�stica (p<0,05) entre os dois grupos e os tipos de restri��o de contato que foram realizados (Tabela 1).

Tabela 1. Usu�rios de psicotr�picos antes e depois da pandemia e tipo de restri��o de contato realizado, Pelotas-RS, 2020 (n=80)

 

Uso de psicotr�picos antes da pandemia

Uso de psicotr�picos ap�s o in�cio da pandemia

p- valor*

 

n

%

n

%

 

Parou de ir �s aulas, seguiu normalmente com outras atividades

01

1,5

00

0,0

0,023

Procurou tomar cuidados, manter dist�ncia das pessoas e reduzir um pouco o contato

24

36,4

07

50,0

<0,001

Ficou em casa, saindo somente para compras em supermercado ou farm�cia

37

56,1

05

35,7

0,001

Ficou rigorosamente em casa

04

6,1

02

14,3

0,001

Total

66

100,0

14

100,0

 

* Teste qui-quadrado.

Fonte: dados da pesquisa, 2020.

Do total de entrevistados que faziam uso de psicotr�picos (n=173), a minoria referiu utilizar a medica��o por conta pr�pria ou por indica��o de amigos (1,15%, n=2), enquanto 19,0% (n=33) recebeu prescri��o de um m�dico vinculado a um servi�o p�blico especializado, 68,2% (n=118) recebeu a prescri��o de um m�dico particular. Sobre o n�mero de psicotr�picos utilizados, apenas 54,9% (n=95) das pessoas entrevistadas responderam � quest�o, desses: 95,0% (n=75) relataram usar pelo menos uma medica��o, 40% (n=7) 2 medica��es, 8,9% (n=7) utilizava concomitantemente tr�s medica��es e 2,5% (n=2) quatro medica��es simult�neas. De acordo com a Figura 1 as classes de medicamentos mais utilizados foram os antidepressivos.

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Figura 1: Percentual de psicotr�picos de acordo com a classe segundo o Anatomical Therapeutic Chemical Classification System (ATC) da Organiza��o Mundial da Sa�de. Pelotas-RS, 2020 (n=80).

Fonte: dados da pesquisa, 2020.

DISCUSS�O

A transi��o para vida adulta, as mudan�as pessoais/sociais (mudar de cidade, distanciar-se fisicamente da rede de apoio, condi��es financeiras) e as pr�prias exig�ncias das institui��es de ensino est�o cada vez mais associadas ao aumento do adoecimento ps�quico nos grupos universit�rios, predispondo-os a utiliza��o de psicof�rmacos.9-10

A preval�ncia de uso de psicof�rmacos entre os universit�rios em nosso estudo foi de 37,3%, sendo que 82,5% j� utilizavam antes da pandemia e 17,5% iniciaram seu uso ap�s a pandemia. Um estudo realizado no Brasil em 2022, corrobora com os dados encontrados em nossa pesquisa, indicando em seus resultados um aumento de 25% no uso de psicotr�picos (ansiol�ticos benzodiazep�nicos) entre universit�rios durante a pandemia de COVID-19.11

Contudo, em outra pesquisa realizada no Brasil em 2021, os autores apresentaram que de sua amostra de 99 universit�rios, apenas 10% faziam uso de psicof�rmacos, indicando uma preval�ncia menor do que a encontrada em nosso estudo. Apesar disso, foi poss�vel observar que uma quantidade significativa destes participantes que n�o utilizavam medica��o apresentava sintomas de ansiedade (47,2%, n=42) e de depress�o (33,7%, n=30), podendo indicar que estes indiv�duos realizavam outras formas de tratamento ou a falta de tratamento.12

Da mesma forma, estudo transversal realizado em uma institui��o de ensino superior apresentou resultados menores ao desta pesquisa, indicando que a preval�ncia do uso de psicof�rmacos, anterior � pandemia de COVID-19, entre os estudantes foi de 24,7%, sendo utilizados para fins de relaxamento ou al�vio do estresse frente ao contexto universit�rio.13

Neste sentido, apesar destes estudos apresentarem menores �ndices de uso de psicotr�picos entre os alunos de ensino superior, a literatura apresenta indicativos que de que o ambiente acad�mico � um dos motivos que contribuem para o uso cont�nuo destes medicamentos. Em pesquisa realizada apenas com estudantes do curso de farm�cia, 77,7% dos universit�rios tamb�m relataram iniciar o uso de psicof�rmacos ap�s ingresso na universidade e que depois do in�cio da pandemia, 43,7% desses universit�rios tiveram suas doses ajustadas.14

