Percepção dos cuidadores frente a dor pós-operatória pediátrica e cuidados de enfermagem
Caregivers' perception of pediatric postoperative pain and nursing care
Percepción de los cuidadores sobre el dolor posoperatorio pediátrico y los cuidados de enfermería
Brito, Matheus Gama Meireles;[1] Bayer, Nara Emily Knopp;[2] Monteiro, Laressa Manfio[3]
RESUMO
Objetivo: descrever a percepção dos cuidadores frente a dor pós-operatória pediátrica e cuidados de enfermagem. Método: estudo descritivo, realizado na Unidade de Pediatria de um Hospital Universitário no Paraná com dados coletados mediante formulário sociodemográfico e questionário de Dor de MCGill-Melzack adaptado e análise a partir de estatística descritiva. Resultados: participaram do estudo 24 cuidadores de crianças submetidas a intervenções cirúrgicas, predominantemente, mulheres (22), preponderando as crianças do sexo masculino. Os resultados apresentaram maior utilização de dipirona como analgesia (50%), tendo a maioria dos cuidadores descrito a dor como breve (33,3%). O principal comportamento de dor relatado foi choro (35%). De forma geral, os cuidadores classificaram a assistência de enfermagem como muito boa ou excelente. Conclusão: o profissional de enfermagem, reconhece a dor como um evento importante e presta assistência. O estudo incita a necessidade de padronização de instrumentos de avaliação e manejo da dor pediátrica pós-operatória.
Descritores: Criança; Dor pós-operatória; Analgesia; Enfermagem; Cuidadores
ABSTRACT
Objective: to describe the perception of caregivers regarding pediatric postoperative pain and nursing care. Method: descriptive study, carried out at the Pediatrics Unit of a University Hospital in Paraná with data collected using a sociodemographic form and an adapted MCGill-Melzack Pain questionnaire and analysis based on descriptive statistics. Results: 24 caregivers of children undergoing surgical interventions participated in the study, predominantly women (22), with a predominance of male children. The results showed a greater use of dipyrone as analgesia (50%), with most caregivers describing the pain as brief (33.3%). The main reported pain behavior was crying (35%). In general, caregivers rated nursing care as very good or excellent. Conclusions: the nursing professional recognizes pain as an important event and provides assistance. The study highlights the need for standardization of postoperative pediatric pain assessment and management instruments.
Descriptors: Child; Pain, postoperative; Analgesia; Nursing; Caregivers
RESUMEN
Objetivo: describir la percepción de los cuidadores sobre el dolor posoperatorio pediátrico y el cuidado de enfermería. Método: estudio descriptivo, realizado en la Unidad de Pediatría de un Hospital Universitario de Paraná con datos recolectados mediante formulario sociodemográfico y cuestionario MCGill-Melzack Pain adaptado y análisis con base en estadística descriptiva. Resultados: participaron del estudio 24 cuidadores de niños sometidos a intervenciones quirúrgicas, predominantemente mujeres (22), con predominio de niños varones. Los resultados mostraron un mayor uso de dipirona como analgesia (50%), con la mayoría de los cuidadores describiendo el dolor como breve (33,3%). La principal conducta de dolor reportada fue el llanto (35%). En general, los cuidadores calificaron la atención de enfermería como muy buena o excelente. Conclusiones: el profesional de enfermería reconoce el dolor como un evento importante y brinda asistencia. El estudio destaca la necesidad de estandarizar los instrumentos de evaluación y manejo del dolor pediátrico posoperatorio.
