ARTIGO original

Registros de enfermagem em uma emergência cardiológica: características, diagnósticos e intervenções de enfermagem

Nursing records in a cardiology emergency: characteristics, diagnoses and nursing interventions

Registros de enfermería en una emergencia cardiológica: características, diagnósticos e intervenciones de enfermería

Miranda, Michelly;[1] Lazzari, Daniele Delacanal;[2] Vicente, Camila;[3] Oliveira, Cintia Iara;[4] Boff, Liziane Conceição Goulart;[5] Mairesse, Ana Paula[6]

RESUMO

Objetivo: analisar os registros de enfermagem, no contexto do paciente cardiológico na emergência. Método: estudo quantitativo, descritivo, realizado de maio a junho de 2018, por meio da avaliação dos registros eletrônicos de enfermagem de uma emergência cardiológica, utilizando roteiro pré-elaborado. Análise por estatística simples descritiva. Resultados: dos 140 registros de enfermagem, identificou-se 53 itens: 46(86,79%) referentes às necessidades psicobiológicas, 6(11,32%) psicossociais e 1(1,89%) psicoespiritual. Encontraram-se 22 diagnósticos de enfermagem, com destaque no risco de infecção 90(64,28%), processo cardíaco prejudicado 78(55,71%) e risco de alterações cardiovasculares/hemodinâmica 34(24,28%). E 14 intervenções de enfermagem, incluindo: monitorar sinais vitais 20(14,28%); avaliar dor 16(11,42%); manter ambiente calmo e tranquilo 15(10,71%). Conclusão: os registros apresentam deficiência quanto às características dos pacientes cardíacos, intervenções de enfermagem superficiais e desconexas aos diagnósticos de enfermagem mais frequentes.

Descritores: Enfermagem; Processo de enfermagem; Registros de enfermagem; Serviço hospitalar de cardiologia; Emergências

ABSTRACT

Objective: to analyze the nursing records in the context of cardiac patients in the emergency room. Method: quantitative, descriptive study, carried out from May to June 2018, through the evaluation of electronic nursing records of a cardiology emergency, using a pre-prepared script. Simple descriptive statistical analysis. Results: from 140 nursing records, 53 items were identified: 46(86.79%) referring to psychobiological needs, 6(11.32%) psychosocial and 1(1.89%) psychospiritual. 22 nursing diagnoses were found, with emphasis on the risk of infection 90(64.28%), impaired cardiac process 78(55.71%) and risk of cardiovascular/hemodynamic changes 34(24.28%). And 14 nursing interventions, including: monitoring vital signs 20(14.28%); assess pain 16(11.42%); maintain a calm and peaceful environment 15(10.71%). Conclusion: the records show deficiencies regarding the characteristics of cardiac patients, superficial nursing interventions and disconnected from the most frequent nursing diagnoses.

Descriptors: Nursing; Nursing process; Nursing records; Cardiology service, hospital; Emergencies

RESUMEN

Objetivo: analizar los registros de enfermería en contexto de pacientes cardíacos en urgencias. Método: estudio cuantitativo, descriptivo, realizado de mayo a junio de 2018, mediante la evaluación de registros electrónicos de enfermería de una emergencia cardiológica, utilizando un guión preestablecido. Análisis estadístico descriptivo simple. Resultados: 140 registros de enfermería se identificaron 53 ítems: 46(86,79%) necesidades psicobiológicas, 6(11,32%) psicosociales, 1(1,89%) psicoespiritual. Encontraron 22 diagnósticos de enfermería, con énfasis en riesgo de infección 90(64,28%), deterioro del proceso cardíaco 78(55,71%), riesgo de alteraciones cardiovasculares/hemodinámicas 34(24,28%). 14 intervenciones de enfermería, que incluyen: seguimiento de signos vitales 20(14,28%); evaluar dolor 16(11,42%); mantener ambiente tranquilo y pacífico 15(10,71%). Conclusión: los registros muestran deficiencias en cuanto a las características de los pacientes cardíacos, intervenciones de enfermería superficiales y desconectadas de los diagnósticos de enfermería más frecuentes.

