VALA DE PERUS COMO TRAUMA CULTURAL

MEMÓRIA COLETIVA, PERFORMANCES CULTURAIS E MOVIMENTOS SOCIAIS

Palavras-chave: Memória coletiva, Sociologia cultural, Ditadura Civil-Militar, Partido dos Trabalhadores, Vala de Perus

Resumo

Como a memória coletiva em torno da Vala de Perus é apropriada pelos movimentos sociais, como a militância petista paulistana e os familiares de desaparecidos? Com base na lente teórica da sociologia cultural e da memória, e por meio de incursões etnográficas no Cemitério Dom Bosco e na Câmara Municipal de São Paulo em 2023, verificamos que a Vala de Perus figura um trauma cultural, construindo uma ponte transgeracional pela luta por memória, verdade e justiça entre militantes mais idosos e mais jovens. Valendo-se das performances culturais como operador analítico, o evento adquire propriedades de ritual, produzindo uma experiência comum entre os participantes para se entenderem e se reconfigurarem como grupo. A eficácia do ritual é posta à prova pelas falas dissonantes de pessoas presentes no evento, associadas às suas origens sociais, demonstrando um perfil específico das mortes rememoradas. Tal fato se torna um indicador relevante das disputas constantes pela identidade do Partido e dos familiares.

Biografia do Autor

Guilherme Olímpio Fagundes, Universidade de São Paulo
Mestrando pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. Possui bacharel em Ciências Sociais (2023) pela USP. É pesquisador associado ao Centro de Inteligência Artificial (C4AI-USP) e pesquisador colaborador dos grupos Sociologia Digital & Inteligência Artificial e MTTM: Mobilidades: Teoria, Temas e Métodos.
Guilherme Tannus Guerra Silva, Universidade de São Paulo
Bacharelando em Ciências Sociais pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. É bolsista de iniciação científica junto ao Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV-USP).
Glória Maria de Carvalho, Universidade de São Paulo
Graduanda em Ciências Sociais pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP), foi bolsista de iniciação científica no Departamento de Sociologia e no Centro de Inteligência Artificial da mesma instituição e é pesquisadora do grupo Sociologia Digital & Inteligência Artificial.

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Publicado
2024-07-19