Descriptores: Niño; Dolor postoperatorio; Analgesia; Enfermería; Cuidadores
INTRODUÇÃO
O ser humano tem vivenciado dor desde o início de sua existência. É fato que tal sensação imprescindivelmente o afetará em algum momento da vida.1 Compreende-se que em pediatria, a dor deve ser vista em suas múltiplas particularidades, considerando que crianças têm variações etárias e diferentes estágios de desenvolvimento.2
Tendo em vista que 30% das internações hospitalares no Brasil compõem como público-alvo crianças e adolescentes, é relevante relacionar a hospitalização como uma experiência desencadeadora de sensações estressoras, incluindo a dor.3
É fato que muitos indivíduos vivenciam um procedimento cirúrgico ainda na infância, de modo que enfrentam as diversas experiências posteriores, incluindo a dor pós-operatória, fase inerente a qualquer procedimento cirúrgico.4 Por mais que a experiência dolorosa esteja prevista, é irrefutável a necessidade de um manejo e tratamento adequado, através de estratégias de alívio da dor.2
A experiência de dor pós-operatória pode variar de grau leve a moderado. A percepção de tais níveis de dor pode desencadear um alto índice de estresse aos cuidadores, ponderando que seu enfrentamento perante a situação atual do filho pode influenciar nos sentimentos e comportamentos do mesmo.5 É explicita, portanto, a colaboração familiar como ponte para alívio do estresse e medo causados pela dor.6
Estudo realizado na cidade de São Paulo no Hospital da Associação de Apoio à Criança Deficiente (AACD),6 demonstrou a relevância da percepção dos cuidadores mediante a dor pós-operatória em crianças com paralisia cerebral durante a manipulação do paciente pela equipe, evidenciando que estes auxiliaram no reconhecimento da dor, quando comparadas suas respostas com as respostas do pesquisador observador. Neste mesmo estudo, 35% e 45% dos cuidadores reconheceram sinais de dor em crianças com paralisia cerebral, não comunicativas e comunicativas, respectivamente.
A percepção de pais diante da dor pós-operatória do filho recém-nascido em um hospital universitário de uma capital nordestina denotou que os pais associaram por muitas vezes, o choro, e a ausência da analgesia como fatores relativos à dor após o procedimento cirúrgico. 5
Os familiares se tornam auxiliadores do processo quando, de forma integrativa, suscitam o ensejo de percepção da dor a partir de suas experiências com a criança reconhecendo expressões faciais e comportamentos. Tais indivíduos são relacionados como os mais próximos ao paciente e aqueles que contribuirão para a identificação da dor, advertindo os profissionais para que ocorra o manejo adequado.6
O manejo da dor, e, sobretudo, seu tratamento, podem acabar sendo prejudicados pela dificuldade de identificação da dor como quinto sinal vital. A avaliação e registro das informações do paciente devem ser diários com dados como início, local, duração, o que melhora ou piora a dor, sua associação com outros fatores, tempo decorrido e a magnitude do alívio obtido após o emprego de estratégias para melhora, informações que podem ser coletadas pelos profissionais através da percepção dos cuidadores ou da própria criança.7
Contextuando, deve ser lógica a capacidade de reconhecimento, manejo e tratamento da dor pelo profissional de saúde. Muito embora se reconheçam as dificuldades que habitam nos cenários de assistência, devido a falta do preparo técnico-científico necessário ou ainda, falta de destreza para ter percepção acurada do evento de dor, além de relatos de profissionais que acabam naturalizando a dor durante a hospitalização, é evidente a necessidade de valorização da dor pediátrica pelo profissional da assistência de enfermagem.2
É pertinente ressaltar que a concepção de dor e seu manejo em crianças no ambiente intra-hospitalar tem sido alvo de inúmeras investigações científicas, ampliando a possibilidade de evidências.7 Entretanto, o uso destas descobertas na prática clínica ainda é pouco valorizado, o que demonstra que reconhecer a dor como um evento importante, ainda é uma tarefa que precisa de engajamento dos profissionais de saúde e toda rede de apoio que assiste a criança hospitalizada, incluindo os cuidadores.
É indispensável a valorização da percepção da dor pós-operatória pediátrica através da perspectiva, representada pelo outro lado, pelos olhos de quem experimenta a dor, indiretamente, os cuidadores, podendo implicar na melhora substancial da assistência à criança com dor. Portanto, este estudo tem como objetivo descrever a percepção dos cuidadores frente a dor pós-operatória pediátrica e cuidados de enfermagem.
MATERIAL E MÉTODO
Estudo quantitativo, do tipo observacional e descritivo, realizado na Unidade de Pediatria (UP), do Complexo Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná (CHC/UFPR), nos serviços clínicos, cirúrgicos e terapia intensiva, no período de maio a agosto de 2020.
Em virtude do cenário atual de pandemia da Coronavírus disease (COVID-19), sendo a instituição proponente referência para o tratamento destes pacientes, optou-se pelo tamanho amostral definido por conveniência, devido à incerteza da quantidade de crianças internadas que realizariam procedimentos cirúrgicos, uma vez que as cirurgias eletivas foram suspensas na instituição enquanto perdurasse o estado de emergência de saúde pública.8 O tamanho amostral, respeitou o período de coleta de dados da pesquisa e os critérios de inclusão e exclusão.
