Água, floresta, animais, plantas e frutos, “tudo tem dono”, tudo tem espírito ma'aiwa wazar. Agrobiodiversidadedos quintais tentehar, aldeia Olho D’água, Grajaú, Maranhão, Brasil

  • Neusani Oliveira Ives Felix UFMA
  • Anael Souza Nascimento Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia
  • Luiza Nakayama UFPA
  • Flávio Bezerra Barros UFPA
Palavras-chave: PALAVRAS-CHAVE: agrobiodiversidade; conhecimentos tradicionais ecológicos; encantados; interespécies.

Resumo

Este artigo apresenta a etnovariedade de cultivares-finalidades, modos de preparo e de usos-, bem como, os aspectos cosmológicos em torno do manejo do quintal e dos seres que o povoam. No percurso metodológico utilizamos a observação participante, caderno de campo, entrevistas semiestruturadas e abertas e a turnê guiada com lista livre. Conduzimos o estudo com 10 mulheres donas de quintais na Aldeia Olho D’Água, Terra indígena Bacurizinho, Grajaú, Maranhão. O conjunto de etnovariedade de cultivares elencado neste trabalho revela os saberes Tentehar sobre as plantas, sobre o sistema de tratamento de suas enfermidades e sobre seus sistemas alimentares, e, certa dependência desse grupo com os agrossistemas ao seu entorno, bem como, a expertise técnica e especializada no que se refere aos conhecimentos tradicionais ecológicos. Os quintais são lugares de múltiplas interações entre as interespécies visíveis e não visíveis, em um continuum humanos e não-humanos, pois entre os Tentehar tudo tem dono, as plantas têm donos, têm seus encantados (Ma'aiwa wazar), que têm condutas próprias e influenciam no modo de agir daqueles que interagem com eles. A multifuncionalidade dos quintais Tentehar aparece ora como parte de um sistema de reprodução sociocultural, ora como um modo particular de manutenção de uma variedade de plantas; ora como promotora de segurança alimentar e de saúde.  

Downloads

Não há dados estatísticos.

Biografia do Autor

Neusani Oliveira Ives Felix, UFMA
Professora efetiva da Universidade Federal do Maranhão/UFMA; Doutora em Antropologia Social pela Universidade Federal do Pará - UFPA; Mestre em Educação pela Universidade Federal do Pará - UFPA (2012 - 2014); Especialista em Educação, Pobreza e Desigualdade Social UFMA (2017)/Gestão de Políticas Públicas em Gênero e Raça UFMA/NEAD (2013) e Administração e Supervisão Escolar pela UNIFIA/Centro Universitário Amparense (2007). Licenciada em Pedagogia pela Universidade Federal do Tocantins - UFT (2006) e, em Educação Física pela Universidade Federal do Maranhão UFMA (2013); realizou curso de aperfeiçoamento em Gestão da Educação Pública pela Universidade Federal de Juiz de Fora/ UFJF (2010); Foi bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa e ao Desenvolv. Científico e Tecnológico (FAPEMA) e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES); Atuação na docência do ensino superior desde 2009; 04 anos de experiência na docência da educação básica e 08 anos na coordenação pedagógica de escolas públicas. Coordena o projeto de pesquisa intitulado: Quintais produtivos e sua relação com o acesso a alimentos saudáveis: município de Grajaú-MA e o projeto de extensão intitulado, A Biblioteca como espaço de interculturalidade. Participa do Grupo de Pesquisa em Ciências Naturais e Biotecnologia - CIENATEC/UFMA/CNGR e do Grupo de Estudos Interdisciplinares sobre Biodiversidade, Sociedade e Educação na Amazônia (BioSE/INEAF/UFPA).
Anael Souza Nascimento, Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia
Doutora e Mestre em Agriculturas Familiares e Desenvolvimento Sustentável pelo Programa de Pós Graduação em Agriculturas Amazônicas (PPGAA) no Instituto Amazônico de Agriculturas Familiares (INEAF/UFPA). É membro do Grupo de Estudos Interdisciplinares sobre Biodiversidade, Sociedade e Educação na Amazônia - BioSE/CNPq sob liderança do Prof. Dr. Flávio Bezerra Barros. Meus temas de pesquisa se configuram em: Etnoecologia, Sociobiodiversidade, Antropologia da alimentação, Relação Sociedade e Natureza e Povos e Comunidades Tradicionais. Engenheira Ambiental pela Universidade do Estado do Pará (2018). Foi monitora do Laboratório de Qualidade Ambiental no município de Paragominas. Tem experiência na área de gestão ambiental e sustentabilidade e na criação de Relatórios de Impacto Ambiental/RIAA.
Luiza Nakayama, UFPA
Professora Titular Aposentada e Voluntária da Universidade Federal do Pará. Chefe do Laboratório de Biologia de Organismos Aquáticos (LABIO). Coordenadora da Sala Verde Pororoca, CEABIO-UFPA e participante do GEAMAZ-UFPA.
Flávio Bezerra Barros, UFPA
Graduado em Licenciatura em Ciências Biológicas pela Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE, 2000), Mestre em Ciências Biológicas (Zoologia) pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB, 2002) e Doutor em Biologia da Conservação (2011) pela Universidade de Lisboa, Portugal. Professor associado do Instituto Amazônico de Agriculturas Familiares (INEAF) da Universidade Federal do Pará (UFPA). Docente-pesquisador nos Programas de Pós-Graduação em Agriculturas Amazônicas (INEAF-UFPA) e Antropologia (IFCH-UFPA), tendo sido coordenador no primeiro (2012-2015). Participa ainda como professor permanente no Programa de Pós-Graduação em Ciências Ambientais da Universidade do Estado de Mato Grosso (UNEMAT). Editor-chefe (junto a William Assis, Gutemberg Guerra e Angela May Steward) da Revista Agricultura Familiar: Pesquisa, Formação e Desenvolvimento, da UFPA. Membro da Sociedade Brasileira de Etnobiologia e Etnoecologia (SBEE), tendo sido presidente no período entre 2018-2022. Membro efetivo, da Associação Brasileira de Antropologia (ABA), e da International Society of Ethnobiology (ISE) e da Associação Latino-Americana de Etnobiologia (SOLAE). Atuou como consultor da FAO/ONU para os Diálogos Amazônicos/Cúpula da Amazônia, ocorrido entre 4 e 6 de agosto de 2023, em Belém/PA. Tem experiência em ensino, pesquisa, extensão em área interdisciplinar, com enfoque nos seguintes temas: Etnobiologia e Etnoecologia, Antropologia Rural, Antropologia da Alimentação; Cultura Alimentar; Antropologia do Ambiente, Relação Sociedade e Natureza, Reservas Extrativistas, Povos e Comunidades Tradicionais e Educação do Campo.

