Água, floresta, animais, plantas e frutos, “tudo tem dono”, tudo tem espírito ma'aiwa wazar. Agrobiodiversidadedos quintais tentehar, aldeia Olho D’água, Grajaú, Maranhão, Brasil
Resumo
Este artigo apresenta a etnovariedade de cultivares-finalidades, modos de preparo e de usos-, bem como, os aspectos cosmológicos em torno do manejo do quintal e dos seres que o povoam. No percurso metodológico utilizamos a observação participante, caderno de campo, entrevistas semiestruturadas e abertas e a turnê guiada com lista livre. Conduzimos o estudo com 10 mulheres donas de quintais na Aldeia Olho D’Água, Terra indígena Bacurizinho, Grajaú, Maranhão. O conjunto de etnovariedade de cultivares elencado neste trabalho revela os saberes Tentehar sobre as plantas, sobre o sistema de tratamento de suas enfermidades e sobre seus sistemas alimentares, e, certa dependência desse grupo com os agrossistemas ao seu entorno, bem como, a expertise técnica e especializada no que se refere aos conhecimentos tradicionais ecológicos. Os quintais são lugares de múltiplas interações entre as interespécies visíveis e não visíveis, em um continuum humanos e não-humanos, pois entre os Tentehar tudo tem dono, as plantas têm donos, têm seus encantados (Ma'aiwa wazar), que têm condutas próprias e influenciam no modo de agir daqueles que interagem com eles. A multifuncionalidade dos quintais Tentehar aparece ora como parte de um sistema de reprodução sociocultural, ora como um modo particular de manutenção de uma variedade de plantas; ora como promotora de segurança alimentar e de saúde.Downloads
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