Foram definidos como critérios de inclusão, cuidador, maior de idade, e alfabetizado, tendo a criança sob seus cuidados, idade entre 29 dias e 12 anos incompletos, com confirmação de submissão a procedimento cirúrgico nos serviços da UP do CHC/UFPR.
Para a obtenção dos dados, utilizou-se um questionário composto por duas partes. A primeira, consistiu em aplicar perguntas fechadas sobre características sociodemográficas. A segunda, aplicou perguntas fechadas relacionadas à avaliação da atuação da enfermagem no manejo da dor das crianças em recuperação da intervenção cirúrgica.
As perguntas da segunda parte foram adaptadas do Questionário de Dor de MCGill-Melzack traduzido para o português, um instrumento que avalia as dimensões sensitiva-descriminativa, afetiva-motivacional e cognitiva-avaliativa da dor, de forma a fornecer medidas quantitativas de dor que podem ser tratadas estatisticamente.9
A avaliação realizada com os cuidadores envolveu a observação da mudança de comportamento das crianças relacionada a dor, desconforto e a necessidade ou não de administração de analgésicos entre os aspectos do manejo da equipe assistencial de enfermagem.
Destaca-se que o cuidador respondeu ao questionário uma única vez, independente da duração da internação da criança. No entanto, não houve restrição quanto ao período pós-operatório e o tipo de procedimento cirúrgico.
Diariamente, durante o período de coleta de dados, os pesquisadores procuravam os serviços clínicos, cirúrgicos e de terapia intensiva da UP do CHC/UFPR e identificavam as crianças internadas que correspondiam aos critérios de inclusão. Em seguida era explicado aos cuidadores sobre a importância da pesquisa e questionado se havia interesse na participação.
Importa citar que a faixa etária definida neste estudo, baseia-se no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei 8.069, de 1990, que considera criança, pessoa até 12 anos de idade incompletos.10
Após a leitura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, sanadas as dúvidas e assinado o mesmo, foi entregue o questionário composto por duas partes aos cuidadores presentes, solicitando que eles respondessem, e em casos de dúvidas solicitassem auxílio aos pesquisadores.
Após respondidos os questionários, os dados foram conferidos e em seguida inseridos no ambiente de estruturação das informações utilizando o software da Microsoft Excel 2010 e, exportados para o software de estatística Statistica (Stasoft®), o qual se procedeu à análise estatística. Foram realizadas estatísticas descritivas, como medida de tendência central (frequência simples).11
O presente estudo foi submetido ao Comitê de Ética da Instituição proponente e aprovado sob Parecer n.º: 3.792.990 e Certificado de Apresentação para Apreciação Ética da Plataforma Brasil n.º 25393219.4.0000.0096. Este projeto foi conduzido seguindo recomendações da Resolução nº 466 de 2012 do Conselho Nacional de Saúde do Ministério da Saúde.
Dos 24 cuidadores de crianças submetidas a intervenções cirúrgicas que participaram do estudo, havia prevalência pelo sexo feminino, totalizando 22 mulheres (91,7%), com idade média de 34,4 anos. Em relação ao estado civil dos cuidadores, 12 (50,0%) eram casados, 11 (45,8%) solteiros e um (4,2%) divorciado. Quanto ao nível de escolaridade, três (12,5%) possuíam ensino fundamental completo, sete (29,2%) ensino fundamental incompleto, seis (25,0%) ensino médio completo, quatro (16,7%) ensino médio incompleto, dois (8,3%) ensino superior incompleto, e um (4,2%) ensino superior completo e pós-graduação. Um participante (4,2%) não respondeu à questão.
Acerca do vínculo parentesco dos cuidadores com as crianças incluídas neste estudo, 19 (79,2%) eram mães biológicas, dois (8,3%) pais biológicos ou outro parentesco e uma (4,2%) era mãe social. Dois participantes (8,3%) não responderam. A Lei nº 7.644, de 18 de dezembro de 19987, que dispõe sobre a regulamentação da atividade de mãe social, designa como mãe social aquela que se dedica à assistência ao menor abandonado, em nível social, dentro do sistema de casas-lares.12
Quanto a experiência anterior com hospitalização da criança envolvida, 19 (79,2%) declararam ter vivenciado outros momentos com o ambiente hospitalar.
As crianças do estudo apresentavam mediana de idade de cinco anos, variando a faixa etária entre 29 dias e 12 anos incompletos, com média de cinco anos e quatro meses.
