A RESPONSABILIZAÇÃO POR ABANDONO AFETIVO NO ÂMBITO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA E O JULGAMENTO COM PERSPECTIVA DE GÊNERO

Palavras-chave: Abandono afetivo, Julgamento com perspectiva de gênero, Estereótipos de gênero, Direito de família

Resumo

O presente artigo buscou examinar a existência de viés de gênero no julgamento de casos envolvendo pedido de indenização por danos morais decorrente de abandono afetivo parental. A pesquisa foi realizada a partir do exame bibliográfico sobre o tema, conjugado com uma análise quantitativa e qualitativa da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Inicialmente, o trabalho investiga as mudanças ocorridas na acepção de família na legislação brasileira e a crescente constituição de famílias monoparentais, para, posteriormente, delimitar o conceito de abandono afetivo. Partindo dessas premissas, apresenta-se um estudo dos acórdãos do STJ que discutem a possibilidade de responsabilização parental pela ocorrência desse fenômeno. Na sequência, o artigo discorre sobre o recente Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero, editado pelo Conselho Nacional de Justiça, destacando a necessidade de se adotar uma condução processual a partir das lentes de gênero no âmbito do Poder Judiciário. Finalmente, conclui-se pela necessidade de realização de julgamentos que adotem uma perspectiva de gênero, com a aplicação do referido Protocolo, nos casos que discutem sobre responsabilização por abandono afetivo, uma vez que as decisões do STJ ainda reproduzem estereótipos relacionados aos estereótipos e ao papel de cuidado atribuído à mulher na sociedade.

Biografia do Autor

Marina Amari, Universidade Federal do Paraná
Advogada. Mestre em Direito das Relações Sociais pela Universidade Federal do Paraná. Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Paraná.
Eloise Caruso Bertol, Universidade Federal do Paraná
Advogada. Graduada em Direito pela Universidade Federal do Paraná. Membro do Centro de Estudos da Constituição - CCONS/UFPR. 
Mariana Capaverde Keller, Universidade Federal do Paraná
Advogada. Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Paraná. Membro do Grupo de Pesquisa em Direito Civil-Constitucional - Virada de Copérnico (UFPR). 

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Publicado
2024-03-18