Referências

ALBUQUERQUE, U. P. de; LUCENA, R. F. P. de; CUNHA, L. V. F. C. Métodos e técnicas de coleta de dados etnobiológicos. In: Métodos e técnicas na pesquisa etnobiológica e etnoecológica. Recife: NUPPEA, 2010. p. 41-64.

ALMEIDA, L. S. de; GAMA, J. R. V. Quintais agroflorestais: estrutura, composição florística e aspectos socioambientais em área de assentamento rural na Amazônia brasileira. Ciência Florestal, Santa Maria, v. 24, n. 4, p. 1041-1053, 2014. DOI: https://doi.org/10.5902/1980509816617

ALMEIDA, R. H. O diretório dos índios: um projeto de civilização no Brasil do século XVIII. Brasília: UnB, 1997.

AMARAL, C. N. Multifuncionalidade e etnoecologia dos quintais de agricultores tradicionais da baixada Cuiabana: Agrobiodiversidade e segurança alimentar. 2014. Tese (Doutorado em Desenvolvimento Rural) - Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Rural, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2014.

AMOROZO, M. C. de M. Agricultura tradicional, espaços de resistência e o prazer de plantar. In: ALBUQUERQUE, U. P. de. et al. Atualidades em etnobiologia e etnoecologia. Recife: Sociedade Brasileira de Etnobiologia e Etnoecologia, 2002. p. 123-131.

CARL; HARRISON, C. Dicionário Guajajara-Português. Anápolis: Associação Internacional de Linguística SIL – Brasil, 2013. Disponível em: . Acesso em: 15 abr. 2020.

CUNHA, C. Língua, Nação, Alienação. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980.

DESCOLA, P. Ecologia e Cosmologia. In: CASTRO, E.; PINTO, F. (Orgs.). Faces do trópico úmido: conceitos e questões sobre o desenvolvimento e meio ambiente. Belém: UFPA/NAEA, 1997. p. 243-261.

EMPERAIRE, L.; ELOY, L. A cidade, um foco de diversidade agrícola no Rio Negro (Amazonas, Brasil)? Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, v. 3, n. 2, p. 195-211, 2008. DOI: https://doi.org/10.1590/S1981-81222008000200005

FERREIRA, T. B.; SABLAYROLLES, M. G. P. Quintais agroflorestais como fontes de saúde: plantas medicinais na comunidade de Vila Franca, Reserva Extrativista Tapajós-Arapiuns, Pará. Revista Brasileira de Agroecologia, v. 4, n. 2, p. 3159-3162, 2009.

GOMES, M. P. O índio na história: o povo Tenetehara em busca da liberdade. Petrópolis: Vozes, 2002. 631p.

GONÇALVES, R. C.; LISBOA, T. K. Sobre o método da história oral em sua modalidade trajetórias de vida. Revista katálysis, v. 10, p. 83-92, 2007. DOI: https://doi.org/10.1590/S1414-49802007000300009

INGOLD, T. The perception of the environment: essays on livelihood, dwelling and skill. Londres: Routledge, 2000.

LATOUR, B. Jamais fomos modernos: ensaios de antropologia simétrica. 4. ed. Trad. Carlos Irineu da Costa. São Paulo: Editora 34, 2019.

