v. 6 n. 9 (2018): Dossiê Etnografias sociológicas de um mundo do trabalho reconfigurado
No decorrer do século XX, o trabalho foi considerado como uma categoria de análise de extrema relevância, às vezes tendo uma centralidade societária em termos ontológicos e em outras mostrando sua pertinência específica como categoria histórica das sociedades capitalistas, tanto avançadas como menos desenvolvidas.No final da segunda década do século XXI, tal categoria continua se mostrando como um elemento referencial de constituição das sociedades contemporâneas. De fato, nas últimas décadas, diversas categorias têm sido mobilizadas para interpretar as mutações das sociedades em geral, tendo o trabalho como referência, tais como as de flexibilização, precarização e terceirização. Por sua vez, assistimos atualmente no nível nacional e mundial, a novas reconfigurações do mundo do trabalho, nas quais as forças capitalistas alavancadas pelos governos nacionais (tanto nos países capitalistas centrais quanto periféricos) conseguem impor propostas de maior flexibilização das relações de trabalho em que se combinam, de forma diversa, desregulamentação, externalizações e precarização.Nesse contexto, os estudos etnográficos emergem como uma potente ferramenta analítica e metodológica para se repensar o trabalho, permitindo elaborar novas categorias de análise, estudar de forma aprofundada as reconfigurações do trabalho e, principalmente, captar o ponto de vista dos trabalhadores.O presente dossiê reune diferentes pesquisas nacionais e internacionais que enfocam o trabalho desde a abordagem etnográfica, olhando de perto a experiência de vida dos próprios trabalhadores e dando novos insumos para interpretar as sociedades contemporâneas.
Em seus primórdios, a teoria crítica de matriz frankfurtiana e o pragmatismo norte americano foram muito pouco interessados um no outro. Ainda que ambos tenham como pano de fundo a história filosófica do idealismo alemão, de Kant e de Hegel, prevaleceu o desinteresse ou a crítica aberta e, talvez, uma boa dose de mal-entendidos. Quando se vê em retrospectiva, há, no entanto, um solo comum no que diz respeito a questões epistemológicas e teóricas, em especial, na crítica ao cartesianismo e ao positivismo, no interesse em vincular a crítica teórica a uma prática social transformadora ou mesmo na delicada relação entre a interpretação de tendências de desenvolvimento históricas imanentes e a imaginação transcendente criadora. Guardadas as diferenças, é possível pensar que as tensões que separam os trabalhos hoje clássicos de C. S. Peirce, William James, John Dewey e G. H. Mead, dos escritos de T. W. Adorno, Max Horkheimer e Herbert Marcuse, também permitem um amplo espaço de diálogo e colaboração, que vem sendo trilhado em busca de novos desenvolvimentos no campo da teoria social e política.
A mudança na atitude recíproca deve-se em boa medida à recepção de Karl-Otto Apel e Jürgen Habermas, ainda na década de 1960, ao trabalho de Peirce, favorecendo um debate mais amplo sobre a contribuição pragmatista à filosofia alemã. Na década seguinte, a crítica de Habermas às filosofias da consciência, ao fundacionalismo epistemológico, bem como sua recepção da teoria da intersubjetividade em Mead, criaram um amplo espaço de colaboração e debate entre os dois campos teóricos. Seus debates com Richard Bernstein e depois com Richard Rorty sobre a importância da linguagem e da democracia são um ponto alto dessa história. O interesse crescente da teoria crítica no tema da democracia e em diminuir a distância entre a crítica teórica e as múltiplas formas de prática ou de ação crítica motivou e ainda motiva outro conjunto amplo de discussões, envolvendo outros atores. O ramo francês do pragmatismo, cuja história difere da norte-americana, tem nesse tema especial importância, a partir da contribuição de Luc Boltanski e Laurent Thévenot. Na Alemanha, Axel Honneth é parte importante desse debate, por seu diálogo com os franceses, por sua apropriação de Mead em Luta por reconhecimento e por seu trabalho com os temas da democracia e da cooperação a partir de John Dewey.
Mais recentemente, o interesse tem se renovado nos estudos de Rahel Jaeggi, Rainer Forst ou Robin Celikates, que exploram aspectos distintos das relações entre crítica, justificação, práticas sociais e formas de aprendizado social para pensar as dinâmicas políticas e culturais das crises e mudanças sociais contemporâneas. Por outro lado, tendo em vista a crise ecológica, tem ocorrido esforços no sentido de articular contribuições da teoria crítica e do pragmatismo que desenvolvem a perspectiva hegeliana sobre a “segunda natureza” no sentido de conceber um “naturalismo crítico” (cf. proposta recente de Federica Gregoratto, Heikki Ikäheimo, Emmanuel Renault, Arvi Särkelä e Italo Testa) que leve em conta a dimensão natural no âmbito da ontologia social.
Há também aproximações no que diz respeito ao debate metodológico, especialmente com a centralidade que a noção de “reconstrução” ocupa na elaboração de teorias críticas que trabalham com elementos imanentes e transcendentes em sua estratégia de investigação e de justificação. Teorias reconstrutivas procuram identificar potenciais de transformação e aprendizado existentes nas práticas sociais que encontram-se obstruídos ou reprimidos em conjunturas institucionais e históricas determinadas.
O dossiê que propomos pretende discutir as tensões e as possibilidades abertas pelo diálogo entre as duas grandes tradições no campo da teoria social e política. Após um caminho já significativo, podemos nos perguntar em que medida essa combinação seria capaz de orientar um programa de pesquisa mais amplo e consistente para a compreensão de problemas do presente.
Queremos entender como a exploração conjunta dessas linhagens nos ajuda a entender questões tais como:
- quais os pontos de apoio filosóficos e metodológicos de uma teoria crítica da sociedade?
- quais as relações entre as capacidades críticas de agentes e movimentos sociais e as ambições teóricas e sistemáticas de cientistas sociais e filósofos?
- qual o potencial transformativo de práticas e experiências críticas em domínios sociais diversos, tais como a arte, a política, o trabalho ou a ciência?
- que vantagens comparativas, impasses e/ou fertilizações mútuas podem ser trabalhadas a partir dessas duas grandes tradições?
- de que forma conceber a relação entre natureza e sociedade no quadro de formas de vida? Isto é, entre necessidades, impulsos e forças ou agências naturais, de um lado, e práticas, normas e processos sócio-culturais de outro?
Aceitaremos artigos que trabalhem essas questões a partir de estudos teóricos apoiados na bibliografia existente e/ou em objetos empíricos, que venham de inscrições disciplinares na sociologia e na filosofia, bem como no campo mais amplo das Humanidades.
Os artigos serão selecionados a partir do envio de um resumo expandido (até 1500 palavras) que deve conter obrigatoriamente o problema de investigação, o argumento proposto e as principais referências bibliográficas. Após a aprovação das propostas, os trabalhos completos serão submetidos normalmente ao processo de revisão por pares, de acordo com o calendário a seguir.