Descriptores: Enfermería; Proceso de enfermería; Registros de enfermería; Servicio de cardiología en hospital; Urgencias médicas

INTRODUÇÃO

A enfermagem como ciência vem sendo construída e reconhecida gradativamente ao longo da história. Esse alcance teve início primeiramente nos Estados Unidos com o desenvolvimento das Teorias de Enfermagem e foi sendo disseminada para o restante do mundo, chegando no Brasil, na década de 1970, com a Teoria das Necessidades Humanas Básicas de Wanda Horta.1

A partir desse período, foi sendo aprofundado os estudos sobre a temática no Brasil, surgindo a necessidade de amparar os cuidados de enfermagem prestados pela equipe de enfermagem. Implementou-se, assim, a Sistematização da Assistência de Enfermagem (SAE) e o Processo de Enfermagem (PE), por meio da Resolução 272/2002, revogada pela Resolução COFEN 358/2009.2 Apesar de quase 20 anos, ainda nos tempos atuais, existe muita confusão sobre a diferença entre SAE e PE, contudo tal diferenciação já está consolidada e superada na literatura. Com isso, vale relembrar que a SAE tem por finalidade organizar o trabalho da Enfermagem, quanto ao método, pessoal e instrumentos, de modo que seja possível a operacionalização do Processo de Enfermagem. A escolha pelo uso da expressão da SAE se deu ao considerar ser uma expressão bastante utilizada pelos profissionais da Enfermagem e que diz respeito eminentemente à cultura da Enfermagem brasileira.2

Já o PE é definido como um instrumento metodológico que orienta o cuidado profissional de Enfermagem e a documentação da prática profissional. Tal método propicia a organização e direção ao cuidado de enfermagem, sendo a essência, o instrumento e a metodologia da prática de enfermagem, contribuindo para o pensamento crítico do enfermeiro no processo de tomada de decisões e de prever e avaliar os resultados.2

Os registros de enfermagem possibilitados pela implementação do PE estão presentes em estudos nacionais e internacionais que abordam a sua importância e afirmam que o registro clínico, diário e contínuo é o principal meio de comunicação entre as equipes de saúde, ferramenta importante para a coordenação do cuidado e avaliação da qualidade da assistência prestada.3-4

A qualidade dos registros de enfermagem deve ser incorporada e valorizada nos processos de trabalho gerencial e assistencial dos profissionais da equipe de enfermagem, pois quando realizados de forma fidedigna, completa, objetiva, clara e legível, contribuem para a prática do cuidado direto, dos resultados e da satisfação dos pacientes; subsidia o raciocínio, julgamento clínico e a discussão clínica entre as equipes, garantindo comunicação efetiva; produz continuidade das informações e do cuidado e consequentemente, melhora a segurança do paciente e a qualidade da assistência.3-6 Além disso, servem de fonte de informações para questões jurídicas, de pesquisa e educação.5

Apesar da sua importância, os estudos atuais mostram realidades diferentes, ao identificarem a necessidade da melhoria dos registros de enfermagem, devido à baixa qualidade desses registros e ainda, a deficiência de conteúdo, não retratando a realidade do paciente e nem da assistência prestada.4,7-8 Cerca de 50% das informações contidas nos prontuários são da equipe de enfermagem, contudo, a maioria é subjetiva, ambígua, incompreensível e confusa, não havendo uma descrição padrão.4

A recomendação, diante disso, é que esses registros sigam normas, estabelecendo critérios fixos para a avaliação e registro, a fim de seguir as obrigações dos aspectos éticos e legais, contribuindo com qualidade para a assistência de enfermagem.5,8

Na unidade de emergência esses registros de enfermagem também são essenciais, apesar de ser um local onde ainda é necessário sistematizar a assistência para que seja possível a implementação das normas e rotinas baseadas em evidências. Essa dificuldade ocorre devido à alta rotatividade de pacientes e atendimentos, por ser uma unidade que acolhe pacientes com risco iminente de morte e instabilidade clínica por 24 horas, de porta aberta.9