J� era esperado que a pandemia da COVID-19 resultasse no agravamento da sa�de, visto que crises e desastres inesperados em sa�de p�blica tendem a impactar diretamente a sa�de mental das popula��es.15 Na China, uma pesquisa realizada para avaliar os problemas psicol�gicos associados �s medidas restritivas para controle da pandemia evidenciaram que os jovens com idade entre 20 e 40 anos estariam em posi��o mais vulner�vel, ou seja, poderiam desencadear fatores de adoecimento mais facilmente.16

Em outra pesquisa realizada com universit�rios de 21 pa�ses foi constatado que a sa�de mental de 56% dos participantes foi prejudicada durante o per�odo pand�mico da COVID-19, sendo o Brasil o primeiro do ranking entre os pa�ses, com 76,0% dos universit�rios afirmando piora de sua sa�de mental.17 Tal fato propicia maior consumo de psicof�rmacos, o que � evidenciado pelo aumento no n�mero de vendas de medicamentos dessa classe. S� no Brasil a venda de medicamentos como antidepressivos e estabilizadores de humor aumentou 13,8% durante o ano de 2020, em n�meros reais isso significa que a venda de unidades passou de 56,3 milh�es em 2019 para 64,1 milh�es em 2020. Tamb�m houve aumento de 12,8% em medicamentos anticonvulsivantes, incluindo antiepil�pticos, passando de 46,2 milh�es em 2019 para 52,1 milh�es de vendas de unidades em 2020.18

Em rela��o � categoria que mais utiliza medicamentos psicofarmacol�gicos destacam-se as universit�rias mulheres (71,6%) e solteiras (82,6%),19 corroborando com os achados do presente estudo, e em outras pesquisas realizadas com estudantes de ensino superior e o uso cont�nuo de psicof�rmacos.13-14,20 Vale destacar que hoje as mulheres correspondem a 55,5% das matr�culas nas universidades.21

Com rela��o ao semestre cursado pelos universit�rios que utilizavam psicof�rmacos, evidencia-se maior uso entre aqueles que cursam os semestres finais seguido dos matriculados no primeiro semestre, isso demonstra que embora exitoso o progresso acad�mico, com ele h� o aumento de estressores como cansa�o, inseguran�a, d�vidas, tristeza, que propiciam o adoecimento e a necessidade do uso de medica��o. Por outro lado, a significativa preval�ncia do uso de psicof�rmacos por universit�rios do primeiro semestre refor�a as dificuldades dos jovens acad�micos no enfrentamento das exig�ncias interpessoais e institucionais oriundas da transi��o para vida adulta.20,22

Quanto ao tipo de psicotr�picos utilizados, os mais citados pertenciam � classe dos antidepressivos (64,0%), o que vai ao encontro de outros estudos que identificaram maior preval�ncia de uso de medicamentos para depress�o e/ou ansiedade, al�m de antipsic�ticos, hipn�ticos, estabilizadores de humor.23-24

Quanto a forma de obten��o dos psicof�rmacos entre os participantes do presente estudo, a maioria foi por prescri��o m�dica, o que vai ao encontro de outras pesquisas.1,22

Dentre outras formas de obten��o citadas nestas pesquisas est� atrav�s de amigos ou familiares, de forma ilegal, sem prescri��o. Um estudo realizado no Brasil em 2021, apresentou em seus resultados que grande parte dos universit�rios relatou ter modificado a dosagem da medica��o prescrita sem consultar o profissional adequado, bem como, indicaram ter interrompido o tratamento sem o devido consentimento do m�dico respons�vel.19 Da mesma forma, outra pesquisa indicou que 8% daqueles participantes que faziam uso de psicof�rmacos faziam automedica��o.11

As medidas de conten��o ao avan�o da contamina��o pela S�ndrome Respirat�ria Aguda Grave por Coronav�rus tipo 2 (SARS-CoV-2), embora necess�rias � sobreviv�ncia humana, trouxeram uma eclos�o de sentimentos e instabilidade emocional, associados ao medo da contamina��o na popula��o e a mudan�a dr�stica do cotidiano das pessoas.