Predominaram as crianças do sexo masculino, totalizando 15 (62,5%) indivíduos. Entre os procedimentos cirúrgicos aos quais as crianças do estudo foram submetidas, haviam cirurgias de pequeno, médio e grande porte, a saber, implantação ou retirada de Cateter Totalmente Implantado (CTI), biopsia hepática ou renal, ressecção de tumor em retroperitônio, fibroma, tumor retro orbital, traqueostomia, gastrostomia, apendicectomia, laparotomia exploratória, herniorrafia, orquidopexia, plástica umbilical, correção vaginal, divertículo de Meckel, dilatação da uretra, litotripsia, nefrolitotomia, pieloplastia, reimplante uretral, tenotomia, e ressecção de hemangioma.
Para identificar a percepção dos cuidadores em relação a assistência de enfermagem no manejo da dor pós-operatória pediátrica durante o processo de hospitalização, foram elucidadas; as características do pós-operatório e analgesia; percepção dos cuidadores quanto às características da dor de seus filhos; e percepção dos cuidadores acerca do manejo da dor pós-operatória pediátrica e assistência de enfermagem.
Considerando que o período pós-operatório transita desde o momento da saída do paciente da sala de cirurgia até sua recuperação, relacionou-se os procedimentos das crianças do presente estudo a caracterização como 11 (45,8%) pós-operatórios imediatos e 13 (54,2%) pós-operatórios mediatos.
Quanto a utilização de analgesia conforme as necessidades de cada paciente atendido nos serviços clínicos, cirúrgicos e na terapia intensiva da UP, foi constatado, o uso de dipirona em 12 (50,0%) crianças, paracetamol em seis (25,0%), morfina em quatro (16,6%) e cetoprofeno em dois (8,3%).
Em relação a um período específico do dia, em que a criança em pós-operatório apresentava maior dor, se evidenciou 33,0% em todos os horários, 29,0% pela manhã, 17,0% à noite, 13,0% à tarde e 8,0% não souberam informar o horário.
Os cuidadores descreveram o padrão de dor conforme o relato das crianças, como breve em oito crianças (33,3%), periódica em sete (29,1%), contínua em cinco (21,8%) e não possui dor em quatro (16,6%). No que concerne ao cuidador quanto à possibilidade de a criança conseguir localizar a dor, 21 (87,5%) declararam sim e três (12,5%) relataram que não conseguem.
Os cuidadores apresentaram relações entre o comportamento da criança e sua identificação com a presença de dor, relacionando um ou mais comportamentos de dor. De acordo com os dados, e ratificando que o mesmo cuidador pode ter escolhido mais de uma alternativa, 14 (35,0%) elencaram choro, 13 (32,5%) citaram o relato verbal da criança, oito (20,0%) explicitaram gestos da criança, um (12,5%) mencionou agitação/irritabilidade, um (12,5%) sudorese, e um (12,5%) relacionou como comportamento de dor o fato da criança “não conseguir dormir”.
Acerca do tempo de realização da última analgesia das crianças em pós-operatório, em relação ao início da entrevista com os cuidadores, evidencia-se a percepção dos cuidadores, ao tempo, que, 12 (50,0%) relataram não saber informar, dois (8,3%) informaram uma hora, três (12,5%) três horas, dois (8,3%) quatro horas, um (4,2%) 12 horas, um (4,2%) 30 minutos, e três (12,5%) relataram que as crianças estavam sendo medicadas somente sob ordem médica.
Quanto a classificação da assistência de enfermagem no alívio da dor pós-operatória da criança, 16 (66,6%) cuidadores denotaram como muito bom ou excelente, cinco (20,8%) como bom, um (4,1%) como adequado e dois (8,3%) como péssimo.
A percepção dos cuidadores em relação ao questionamento diário da enfermagem sobre a dor da criança, evidenciou que 20 (83,3%) dos participantes, responderam que “sim”, a enfermagem pergunta como está a dor da criança. Quanto a necessidade de chamar a equipe informando que a criança apresentava dor, 13 (54,2%) relataram que “nunca” foi preciso chamar assistência, nove (37,5%) disseram que “as vezes” foi necessário e dois (8,3%) informaram que “sempre” era necessário solicitar assistência de enfermagem.