No contexto cardiológico essa realidade fica ainda mais estreita. As doenças cardiovasculares têm tomado grandes proporções nas últimas décadas, com aumento na morbimortalidade nos países desenvolvidos e em desenvolvimento. E apesar do aumento de pessoas acometidas com doenças cardiovasculares, ainda há poucos estudos sobre o registro de enfermagem nesse público.10-11

Em busca de uma padronização dos registros e levando em consideração a dinâmica diferencial do setor de emergência e da complexidade clínica de um paciente cardiológico. Identificou-se a necessidade de analisar os registros de enfermagem, a fim de elencar as principais características avaliadas, assim como, os Diagnósticos de Enfermagem (DE) e Intervenções de Enfermagem (IE) mais utilizados pelos enfermeiros no cuidado ao paciente cardiológico em uma unidade de emergência. Para que, futuramente, a partir da identificação e análise crítica dessa realidade, possa ser realizado o fortalecimento dos pontos positivos e melhorias nas lacunas encontradas nos registros de enfermagem.

Obtém-se, assim, a pergunta de pesquisa: Quais as principais características, diagnósticos e intervenções utilizadas nos registros de enfermagem, no contexto do paciente cardiológico, em uma unidade de emergência?  Com o objetivo de analisar os registros de enfermagem, no contexto do paciente cardiológico na emergência.

MATERIAIS E MÉTODO

Estudo quantitativo, observacional do tipo descritivo, com coleta em dados secundários e de modo retrospectivo. A coleta foi realizada por meio dos registros de enfermagem nos prontuários eletrônicos utilizados em uma emergência cardiológica de um hospital estadual no sul do Brasil. A instituição é referência no atendimento de alta complexidade cardiovascular, incluindo especialidade clínica, cirúrgica e ambulatorial, com serviço de apoio diagnóstico e terapêutico.

Os critérios de inclusão do prontuário consistiram em ser de pacientes da especialidade cardiológica que estiveram internados nas unidades de reanimação, semi-intensiva, medicação e repouso; durante o mês de maio de 2018, e que possuíam pelo menos um registro de enfermagem no setor. Foram excluídos os pacientes menores de 18 anos e da especialidade vascular. Os pacientes com registros disponíveis e que se encaixaram nos critérios citados totalizaram uma amostra de 140 registros de enfermagem avaliados.

A coleta de dados ocorreu por apenas uma integrante, previamente treinada, que realizou a coleta mediante acesso ao prontuário eletrônico da instituição, após contato prévio com a chefia da unidade, durante os meses de maio a julho de 2018, no período noturno, com a utilização de roteiros estruturados para nortear e possibilitar a anotação dos dados.

O roteiro de coleta de dados foi construído pela própria autora deste estudo e é composto por três etapas: a primeira etapa consiste na identificação das características avaliadas pelos enfermeiros, registrados na evolução de enfermagem, de acordo com a Teoria das Necessidades Humanas Básicas (psicobiológicas, psicossociais e psicoespirituais); a segunda etapa contém a seleção dos DE encontrados e a terceira, as IEs formuladas pelos enfermeiros.

Os registros na instituição do estudo ocorrem por meio das etapas do PE, em prontuário eletrônico, pelo sistema de informação MicroMed®. Os registros são realizados uma vez ao dia para cada paciente, onde existe uma divisão pré-estabelecida por turnos, entre as equipes.

O sistema eletrônico na instituição foi implantado há cerca de 10 anos, contudo, apenas há três anos, a evolução de enfermagem é organizada no formato de Subjetivo, Objetivo, Análise e Plano (SOAP), baseando-se na Teoria das Necessidades Humanas Básicas de Wanda Horta, incluindo as necessidades psicobiológicas, psicossociais e psicoespirituais.12 Os profissionais utilizavam como padrão da rotina do seu setor, o sistema de classificação North American Nursing Diagnosis Association (NANDA) 2015-2017 e o Nursing Intervention Classification (NIC) 2016, ambas versões apresentando algumas adaptações.

