No decorrer do século XX, o trabalho foi considerado como uma categoria de análise de extrema relevância, às vezes tendo uma centralidade societária em termos ontológicos e em outras mostrando sua pertinência específica como categoria histórica das sociedades capitalistas, tanto avançadas como menos desenvolvidas.No final da segunda década do século XXI, tal categoria continua se mostrando como um elemento referencial de constituição das sociedades contemporâneas. De fato, nas últimas décadas, diversas categorias têm sido mobilizadas para interpretar as mutações das sociedades em geral, tendo o trabalho como referência, tais como as de flexibilização, precarização e terceirização. Por sua vez, assistimos atualmente no nível nacional e mundial, a novas reconfigurações do mundo do trabalho, nas quais as forças capitalistas alavancadas pelos governos nacionais (tanto nos países capitalistas centrais quanto periféricos) conseguem impor propostas de maior flexibilização das relações de trabalho em que se combinam, de forma diversa, desregulamentação, externalizações e precarização.Nesse contexto, os estudos etnográficos emergem como uma potente ferramenta analítica e metodológica para se repensar o trabalho, permitindo elaborar novas categorias de análise, estudar de forma aprofundada as reconfigurações do trabalho e, principalmente, captar o ponto de vista dos trabalhadores.O presente dossiê reune diferentes pesquisas nacionais e internacionais que enfocam o trabalho desde a abordagem etnográfica, olhando de perto a experiência de vida dos próprios trabalhadores e dando novos insumos para interpretar as sociedades contemporâneas.
Nesse dossiê, organizado pela Profª Luciana Garcia Mello – UFRGS e pelo Profº Marcus Vinícius Spolle - PPGS/UFPEL, professores e pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande Sul (UFRGS) e da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), destaca-se a diversidade de temas em trabalhos que abordam questões relativas à dinâmica das relações raciais na sociedade brasileira, bem como casos argentinos.
Esse dossiê contém artigos que trabalham com as teorias em interseccionalidades para analisar as mídias e as formas contemporâneas de sexualidade. Os textos que seguem se caracterizam por fazer não apenas isso, mas por trazerem a contribuição de pesquisas que lidam com mídias para analisar aspectos centrais nas relações sociais, como as dimensões da intimidade, afetos, representações, em formas dissidentes à heteronormatividade, a partir de personagens que desafiam, inclusive, os modos como pensamos as relações de poder a partir da influência das mídias.
Os artigos deste dossiê estão organizados sob a temática dos estudos sociais da ciência e da tecnologia - ESCT. A composição deste conjunto de artigos na revista Novos Rumos Sociológicos - NORUS nasceu de discussões suscitadas por problemas conceituais e metodológicos das relações entre as ciências sociais e a produção científica e tecnológica durante o III Encontro Internacional de Ciências Sociais – III EICS, realizado em Pelotas, RS, Brasil. A importância de tais estudos se dá pela influência que a tecnologia e a informação científica têm em todas as instâncias da vida contemporânea, de forma a praticamente não se fazer mais desembaraçada das formas de ação diária. E, por isso, não se sentir presente na rotina das pessoas (a não ser quando de panes técnicas), justamente por sua ubiquidade. Cada vez mais as mediações entre pessoas e coisas passam necessariamente por um curso regular de ações e ajustes tecnológicos, implicando, pelo lado das ciências sociais, em pensar soluções teóricas sobre distinções entre formas de ação da clássica divisão sujeito/objeto, a existência arbitrária do ponto de ruptura da diferenciação de saberes, as relações entre ativismo e posições científicas, as sensações e percepções decorrentes de novas realidades técnicas e como isso segmenta áreas disciplinares da ciência.