A respeito de “como a equipe de enfermagem avaliou a dor da criança”, 18 (75%) afirmaram que “sim”, a equipe avaliou a dor da criança, sendo choro, medicação, conversa, questionamento, exame físico e sinais vitais (SSVV) as atividades citadas pelos cuidadores como ferramentas para avaliação da dor. Ademais, 23 (88,6%) cuidadores relataram medicação como o principal método utilizado no manejo da dor.
Destaca-se que 20 (83,3%) dos cuidadores contribuíram com a equipe de enfermagem no alívio da dor da criança sob seu cuidado. Quanto as condutas adotadas, são evidenciadas 16 (29,6%) tentativas de “conversa”, 12 (22,2%) de “acalmar ou encorajar”, nove (16,7%) de “pegar no colo”, cinco (9,3%) de “massagem” ou “solicitar a presença da enfermagem”, e dois (3,7%) de “fazer dormir” ou “outros”.
A amostra revela que 22 (91,7%) cuidadores asseguraram melhora da dor após a intervenção pela equipe de enfermagem. No que se refere a assistência após a referida intervenção, 23 (95,8%) relatam que a equipe de enfermagem retornou para verificar o estado da criança.
DISCUSSÃO
A Associação Internacional para o Estudo da Dor (IASP) classifica a dor como uma experiência desagradável, associada à lesão tecidual real ou potencial que envolve aspectos sensitivos, emocionais e cognitivos, sendo também uma experiência consciente, que requer um processamento cortical e uma interpretação aversiva da informação nociceptiva.6 Tais experiências dolorosas são capazes de despertar diversos comportamentos diferentes em cada indivíduo.13
Embora os procedimentos cirúrgicos envolvam crianças tanto do sexo feminino como masculino, um estudo realizado com 262 crianças submetidas a procedimentos cirúrgicos em um hospital público do interior paulista corroborou com o presente estudo ao demonstrar a prevalência do sexo masculino, ocupando 64,9% na distribuição dos procedimentos realizados.4 Outras análises também têm evidenciado que a taxa de hospitalização em pediatria é maior entre o gênero masculino.2
Considerando que em pediatria existe um patamar amplo de idades, também se identifica a presença de diferentes maneiras de expressar dor. Simplificando, quanto menor a criança, mais difícil será sua capacidade de definir e localizar a dor. Os recém nascidos, por exemplo, não são capazes de verbalizar e identificar sua dor, expressando-a através da alteração de sinais vitais, choro, expressões faciais, espasmos musculares, inquietação e irritação,13 enquanto crianças maiores podem expressar verbalização de dor, mudanças no padrão de sono, distúrbios de apetite, exibir agressão verbal ou física a quem se aproxime e tentativas de defender a parte do corpo exposta a dor.14 No presente estudo os comportamentos perceptíveis aos cuidadores foram choro, relatos verbais de dor, gestos, agitação, sudorese, localização da dor e mudanças no padrão de sono.
Em um Hospital de Urgência de Sergipe, 65,1% dos profissionais de enfermagem afirmaram avaliar a dor diariamente e registrá-la em prontuário, sendo o “choro”, o principal meio de avaliação da intensidade da dor. Além disso, 44,2% demonstraram ter dificuldade em fazer tal avaliação.1 É importante mencionar que frequentemente a avaliação da dor tem sido manifestada como uma tarefa sem importância, e, muito difícil para a equipe da assistência, evocando a necessidade de maior reconhecimento do impacto da dor sobre o processo de cura da criança para que os profissionais tenham em mente a relevância de sua avalição.2
Ao compreender que o manejo da dor pediátrica inclui primordialmente seu reconhecimento, pondera-se que o primeiro passo para efetivar o processo seja planejar o cuidado de forma que a criança seja assistida integralmente. Tendo em vista que a enfermagem é quem está à beira leito com o paciente, se elucida a necessidade de tal categoria estar apta ao cuidado relacionado a dor através de treinamentos e atualização sobre os instrumentos existentes. O cuidado deve incluir a construção dos históricos de dor de cada paciente através das evoluções diárias de seus comportamentos e expressões de dor, a avaliação da dor através de instrumentos adequados e principalmente a análise da eficácia das intervenções realizadas.13 Torna-se indispensável avaliar se as ações de manejo da dor estão sendo eficazes, revigorando esta pesquisa, onde 95,8% dos cuidadores relataram que a equipe de enfermagem retornou para verificar o estado da criança após a intervenção.