Os dados coletados foram transcritos e armazenados em planilhas no software Microsoft Excel®, compondo o banco de dados do estudo. A análise foi realizada por estatística simples descritiva, onde os resultados foram sumarizados como frequências absolutas (n) e frequências relativas (%). Utilizaram-se instrumentos na forma de tabelas para apresentação dos resultados.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa com Seres Humanos da instituição da qual foi realizado o estudo, submetido e aprovado na Plataforma Brasil da Universidade Federal de Santa Catarina, com Certificado de Apresentação para Apreciação Ética n. 86398218.5.0000.0121 e parecer n. 2.722.918. Cumpriu-se as normas estabelecidas pela Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde.

Todas as recomendações da Rede Enhancing the QUAlity and Transparency of Research (EQUATOR) em parceria com a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS/OMS) foram seguidas, utilizando como base os padrões SQUIRE 2.0 para representar qualquer abordagem que envolva melhorias nos cuidados de saúde.

RESULTADOS

No total foram 140 registros de enfermagem avaliados de acordo com a Teoria das Necessidades Humanas Básicas. Nesses registros foram identificados 53 (100%) itens, sendo 46 (86,79%) referentes às necessidades psicobiológicas, seis (11,32%) psicossociais e um (1,89%) psicoespirituais.

As necessidades psicobiológicas apareceram 1.855 vezes, as necessidades psicossociais 408 e psicoespirituais uma única vez. Das necessidades psicobiológicas, os registros de regulação neurológica apareceram 448 (24,15%) vezes, percepção dos órgãos dos sentidos 103 (5,55%), oxigenação 196 (10,57%), alimentação 240 (12,94%), regulação vascular 319 (17,20%), regulação tegumentar 426 (22,96%) e eliminações 123 (6,63%), conforme destacado na Tabela 1.

Tabela 1: Itens avaliados de acordo com a teoria das Necessidades Humana Básicas (parte 1), Florianópolis, 2018.

Variáveis

n

%

Necessidades Psicobiológigas

 

 

Regulação Neurológica

 

 

Desorientada

Orientada

Glasglow 15

Agitada

Calmo

Prostrado

Contactuante/Comunicativa

Responsiva

Pouco responsivo

Lúcido

Pupilas isocóricas fotorreagentes

Alerta

Confusão mental

Sem queixas álgicas

Dor

Dormindo bem à noite

04

120

08

01

05

02

112

11

02

120

17

03

02

26

11

04

2,85

85,71

5,71

0,71

3,57

1,42

80,00

7,85

1,42

85,71

12,14

2,14

1,42

18,57

7,85

2,85

Percepção dos órgãos dos sentidos

 

 

Acuidade visual/auditiva prejudicada

Acuidade visual/auditiva preservada

12

91

8,57

65,00

Oxigenação

 

 

Eupneico em ar ambiente

Eupneico em uso de cateter nasal

Boa expansividade torácica bilateral

Registro de saturação

Registro de frequência respiratória

Ausculta MV(+), livre de ruídos adventícios

122

07

55

05

03

04

87,14

5,00

39,28

3,57

2,14

2,85

Alimentação

 

 

Aceita bem a dieta oferecida

Aceita parcialmente a dieta oferecida

Dieta livre

Abdome plano/globoso/flácido e indolor

Ruídos hidroaéreo presente

10

02

34

90

04

78,57

1,42

24,28

64,28

2,85

Regulação Vascular

 

 

Boa perfusão periférica

Pulsos presentes

Sem acesso venoso

Com acesso venoso

Registro/Avaliação da frequência cardíaca

Registro/Avaliação da pressão arterial

110

108

49

40

09

03

78,57

77,14

35,00

28,57

6,42

2,14

Regulação Tegumentar

 

 

Corado

Hipocorado

Hidratado

Livre de edemas

Edema

Pele íntegra

Perfusão tissular periférica <2s

101

06

106

101

02

90

20

72,14

4,28

75,71

72,14

1,42

64,28

14,28

 

Eliminações

 

 

Em sonda vesical de demora

Diurese espontânea

Eliminações fisiológicas normais

Intestinais ausentes no período

03

45

38

37

2,14

32,85

27,14

26,42

Necessidades Psicossociais

 

 

Agitado

Calmo

Tranquilo

Contactuante

Não colaborativo

Aceitando tratamento

Não questionado

03

90

103

100

03

109

01

2,14

64,28

73,57

71,42

2,14

77,85

0,71

Necessidade Psicoespirituais

 

 

Não questionado

Acredita em Deus

139

01

99,28

0,71

Nota: Dados originais da pesquisa. Legenda - n: número; %: porcentagem; MV(+): murmúrios vesiculares presentes.