LIMA, A. G. M. de. Etnografia das roças Krahô: a vida sócio-ritual das plantas e a estética da diversidade. In: LIMA, A. G. M. de; SCARAMUZZI, I.; OLIVEIRA, J. C. de; SANTONIERI, L.; CAMPOS, M. A. de A.; CARDOSO, T. M. Práticas e saberes sobre a agrobiodiversidade: a contribuição de povos tradicionais. IEB Mil Folhas, 2018. p. 155-180.

MEKONEN, T.; GIDAY, M.; KELBESSA, E. Ethnobotanical study of homegarden plants in Sebeta-Awas District of the Oromia Region of Ethiopia to assess use, species diversity and management practices. Journal of Ethnobiology and Ethnomedicine, v. 11, n. 64, p. 1-13, 2015. DOI: https://doi.org/10.1186/s13002-015-0049-8
MELATTI, J. C. Índios do Brasil. São Paulo: USP, 2007.

MOTA, D. M. da; SILIPRANDI, E.; PACHECO, M. E. L. Biodiversidade, cultura alimentar e agroecologia: reflexões sobre as contribuições das mulheres rurais para a soberania e segurança alimentar e nutricional. In: SOBERANIA ALIMENTAR: biodiversidade, cultura e relações de gênero. Brasília: Embrapa, 2021. Coleção Transição Agroecológica, v. 5. 391 p.

OLIVEIRA, R. C. de. O trabalho do antropólogo: olhar, ouvir, escrever. In: CARDOSO DE OLIVEIRA, R. (Org.). O Trabalho do Antropólogo. Brasília: Paralelo 15; São Paulo: Editora UNESP, 2000. p. 17-35.

PEIXOTO, L. B. L. A mulher e seu quintal, caminhadas por um universo mágico-místico-transformacional. Campos, v. 20, n. 1, 2019. DOI: https://doi.org/10.5380/cra.v20i1.70019.

QUEIROZ, M. I. P. Relatos Orais: Do ‘indizível’ ao ‘dizível’; Histórias de vida e depoimentos pessoais. In: LUCENA, C. T.; CAMPOS, M. C.; DEMARTINI, Z. B. (Orgs.). Pesquisa em Ciências Sociais: olhares de Maria Isaura P. de Queiroz. São Paulo: Textos CERU, 2008. p. 7-14; 35-98.

ROBERT, P.; GRACÉS, C. L.; LAQUES, A. E.; COELHO-FERREIRA, M. A beleza das roças: agrobiodiversidade Mebêngôkre-Kayapó em tempos de globalização. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, v. 7, n. 2, p. 339-369, 2012. DOI: https://doi.org/10.1590/S1981-81222012000200004.

RODRIGUES, A. D. Línguas brasileiras: para o conhecimento das línguas indígenas. São Paulo: Loyola, 1986.

SANTILLI, J. O reconhecimento de comidas, saberes e práticas alimentares como patrimônio cultural imaterial. Demetra, v. 10, n. 3, p. 585-606, 2015. DOI: https://doi.org/10.12957/demetra.2015.16054.

SILVA, J. P. da. Língua e inquisição no Brasil de Pombal. Rio de Janeiro: EdUEJ, s/d.

TEIXEIRA, R. D. “Todo lugar tem uma mãe: Sobre os filhos de Erepecuru”. Revista Anthropológicas, v. 17, n. 2, p. 117-146, 2006.

TROUCHE, L. M. G. O Marquês de Pombal e a implantação da língua portuguesa no Brasil. Reflexões sobre a proposta do Diretório de 1757. Disponível em: . Acesso em: 22 set. 2023.

TUAN, Yi-Fu. Espaço e lugar: a perspectiva da experiência. São Paulo: Difel, 1983.

VIVEIROS DE CASTRO, E. Perspectivismo e multinaturalismo na América indígena. O que nos faz pensar, v. 14, n. 18, p. 225-254, 2004.

WAWZYNIAK, J. V. “‘Engerar’: uma categoria cosmológica sobre pessoa, saúde e corpo”. Ilha, v. 5, n. 2, p. 33-55, 2003.

WOORTMANN, E. F. Da complementaridade à dependência: espaço, tempo e gênero em comunidades “pesqueiras” do Nordeste. Disponível em: . Acesso em: 10 nov. 2012.
Publicado
2025-06-16
Como Citar
Oliveira Ives Felix, N., Souza Nascimento, A., Nakayama, L., & Bezerra Barros, F. (2025). Água, floresta, animais, plantas e frutos, “tudo tem dono”, tudo tem espírito ma’aiwa wazar. Agrobiodiversidadedos quintais tentehar, aldeia Olho D’água, Grajaú, Maranhão, Brasil. Cadernos Do LEPAARQ (UFPEL), 22(43), 128-156. https://doi.org/10.15210/lepaarq.v22i43.28449
Seção
Dossiê Os fazeres arqueológicos em Unidades de Conservação