Na análise, 83,3% dos cuidadores apontaram que a enfermagem questiona diariamente como está a dor da criança e somente 8,3% relataram a necessidade de chamar a equipe para informar a dor da criança quando não questionada. Uma pesquisa realizada em 2017 em um Hospital Público do sul do Brasil evidenciou, que, mesmo que a dor esteja implementada como quinto sinal vital desde 2007, ainda permanecem incompletos os registos de enfermagem relacionados a dor.2 Complementa-se que não há padronização de critérios para avaliação, usando os profissionais por muitas vezes, critérios próprios, e que, há prioridade de outras tarefas da assistência em detrimento da avaliação da dor.15
As ferramentas utilizadas para avaliação da dor no estudo se relacionaram a choro, medicação, conversas, questionamentos, exame físico e verificação de sinais vitais. Embora sejam meios significativos, importa considerar que são necessários instrumentos adequados, padronizados, válidos e confiáveis para o manejo da dor pediátrica. Atualmente, há livre acesso para utilização de escalas de dor pediátrica para todas as idades e graus de desenvolvimento, atendendo ao fato de que tais dispositivos proporcionam avaliações sistematizadas.15
Dentre as escalas mais utilizadas, cita-se a escala Face, Legs, Activity, Cry, Consolability (FLACC) que avalia as expressões faciais, movimentos das pernas, atividades corporais, choro e consolabilidade em crianças de 2 meses a 7 anos; a Children’s and Infant’s Postoperative Pain Scale (CHIPPS) para dor pós-operatória em crianças de 0 a 5 anos; a Neonatal Infant Pain Scale (NIPS), usada em recém-nascidos até 28 dias de vida; escala de faces ou Faces Scale, a escala numérica ou Numeric Rating Scale (NRS) e a escala visual analógica (EVA). Outras escalas também usadas, porém, em menor escala, são, Children’s Hospital of Eastern Ontario Pain Scale (CHEOPS) para dor pós-operatória em crianças de 1 a 7 anos; Objective Pain Scale (OPS) e Modified Behavioral Pain Scale (MOPS), usadas dos 8 meses aos 13 anos; e Poker Chip Tool e Wong Baker FACES Pain Rating Scale utilizadas a partir dos três anos.14-15
Muitos profissionais associam a não realização da avaliação da dor com protocolos e escalas padronizadas devido à falta de treinamento e experiências anteriores com crianças hospitalizadas.1 Consequentemente, é relevante o investimento em atualização e aquisição de conhecimento para que as equipes participem de eventos científicos e treinamentos com metodologias atuais a fim de obter educação permanente sobre os manejos de dor pediátrica. Acima de tudo é papel do enfermeiro conscientizar-se e sensibilizar as equipes sobre a importância da identificação e avaliação adequada da dor e as consequências de não a tratar de forma eficaz.15
As formas de manejo da dor também devem estar atualizadas no conhecimento dos profissionais e embasadas em evidências científicas.16 Dentre os meios de controle da dor pós-operatória, 88,6% dos cuidadores relataram medicação como o principal método utilizado, sendo usada dipirona em 50% dos casos. Para eficácia do tratamento devem ser escolhidos tipos e dosagens de medicamentos de acordo com diretrizes padronizadas. O conceito de analgesia multimodal vem sendo difundido atualmente como um dos métodos mais recomendados para o manejo da dor pós-operatória em pediatria.14
A analgesia multimodal tem como objetivo causar o alívio da dor, reduzindo as dosagens dos fármacos administrados e assim seus efeitos colaterais através da associação de duas ou mais drogas que atuem de diferentes mecanismos.16 Tal método incentiva o uso efetivo de analgésicos básicos a fim de reduzir significativamente o uso de opioides, sendo estes analgésicos básicos compostos por dipirona, paracetamol e os anti-inflamatórios não esteroidais (AINEs).14,16-17 A Organização Mundial da Saúde (OMS) indica que os opioides sejam utilizados somente em dor aguda média a intensa, sendo a morfina o “padrão ouro”.16 Nesta pesquisa, 15% dos cuidadores relataram que seus filhos precisaram utilizar morfina no manejo da dor pós-operatória.