Nota dos Editores da NORUS Esta edição de lançamento da revista NORUS – Novos Rumos Sociológicos – é mais um esforço de consolidação do Programa de Pós-Graduação (PPGS) em Sociologia, da Universidade Federal de Pelotas. Trata-se de um momento muito especial, para o Programa, pois estamos concretizando o objetivo de construção de um periódico de difusão de conhecimentos produzidos nos âmbitos nacional e internacional. O primeiro número inclui o Dossiê de Sociologia Econômica e das Finanças, organizado pelas pesquisadoras Marina de Souza Sartore (UFG) e Elaine da Silveira Leite(UFPel), além de artigos diversos da grande área das ciências sociais, em especial, da sociologia. Sua vocação dupla, para receber contribuições nacionais e estrangeiras e para divulgar pesquisas em áreas atuais, do conhecimento científico-social, constitui um destaque da política editorial que a NORUS pretende dar continuidade em cada número.Essa edição apresenta artigos de Michèle Lamont; Géssika Cécilia Carvalho; Marcela Purini Belem e Julio César Donadone; Davide Carbonai, Vinicius de Lara Ribas e Ronaldo Colvero; Deyanira Almazán; e Moisés Kopper, que compõem o Dossiê de Sociologia Econômica e das Finanças. O Dossiê é complementado por uma resenha do professor Roberto Grün da obra “The Oxford Handbook of the Sociology of Finance”, de 2012. Além disso, temos a tradução do primeiro capítulo do livro “Teoría y Métodos de la Investigación Social”, obra clássica de referência no ensino de metodologia na América Latina, do sociólogo norueguês Johan Galtung; a transcrição da aula inaugural proferida pelo sociólogo uruguaio Marcos Supervielle no PPGS (UFPel), em 2011; e os artigos “Política e desenvolvimento no Brasil: a experiência do setor automotivo nos anos 1990” de José Carlos Martines Belieiro Júnior e “Uma análise do sistema de educação superior baseada na teoria dos sistemas sociais: o caso do Rio Grande do Sul” de Leandro Raizer.Agradecemos aos autores que confiaram na proposta acadêmica do periódico recém-criado, ao nosso Conselho Editorial, a todos os nossos colaboradores e, principalmente, aos pareceristas, que foram fundamentais para garantir a autenticidade e a rigorosidade acadêmica que a NORUS almeja, desde seu nascimento, levar adiante.Agradecemos também o apoio da Universidade Federal de Pelotas e da equipe editorial que colaborou na confecção desta edição. Desejamos uma boa leitura! Pedro RoberttElaine da Silveira Leite
Em seus primórdios, a teoria crítica de matriz frankfurtiana e o pragmatismo norte americano foram muito pouco interessados um no outro. Ainda que ambos tenham como pano de fundo a história filosófica do idealismo alemão, de Kant e de Hegel, prevaleceu o desinteresse ou a crítica aberta e, talvez, uma boa dose de mal-entendidos. Quando se vê em retrospectiva, há, no entanto, um solo comum no que diz respeito a questões epistemológicas e teóricas, em especial, na crítica ao cartesianismo e ao positivismo, no interesse em vincular a crítica teórica a uma prática social transformadora ou mesmo na delicada relação entre a interpretação de tendências de desenvolvimento históricas imanentes e a imaginação transcendente criadora. Guardadas as diferenças, é possível pensar que as tensões que separam os trabalhos hoje clássicos de C. S. Peirce, William James, John Dewey e G. H. Mead, dos escritos de T. W. Adorno, Max Horkheimer e Herbert Marcuse, também permitem um amplo espaço de diálogo e colaboração, que vem sendo trilhado em busca de novos desenvolvimentos no campo da teoria social e política.