Pode-se associar a restri��o social imposta pela pandemia ao aumento de 6emo��es negativas e o surgimento e/ou exacerba��o de sintomas ansiosos e depressivos. Uma pesquisa realizada com estudantes universit�rios para analisar os n�veis de depress�o, ansiedade e estresse comparando dois momentos diferentes: anterior a pandemia (2018 e 2019) e o per�odo pand�mico em Portugal, constatou um aumento significativo destas altera��es emocionais sugerindo que as medidas de confinamento podem ter contribu�do para o aumento desta pontua��o.25 O aumento de sintomas de humor e ansiedade na popula��o universit�ria durante a pandemia pode contribuir para a compreens�o da associa��o entre o distanciamento social e o uso de psicof�rmacos verificados no presente estudo.

Os resultados desta pesquisa revelam a import�ncia de atentar para a preval�ncia do uso de psicotr�picos entre universit�rios, fato que pode ter se acentuado durante a pandemia de COVID-19.

Ademais, o estudo fornece embasamento para o desenvolvimento de programas de acompanhamento e pol�ticas universit�rias voltadas a promo��o e cuidado a sa�de mental dos universit�rios. Al�m disso, h� a necessidade de continuar investigando os impactos da pandemia na vida dessas pessoas, assim como o acompanhamento da sa�de dos estudantes desde o seu ingresso na universidade.

O presente estudo possui como limita��o ser um estudo transversal que analisou o que estava acontecendo no per�odo da coleta de dados, sendo desta forma necess�rio manter o acompanhamento dos estudantes para aprofundar os estudos sobre a tem�tica, as motiva��es, os padr�es de uso e rela��es do uso de psicotr�picos com a vida universit�ria.

CONCLUS�ES

A maioria dos universit�rios participantes da pesquisa j� utilizavam psicotr�picos antes da pandemia, no entanto este uso iniciou concomitantemente com o ingresso nos cursos de gradua��o. Os universit�rios com idade superior a 28 anos foram aqueles que aumentaram o uso desses medicamentos durante a pandemia de COVID-19, sendo observado com rela��o � renda, que foi maior naqueles que iniciaram o uso de psicotr�picos durante o distanciamento social imposto pela r�pida dissemina��o do coronav�rus. Os antidepressivos foi a classe de medicamento mais utilizada pelos participantes desta pesquisa.

Diante desses resultados a presente pesquisa atingiu o objetivo proposto e demonstrou que o uso de psicotr�picos entre universit�rios � consider�vel, e que pode ter se acentuado durante a pandemia de COVID-19.

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Recebido em: 20/05/2021

Aceito em: 05/10/2022

Publicado em: 26/10/2022



[1] Universidade Federal de Pelotas (UFPEL). Pelotas, Rio Grande do Sul (RS). Brasil (BR). E-mail: kantorskiluciane@gmail.com ORCID: 0000-0001-9726-3162

[2] Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA). Dom Pedrito, Rio Grande do Sul (RS). Brasil (BR). E-mail: neutzling@live.de ORCID:0000-0002-9686-9602

[3] Universidade Federal de Pelotas (UFPEL). Pelotas, Rio Grande do Sul (RS). Brasil (BR). E-mail: etimenezes@gmail.com ORCID: 0000-0003-3968-7260

[4] Universidade Federal de Pelotas (UFPEL). Pelotas, Rio Grande do Sul (RS). Brasil (BR). E-mail: priscillaaass@gmail.com ORCID: 0000-0002-3125-9854

[5] Universidade Federal de Pelotas (UFPEL). Pelotas, Rio Grande do Sul (RS). Brasil (BR). E-mail: catia.gentile@hotmail.com ORCID: 0000-0003-4803-6371

[6] Universidade Federal de Pelotas (UFPEL). Pelotas, Rio Grande do Sul (RS). Brasil (BR). E-mail: calmeidamarianadias@gmail.com ORCID: 0000-0001-9446-3564

[7] Universidade Federal de Pelotas (UFPEL). Pelotas, Rio Grande do Sul (RS). Brasil (BR). E-mail: mila85@gmail.com ORCID: 0000-0001-8593-1397

[8] Universidade da Rep�blica do Uruguai. Montevidéu. Uruguai (UY). E-mail: claudiamorosi@gmail.com ORCID: 0000-0002-4239-5106

 

Como citar: Kantorski LP, Brum AN, Menezes ES, Silva PS, Santos CG, Almeida MD, et al. Psicotr�picos: uso por estudantes universit�rios antes e durante a pandemia de doen�a por coronav�rus 2019. J. nurs. health. 2022;12(3):e2212322932. Dispon�vel em: https://doi.org/10.15210/jonah.v12i3.3576