Fonte: dados da pesquisa, 2018.

Encontraram-se 22 DEs formulados pelos enfermeiros, com destaque em: risco de infecção 90(64,28%), processo cardíaco prejudicado 78 (55,71%), risco de alterações cardiovasculares/hemodinâmica 34 (24,28%), ventilação espontânea preservada 34 (24,28%), comunicação verbal preservada 30 (21,42%) e conforto prejudicado em 29 (20,71%). Os demais DE encontram-se na Tabela 2.

Tabela 2: Diagnósticos de enfermagem em unidade de emergência cardiológica conforme NANDA (2015-2017), Florianópolis, 2018.

Diagnósticos de Enfermagem

n

%

Processo cardíaco prejudicado

Risco de processo cardíaco prejudicado

Risco de dor

Comunicação verbal prejudicada

Comunicação prejudicada

Ventilação espontânea preservada

Risco de infecção

Conforto prejudicado

Risco de alterações cardiovasculares/hemodinâmica

Integridade da pele prejudicada

Risco de dispneia

Dor

Risco de dor torácica

Débito cardíaco diminuído

Sangramento

Ferida diabética

Infecção

Nutrição desequilibrada: menor que as necessidades corporais

Processo do sistema respiratório prejudicado

Risco para troca gasosa ineficaz

Risco de dor torácica

78

24

24

30

06

34

90

29

34

04

04

02

03

03

01

01

01

01

01

01

01

55,71

17,14

17,14

21,42

4,28

24,28

64,28

20,71

24,28

2,85

2,85

1,42

2,14

2,14

0,71

0,71

0,71

0,71

0,71

0,71

0,71

Nota: Dados originais da pesquisa. Legenda - n: número. %: porcentagem.

Fonte: dados da pesquisa, 2018.

Observou-se 14 IE propostas pelos enfermeiros, destas, encontram-se: monitorar sinais vitais 20 (14,28%); avaliar dor, comunicando e medicando conforme prescrição médica 16 (11,42%); manter ambiente calmo e tranquilo 15 (10,71%) e realizar higiene e conforto 11 (7,85%). As IE estão disponíveis na Tabela 3.

Tabela 3: Intervenções de enfermagem na unidade de emergência cardiológica, conforme NIC (2016), Florianópolis, 2018.

Intervenções de Enfermagem

n

%

Monitorar sinais vitais

Realizar higiene e conforto

Manter ambiente calmo e tranquilo

Atentar para alterações hemodinâmicas

Avaliar dor, comunicando e medicando CPM

Observar eliminações

Manter cuidados com acesso venoso periférico

Atentar para a ocorrência de dor torácica e comunicar

Manter jejum

Estimular ingesta hídrica e alimentar

Manter cuidados com oxigenioterapia

Manter cuidados com sonda vesical de demora

Manter cabeceira elevada

Providenciar apoio emocional

20

11

15

05

16

05

08

03

01

04

01

01

01

01

14,28

7,85

10,71

3,57

11,42

3,57

5,71

2,14

0,71

2,85

0,71

0,71

0,71

0,71

Nota: Dados originais da pesquisa. Legenda - n: número; %: porcentagem; COM: conforme prescrição médica.

Fonte: dados da pesquisa, 2018.