A mudança na atitude recíproca deve-se em boa medida à recepção de Karl-Otto Apel e Jürgen Habermas, ainda na década de 1960, ao trabalho de Peirce, favorecendo um debate mais amplo sobre a contribuição pragmatista à filosofia alemã. Na década seguinte, a crítica de Habermas às filosofias da consciência, ao fundacionalismo epistemológico, bem como sua recepção da teoria da intersubjetividade em Mead, criaram um amplo espaço de colaboração e debate entre os dois campos teóricos. Seus debates com Richard Bernstein e depois com Richard Rorty sobre a importância da linguagem e da democracia são um ponto alto dessa história. O interesse crescente da teoria crítica no tema da democracia e em diminuir a distância entre a crítica teórica e as múltiplas formas de prática ou de ação crítica motivou e ainda motiva outro conjunto amplo de discussões, envolvendo outros atores. O ramo francês do pragmatismo, cuja história difere da norte-americana, tem nesse tema especial importância, a partir da contribuição de Luc Boltanski e Laurent Thévenot. Na Alemanha, Axel Honneth é parte importante desse debate, por seu diálogo com os franceses, por sua apropriação de Mead em Luta por reconhecimento e por seu trabalho com os temas da democracia e da cooperação a partir de John Dewey.
Mais recentemente, o interesse tem se renovado nos estudos de Rahel Jaeggi, Rainer Forst ou Robin Celikates, que exploram aspectos distintos das relações entre crítica, justificação, práticas sociais e formas de aprendizado social para pensar as dinâmicas políticas e culturais das crises e mudanças sociais contemporâneas. Por outro lado, tendo em vista a crise ecológica, tem ocorrido esforços no sentido de articular contribuições da teoria crítica e do pragmatismo que desenvolvem a perspectiva hegeliana sobre a “segunda natureza” no sentido de conceber um “naturalismo crítico” (cf. proposta recente de Federica Gregoratto, Heikki Ikäheimo, Emmanuel Renault, Arvi Särkelä e Italo Testa) que leve em conta a dimensão natural no âmbito da ontologia social.
Há também aproximações no que diz respeito ao debate metodológico, especialmente com a centralidade que a noção de “reconstrução” ocupa na elaboração de teorias críticas que trabalham com elementos imanentes e transcendentes em sua estratégia de investigação e de justificação. Teorias reconstrutivas procuram identificar potenciais de transformação e aprendizado existentes nas práticas sociais que encontram-se obstruídos ou reprimidos em conjunturas institucionais e históricas determinadas.
O dossiê que propomos pretende discutir as tensões e as possibilidades abertas pelo diálogo entre as duas grandes tradições no campo da teoria social e política. Após um caminho já significativo, podemos nos perguntar em que medida essa combinação seria capaz de orientar um programa de pesquisa mais amplo e consistente para a compreensão de problemas do presente.
Queremos entender como a exploração conjunta dessas linhagens nos ajuda a entender questões tais como:
- quais os pontos de apoio filosóficos e metodológicos de uma teoria crítica da sociedade?
- quais as relações entre as capacidades críticas de agentes e movimentos sociais e as ambições teóricas e sistemáticas de cientistas sociais e filósofos?
- qual o potencial transformativo de práticas e experiências críticas em domínios sociais diversos, tais como a arte, a política, o trabalho ou a ciência?
- que vantagens comparativas, impasses e/ou fertilizações mútuas podem ser trabalhadas a partir dessas duas grandes tradições?
- de que forma conceber a relação entre natureza e sociedade no quadro de formas de vida? Isto é, entre necessidades, impulsos e forças ou agências naturais, de um lado, e práticas, normas e processos sócio-culturais de outro?
Aceitaremos artigos que trabalhem essas questões a partir de estudos teóricos apoiados na bibliografia existente e/ou em objetos empíricos, que venham de inscrições disciplinares na sociologia e na filosofia, bem como no campo mais amplo das Humanidades.
Os artigos serão selecionados a partir do envio de um resumo expandido (até 1500 palavras) que deve conter obrigatoriamente o problema de investigação, o argumento proposto e as principais referências bibliográficas. Após a aprovação das propostas, os trabalhos completos serão submetidos normalmente ao processo de revisão por pares, de acordo com o calendário a seguir.