É perceptível que regularmente os profissionais de enfermagem realizam a analgesia prescrita sem avaliar o quadro clínico da criança, ou seja, são mais adeptos a prescrição médica como método primordial de intervenção para dor. No entanto, o tratamento da algia também deve envolver métodos não farmacológicos considerando que a dor é mais do que uma experiência sensorial. Tais métodos podem envolver musicoterapia, termoterapia, diminuição de ruídos e da luminosidade, massagem de conforto e reposicionamento no caso dos pacientes neonatais e os impossibilitados de mobilidade.13
Os pais e responsáveis também podem exercer papel fundamental no manejo não farmacológico da dor.6 Quanto as formas de alívio da dor, 83,3% dos cuidadores contribuíram através de tentativas de conversa, acalmar ou encorajar, pegar no colo, fazer massagem ou fazer dormir. Para que os pais estejam seguros e estáveis emocionalmente e fisicamente para contribuir no manejo da dor de seus filhos é estritamente importante que haja apoio psicológico, orientações, respostas a dúvidas e todos os demais aspectos necessários para que ocorra um acolhimento de qualidade por parte dos profissionais da equipe de saúde. É relevante que os profissionais lembrem que a hospitalização do filho traz sentimento de insegurança, medo, além de interferir na rotina pessoal da família.18
Neste contexto, a relação da equipe com os familiares ganha importância, atentando para a representação relevante dos cuidadores como agentes que facilitam os cuidados com a criança.19 A relação entre a equipe de enfermagem e o familiar/cuidador da criança hospitalizada, baseada na empatia, possibilita sob este prisma, a atenção de forma plena às necessidades que são envolvidas nesse processo, enfatizando que o envolvimento de familiares no ambiente hospitalar auxilia na atenção com a criança e no manejo da dor pós-operatória.20
A percepção dos cuidadores sobre o manejo da dor nas crianças em pós-operatório evidenciou que a assistência adequada exige conhecimento dos profissionais de enfermagem, sendo importante a atenção durante a recuperação e permanência no ambiente hospitalar. O estudo evidenciou, que, na maioria das vezes, o profissional de enfermagem, reconhece a dor como um evento importante. Porém, é importante ressaltar que não é algo realizado por todos os profissionais da equipe, o que sugere a necessidade de utilização de instrumentos atualizados e validados para avaliação e manejo da dor, algo que nem sempre é padronizado nos ambientes hospitalares.
De forma geral, a enfermagem prestou assistência a dor da criança, de forma rápida e eficaz. A prestação de assistência eficiente no processo de recuperação, em qualquer conduta pós-cirúrgica, é importante e independente da situação apresentada. Assim, torna-se fundamental o conhecimento e a atuação da equipe de saúde quanto à avaliação e ao controle da dor na recuperação da criança.
Os cuidadores do estudo, demonstraram, de forma generalizada, que podem contribuir no alívio da dor da criança sob seu cuidado. A análise da realidade encontrada destaca que a comunicação entre os profissionais de saúde e os familiares/cuidadores das crianças, possibilita melhor atenção no manejo da dor de crianças após as intervenções cirúrgicas, uma vez que envolve o aspecto afetivo por parte do cuidador e o aspecto técnico desempenhado pelo do profissional de saúde, a favor do bem-estar do paciente pediátrico. As discussões dessas questões relacionadas demonstram que iniciativas que envolvem o tema podem contribuir para melhorar a qualidade da assistência hospitalar.
A principal limitação do estudo foi o estado de emergência nacional gerado pela pandemia de COVID-19, sendo mantidas apenas cirurgias pediátricas emergenciais o que interferiu diretamente no tamanho amostral. Ainda assim, os resultados permitiram acessar elementos que podem contribuir com o manejo da dor pós-operatória pediátrica durante a hospitalização.
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Recebido em: 21/05/2022
Aceito em: 26/06/2023
Publicado em: 21/08/2023
[1] Complexo Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná (CHCUFPR). Curitiba, Paraná (PR). Brasil (BR). E-mail: matheusgmb@hotmail.com. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-7726-9591
[2] Faculdades Pequeno Príncipe (FPP). Curitiba, Paraná (PR). Brasil (BR). E-mail: emily_knopp@hotmail.com ORCID: https://orcid.org/0000-0002-0891-5518
[3] Complexo Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná (CHCUFPR). Curitiba, Paraná (PR). Brasil (BR). E-mail: laressa.manfio@hc.ufpr.br ORCID: https://orcid.org/0000-0002-0045-1333
Como citar: Brito MGM, Bayer NEK, Monteiro LM. Percepção dos cuidadores frente a dor pós-operatória pediátrica e cuidados de enfermagem. J. nurs. health. 2023;13(1):e13122933. DOI: https://doi.org/10.15210/jonah.v13i1.22933