DISCUSSÃO

A maioria das avaliações dos enfermeiros estão voltadas às necessidades psicobiológicas, mostrando que as psicossociais e psicoespirituais são pouco exploradas pela realidade do local da pesquisa. Isso pode estar relacionado ao fato de ser um setor de emergência, onde a rotina não é bem estabelecida, devido ao alto fluxo de pessoas e demanda de pacientes graves.9

Apesar de as necessidades psicobiológicas terem sido as mais evidenciadas, ainda se observa a ausência da abordagem de alguns aspectos importantes para o cuidado de enfermagem e a qualidade na assistência, como: sono e repouso, exercício e atividades físicas, mecânica corporal, motilidade, mobilidade, sexualidade, cuidado corporal, regulação térmica, regulação hormonal, regulação hidreletrolítica e imunológica.12

As principais características das necessidades psicobiológicas estão voltadas à regulação neurológica, tegumentar e vascular. Estudos mostram, contudo, que os pacientes cardiológicos apresentam com maior frequência sintomas voltados à regulação cardiopulmonar, devido à presença de alterações no padrão respiratório e na função cardíaca.11,13-14

Um estudo realizado na mesma instituição da pesquisa atual, mostra o perfil dos pacientes internados por insuficiência cardíaca. Identificou-se que as complicações mais frequentes foram infecção respiratória, fibrilação atrial, angina instável e infarto agudo do miocárdio. As outras complicações em menor frequência foram: tromboembolismo pulmonar, necessidade de diálise e bradicardia.15

Verifica-se uma discrepância entre as informações dos estudos citados,11,14-15 com as características dos pacientes cardíacos trazidas pelo presente estudo, já que a pesquisa mostra que a maioria dos termos utilizados para o registro da avaliação clínica do paciente, permeiam um paciente estável e clinicamente sem alterações, incluindo as avaliações: neurologicamente estável, percepção dos órgãos do sentido preservadas, padrão ventilatório adequado, boa alimentação, regulação vascular e tegumentar preservadas, com eliminações vesicais presentes e fisiológicas normais. Essa relação está possivelmente associada à deficiência da avaliação clínica dos pacientes pelos enfermeiros, e/ou da deficiência na fidelidade dos seus registros que não refletem a realidade dos pacientes sob seus cuidados, o que vai de encontro com diversos estudos que mostram as falhas dos registros de enfermagem.4,7-8

Um estudo de revisão integrativa de literatura também trouxe os principais sintomas encontrados em pacientes cardiológicos evidenciando principalmente características de descompensação respiratório, como: dispneia (91,3%), fadiga (66,8%), edema (66,7%), dispneia paroxística noturna (56,7%), estase jugular (53,3%), ortopneia (49,3%), tosse (34,7%) e precordialgia (21,5%).10 Aspectos estes, bem diferentes dos identificados nos registros de enfermagem na instituição do estudo atual.

Outro estudo em pacientes com insuficiência cardíaca trouxe que os principais motivos de descompensação cardíaca foram: alguma infecção no momento da admissão 12 (57,14%), arritmia 11 (52,38%), dois (9,5%) síndrome coronariana aguda, três (14,28%) rompimento do tratamento. Sendo que 16 (76,19%) estavam com sinais clínicos de congestão e boa perfusão, quatro (19,04%) sinais de congestão e má perfusão, um (4,7%) sem congestão e com boa perfusão.14

Apesar de só um registro não ter abordado nenhuma necessidade psicossocial, percebe-se que a maioria dos itens avaliados estão voltados para a orientação em tempo e espaço, comunicação e comportamento, não trazendo abordagens do contexto social que são sugeridas pela Teoria da Necessidades Humanas Básicas, como: segurança, amor, liberdade, criatividade, aprendizagem, gregária, recreação, lazer, espaço, aceitação, autorrealização, autoestima, participação, autoimagem e atenção.12

Já em relação às necessidades psicoespirituais, verifica-se que a maioria dos profissionais não aborda em seus registros informações sobre esses aspectos no contexto da emergência cardiológica, estando presente em apenas um registro o relato de “acreditar em Deus”. Sendo que as necessidades psicoespirituais além da ordem religiosa ou teológica, também abordam questão ética ou de filosofia de vida.12,16

