CHAMADA PARA A VIGÉSIMA OITAVA EDIÇÃO DA REVISTA PIXO
2024-03-01
A PIXO – Revista de Arquitetura, Cidade e Contemporaneidade, torna pública a chamada para a sua 28ª edição com a temática “OKUPAS”.
“Ocupação: substantivo feminino. 1. ato de apoderar-se de algo ou invadir uma propriedade”. Eis aqui a primeira definição que o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa dá para a palavra “ocupação”.
A ênfase conjunta e articulada que, já em sua primeira definição, Houaiss dá a “ocupação” como (1) ato de apoderar-se de algo ou (2) ato de invadir uma propriedade pode ser chocante, mas é tudo menos surpreendente.
Como todos nós sabemos, O Brasil é um país onde historicamente as ocupações ou são tidas como legítimos atos de apoderamento de terras alheias (a começar pelo apoderamento, já no século XVI, dos territórios ancestralmente ocupados dos nossos povos originários), ou então como invasões criminosas de propriedades (na verdade, de apropriações) consideradas desde sempre como legítimas.
Entre tantas outras ocorrências, isso fica evidente num dos mais importantes documentos da história da arquitetura e do urbanismo brasileiros: o famoso Memorial Justificativo do Plano Piloto de Brasília. Nele, Lucio Costa se sente muito à vontade para afirmar, já de saída, que seu projeto para a nova capital do Brasil (de um Brasil, finalmente “moderno”) “nasceu do gesto primário de quem assinala um lugar ou dele toma posse: dois eixos cruzando-se em ângulo reto, ou seja, o próprio sinal da cruz”.
Entre a nossa Primeira Missa, realizada em 26 de abril de 1500 e o gesto primário de Lucio Costa, muita coisa mudou no Brasil; dentre as coisas que não mudaram, uma se destaca: no Brasil (antigo e moderno), quem tem poder, se apodera, que não tem, invade.
Não é incidental, nesse sentido, que dentre as ações políticas de resistência e confrontação colocadas em prática no Brasil nas últimas décadas, uma se destaca: as ocupações.
Longe de ser um fenômeno homogêneo, essas ocupações ocorrem em espaços e circunstâncias diversas; e mesmo seu perfil e propósito declarado podem ser muito diferentes. Ocupa MinC, por exemplo, foi uma das ocupações mais notórias ocorridas durante o golpe parlamentar que resultou no impeachment da presidenta Dilma Rousseff. Seu objetivo não era prover moradia para aqueles que ali se encontravam. Tratava-se antes de ocupar um espaço que, com o golpe de 2016, havia sido apoderado. De um lado, os ocupantes, de outros – sempre eles – os apoderadores.
Outra modalidade que ganhou imenso protagonismos ao longo das últimas décadas foram as chamadas okupas. Por regra, são ocupações de edifícios vazios, estrategicamente abandonados por seus “legítimos” proprietários. Embora tenham como primeiro propósito o provimento de moradia para populações à procura de teto e de melhores condições de moradia, as okupas não se restringem a esse primeiro aspecto. São, também, espaços onde uma vida comunitária e colaborativa alternativa é posta em prática e ensaiada. É também nesse sentido que as okupas são políticas: ali se ensaiam outras dinâmicas comunitárias, alheias muitas vezes ao morar convencional, cujo modelo segue sendo a família pequeno burguesa, com seus hábitos e divisões espaciais pré-estabelecidas.
As okupas são políticas também nesse sentido: ali tem lugar uma política do corpo e dos corpos – de corpos em aliança que ocupam quanto são ocupados por aqueles espaços e seus atributos muitas vezes desconcertantes.
E é nesse sentido também que as inúmeras modalidades atuais de ocupação e de okupas se aproximam daquele que talvez se constitua num dos mais potentes verbos de ação performados pela chamada arte contemporânea: justamente o verbo ocupar.
De fato, se há um verbo que personifica um dos modos mais desconcertantes de ação política contemporânea, este verbo é ocupar. Mas, como muitxs artistas perceberam, tanto quanto a ocupação física/corporal dos espaços físicos (o Parque Zuccotti, a Praça Taksim, o Palácio Gustavo Capanema), o espaço a ser ocupado – a ser parasitado, contaminado, inapropriado – hoje é também o discurso.
Foi de fato isso o que uma infinidade de artistas fez a partir dos anos de 1960. Elxs ocuparam performativamente os espaços discursivos da arte e sua constelação de categorias e conceitos operativos – o espaço discursivo da “pintura”, o espaço discursivo da “escultura” – o espaço da “obra”, da “criação”, do “autor”, da “exposição”, do “museu”, do “site”, da “crítica” e todos os espaços que, como elxs bem perceberam, são espaços-mundos de ação e de (uma outra) política.
Em que medida e como, exatamente, os inúmeros atos de ocupação colocados em prática hoje (nos espaços da moradia, da cidade, da arte) são políticos? Como eles expandem os conceitos convencionais do que costumamos chamar, muitas vezes de modo limitador, de “ação política”? Que tipos alternativos de ocupação e de okupas são hoje performados, dentro e fora do Brasil? Seria possível afirmar que, em última instância, as okupas são também uma ocupação discursiva daquilo que, nos termos da ordem do discurso, é sempre considerado impróprio, ilegal, criminoso?
Estas são algumas das perguntas que seguem hoje em aberto, e que servem de mote para esta edição de PIXO.
A submissão de trabalhos, necessariamente inéditos, deverá ser feita pelo sistema https://revistas.ufpel.edu.br/index.php/pixo/index, cadastrando-se como autor, entre os dias 17 de julho de 2023 e 23 de outubro de 2023. A edição temática “OKUPAS” é dirigida pelo Prof. Dr. Otávio Leonídio.