Neste sentido é importante que o enfermeiro considere o paciente em sua singularidade, respeitando crenças, culturas e o saber do outro.15 Sendo essencial que ele desenvolva habilidades pertinentes à profissão como a empatia, a comunicação, a escuta ativa, pois, é através da avaliação do estado emocional e das crenças que o enfermeiro poderá planejar e colocar em prática o seu cuidado.17

Os DE são a segunda etapa do PE e consistem em um processo de interpretação das respostas da pessoa, família ou coletividade humana obtida na primeira etapa, conhecida como Histórico de Enfermagem.2 Este deve ser baseado no momento do processo de saúde-doença, possuindo importância no cuidado ao paciente, pois é considerado a atividade intelectual que o profissional de enfermagem desenvolve no seu cotidiano. Para a compilação dos DE, o enfermeiro deve utilizar seu conhecimento, suas habilidades cognitivas, interpessoais e suas atitudes profissionais, desempenhando o raciocínio clínico e realizando a articulação com o PE.18-19

Alguns estudos mostram o débito cardíaco diminuído como um dos principais DE em pacientes cardiológicos.13,20 Apesar de no estudo em questão esse DE aparecer apenas três (2,14%) vezes, o DE processo cardíaco prejudicado aparece em 78 (55,71%) registros, ocupando o segundo lugar entre os mais frequentes nesta pesquisa, podendo ser considerado DE similares. 

Em contrapartida, estudos recentes mostram os DE padrão ventilatório ineficaz e desobstrução ineficaz das vias aéreas também significativos para o contexto do paciente cardíaco.13,20 Esses DE vão ao desencontro do encontrado na pesquisa, pois o DE ventilação espontânea preservada 34 (24,28%), foi o quarto DE mais utilizado, e os DE: processo do sistema respiratório prejudicado, risco de troca gasosa ineficaz, e risco de dispneia apareceram apenas um (0,71%), um (0,71%) e quatro (2,85%), respectivamente.

Outros DE trazidos como importantes foram: intolerância à atividade, angústia espiritual, conhecimento deficiente, volume excessivo de líquidos, perfusão tissular periférica ineficaz, medo, ansiedade e dor.13,20

As IE estão compostas na terceira etapa do PE, o Planejamento de Enfermagem, onde são determinados os resultados que se espera alcançar e a determinação das ações que serão realizadas2. Essa também é parte essencial do PE, a partir delas são traçados os cuidados a cada paciente, tendo como objetivo o controle das necessidades e parâmetros vitais do paciente. A realização adequada dessas IE permite o tratamento apropriado e diminui a probabilidade de desencadear intercorrências e cuidados inapropriados.21

Um estudo brasileiro trouxe os principais cuidados de enfermagem, com destaque em: verificação de medidas antropométricas, avaliação dos sinais vitais, oxigenoterapia, punção venosa periférica, pele e feridas. Dentre os prescritos com menor frequência estão a avaliação da efetividade dos medicamentos administrados e alimentar o paciente enquanto a refeição ainda estiver quente. As áreas de cuidado corporal e eliminações, cuidados com pele e mucosas, investigação e monitoramento receberam os maiores escores.22

Assim como em alguns outros estudos, verifica-se também uma superficialidade nas IE, mostrando aspectos gerais de cuidado de enfermagem, não sendo identificado nenhum cuidado específico voltado ao paciente cardíaco.4,7-8 As recomendações são que as IE devem ser focadas em intervenções terapêuticas, educativas e de autocuidado para os pacientes com insuficiência cardíaca.13

Vale também destacar que os DE devem ser a base para a seleção das IE, a fim de alcançar os resultados esperados,2 desta forma, deve-se existir uma ligação entre as IE e os DE selecionados para um determinado paciente. Na instituição de estudo, contudo, percebe-se uma discrepância entre as IE e os DE mais utilizados pelos enfermeiros.

Verifica-se essa situação, ao identificar que os DE que apareceram com maior frequência foram referentes ao risco de infecção 90 (64,28%) e o processo cardíaco prejudicado 78 (55,71%), sendo que ambos, não possuem IE específicas para esse problema identificado. Assim como, o DE “risco de alterações cardiovasculares/hemodinâmica” com 34(24,28%), o terceiro mais frequente, possui uma IE descrita como “atentar para alterações hemodinâmicas” que aparece apenas cinco (3,57%) vezes durante os registros.

Essa situação pode estar relacionada com a dificuldade na implementação do PE nas unidades de emergência. De acordo com alguns estudos, essa dificuldade leva ao planejamento de ações e IE inadequadas como a falta de adequação das prescrições às necessidades de cuidados dos pacientes.9,22-23 Muitas vezes, esta inadequação decorre do insuficiente quadro de pessoal disponível para o atendimento dos pacientes, da limitada infraestrutura para a atuação do enfermeiro ou do não envolvimento e/ou desvalorização por parte destes profissionais na operacionalização do PE.9,22

Vale ressaltar que apesar de o setor utilizar o sistema NANDA e NIC adaptados, identifica-se que muitos DE e IE trazidos nos prontuários dos pacientes estão desatualizados e não são identificados como parte do sistema de classificação das referências citadas. Assim, a educação permanente com os enfermeiros entra nesse contexto como essencial, pois, estudos mostram que a capacitação da equipe está diretamente relacionada a uma adequada implementação do PE, visto que o conhecimento atualizado contribui positivamente para a sua implementação e adesão. Além disso, reflete na compreensão da importância dos instrumentos, na resolução de dúvidas, no correto registro e na implementação do PE, melhorando a qualidade da assistência.23

O estudo possui limitações ao ser realizado em apenas um centro de emergência cardiológica, em curto período e enfrentando a falta de registros de alguns pacientes no sistema de informação.

CONCLUSÕES

O estudo identificou que os registros de enfermagem apresentam deficiência quanto às características avaliadas pelos profissionais. Apesar da importância no contexto do cuidado de enfermagem e de refletir a prática clínica na unidade de emergência cardiológica, as IE demonstram ações superficiais quando se trata do cuidado ao paciente cardiológico, não possuindo ligação com os DE apresentados.

Também se destaca uma lacuna no registro da avaliação clínica do enfermeiro, assim como, na aplicação das etapas de DE e IE do PE, no contexto do atendimento em unidades de emergência cardiológica. Sugere-se a realização de novos estudos, com maior aprofundamento e possibilitando qualificar os profissionais acerca da implementação da SAE e do PE.

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Recebido em: 30/09/2021

Aceito em: 15/09/2022

Publicado em: 24/10/2022



[1] Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Florianópolis, Santa Catarina (SC). Brasil (BR). E-mail: michellygas3@hotmail.com ORCID: http://orcid.org/0000-0002-4934-0036

[2] Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Florianópolis, Santa Catarina (SC). Brasil (BR).  E-mail: danielelazza@gmail.com ORCID: http://orcid.org/0000-0003-1788-866X

[3] Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH). Hospital Universitário Professor Polydoro Ernani de São Thiago da Universidade Federal de Santa Catarina (HU/UFSC). E-mail: camilavicente.enf@gmail.com ORCID: http://orcid.org/0000-0003-1918-0681

[4] Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Florianópolis, Santa Catarina (SC). Brasil (BR). E-mail: cintiaiaraoliveira@gmail.com ORCID: http://orcid.org/0000-0002-5777-0394

[5] Instituto de Cardiologia de Santa Catarina (ICSC). Florianópolis, Santa Catarina (SC). Brasil (BR). E-mail: liziane.floripa@gmail.com ORCID: http://orcid.org/0000-0001-7878-662X

[6] Instituto de Cardiologia de Santa Catarina (ICSC). Florianópolis, Santa Catarina (SC). Brasil (BR). E-mail: anapmairesse@yahoo.com.br ORCID: http://orcid.org/0000-0002-3020-1423

 

Como citar: Miranda M, Lazzari DD, Vicente C, Oliveira CI, Boff LCG, Mairesse AP. Registros de enfermagem em uma emergência cardiológica: características, diagnósticos e intervenções de enfermagem. J. nurs. health. 2022;12(2):e2212221815. Disponível em: https://doi.org/10.15210/jonah.v12i2.3497