TROCA DE TRABALHO DOMÉSTICO NÃO REMUNERADO?
UMA ANÁLISE DE UNIÕES INTER-RACIAIS NO BRASIL
Resumo
O artigo analisa o papel do trabalho doméstico não remunerado como um ativo negociado dentro das uniões heterossexuais no Brasil, examinando se homens e mulheres diferem no número de horas semanais dedicadas às tarefas domésticas, considerando as combinações raciais dos casais e seu nível de escolaridade. A análise inclui indivíduos brancos, pardos e pretos com idades entre 20 e 34 anos, utilizando dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2015. Para homens e mulheres separadamente, o estudo estima o efeito da composição racial do casal sobre o número de horas dedicadas ao trabalho doméstico não remunerado, por meio de modelos de regressão linear. Os resultados indicam que parceiros de tonalidade de pele mais escura tendem a contribuir com mais trabalho doméstico. Esse padrão é especialmente evidente entre mulheres pretas e pardas em relacionamentos com homens brancos, bem como entre mulheres pretas em uniões com homens pardos. Entre os homens, entretanto, a raça da parceira não influencia significativamente a quantidade de trabalho doméstico não remunerado realizada. Ainda assim, surgem padrões relevantes ao considerar a interação entre raça, escolaridade e raça do parceiro. Os resultados ressaltam que as análises sobre a divisão do trabalho doméstico no Brasil devem considerar gênero, dinâmicas raciais e desigualdades educacionais como dimensões interconectadas que moldam a divisão do trabalho doméstico não remunerado entre os parceiros.
Referências
ABRAMO, Laís. Desigualdades de gênero e raça no mercado de trabalho brasileiro. Ciência e Cultura, São Paulo, v. 58, n. 4, p. 40–41, 2006.
BECKER, Gary S. A Treatise on the Family. Cambridge: Harvard University Press, 1981.
BECKER, Gary S. The Theory of Marriage: Part I. The Journal of Political Economy, Chicago, v. 81, n. 4, p. 813–846, 1973.
BERGER, John. Ways of Seeing. London: Penguin, 1972.
BERQUÓ, Elza. Nupcialidade da população negra no Brasil. Coleção Textos Nepo, Campinas, v. 11, p. 8–47, 1987.
BIANCHI, Suzanne M.; RALEY, Sara B. Time Allocation in Working Families. In: BIANCHI, Suzanne M.; CASPER, Lynne M.; KING, Rosalind Berkow (Org.). Work, Family, Health, and Well-Being. Mahwah: Lawrence Erlbaum Associates, 2005.
BOURDIEU, Pierre. Marriage Strategies as Strategies of Social Reproduction. In: FORSTER, Robert; RANUM, Orest (Org.). Family and Society: Selections from the Annales. Baltimore: Johns Hopkins University Press, 1976.
BRUSCHINI, Maria Cristina A.; RICOLDI, Arlene Martinez. Revendo estereótipos: o papel dos homens no trabalho doméstico. Estudos Feministas, Florianópolis, v.20, n.1, p. 259-287, 2012.
BURDICK, John. Blessed Anastacia: Women, Race, and Popular Christianity in Brazil. London: Routledge, 1998.
CACCIAMALI, Maria Cristina; HIRATA, Guilherme Issamu. A influência da raça e do gênero nas oportunidades de obtenção de renda – uma análise da discriminação em mercados de trabalho distintos: Bahia e São Paulo. Estudos Econômicos, São Paulo, v. 35, n. 4, p. 767–795, 2005.
CARVALHO, A. P. de; NÉRI, M. C.; SILVA, D. B. do N. Diferenciais de salários por raça e gênero no Brasil: aplicação dos procedimentos de Oaxaca e Heckman em pesquisas amostrais complexas. XV Encontro Nacional de Estudos Populacionais - ABEP, 2006.
CHOI, Kate. H.; TIENDA, Marta. Boundary Crossing in First Marriage and Remarriage. Social Science Research, v. 62, p. 305–316, 2017.
COLLINS, Patricia Hill; BILGE, Sirma. Interseccionalidade. São Paulo: Boitempo, 2020.
DAVIS, Kingsley. Intermarriage in Caste Societies. American Anthropologist, v. 43, n. 3, p. 376–395, 1941.
GARNEAU, Stéphanie. Intersectionality beyond feminism? Some methodological and epistemological considerations for research. International Review of Sociology, 2017.
GARCIA, Bruna Carolina. O trabalho doméstico não remunerado no Brasil: uma análise a partir da PNAD Contínua 2019. Campinas, SP, 2021. Tese (Doutorado em Demografia) – Universidade Estadual de Campinas.
GONZALEZ, Lélia. Racismo e sexismo na cultura brasileira. Revista Ciências Sociais Hoje, 1984.
GROSSBARD-SHECHTMAN, Shoshana A. A Market Theory of Marriage and Spouse Selection. In: Meetings of the Population Association of America, Washington, DC, 1981.
GROSSBARD-SHECHTMAN, Shoshana A. A Theory of Allocation of Time in Markets for Labour and Marriage. The Economic Journal, v. 94, n. 376, p. 863–882, 1984.
GROSSBARD-SHECHTMAN, Shoshana A.; NEUMAN, Shoshana. Women’s Labor Supply and Marital Choice. Journal of Political Economy, v. 96, n. 6, p. 1294–1302, 1988.
GROSSBARD, Shoshana; GIMENEZ-NADAL, Jose Ignacio; MOLINA, Jose Alberto. Racial Discrimination and Household Chores. IZA Discussion Paper Series, n. 5345, 2010.
GULLICKSON, Aaron; FLORENCIA, Torche. Patterns of Racial and Educational Assortative Mating in Brazil. Demography, v. 51, n. 3, p. 835–856, 2014.
GULLICKSON, Aaron; FU, Vincent K. Comment: An Endorsement of Exchange Theory in Mate Selection. American Journal of Sociology, v. 115, n. 4, p. 1243–1251, 2010.
GUTMANN, Matthew. A Cultural Genealogy of Machismo: Mexico and the United States, Cowboys and Racism. Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, v. 5, p. 105–139, 1997.
HALLER, Max. Marriage, Women, and Social Stratification: A Theoretical Critique. American Journal of Sociology, v. 86, n. 4, p. 766–795, 1981.
HOOKS, Bell. The Oppositional Gaze: Black Female Spectators. In: THORNHAM, Sue (Org.). Feminist Film Theory: A Reader. Edinburgh: Edinburgh University Press, 1999.
HORDGE-FREEMAN, Elizabeth. The Color of Love: Racial Features, Stigma & Socialization in Black Brazilian Families. Austin: University of Texas Press, 2015.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). PNAD: manual de entrevista: PNAD de 2015. Rio de Janeiro: IBGE, 2015.
JESUS, Jordana Cristina. Trabalho doméstico não remunerado no Brasil: uma análise de produção, consumo e transferência. Belo Horizonte, MG: Universidade Federal de Minas Gerais, 2018. Tese (Doutorado em Demografia) – Faculdade de Ciências Econômicas, UFMG.
LICHTER, Daniel T.; McLAUGHLIN, Diane K.; KEPHART, George; LANDRY, David J. Race and the Retreat From Marriage: A Shortage of Marriageable Men? American Sociological Review, v. 57, n. 6, p. 781–799, 1992.
LONGO, Luciene Aparecida Ferreira de Barros. Uniões intra e inter-raciais, status marital, escolaridade e religião no Brasil: um estudo sobre a seletividade marital feminina, 1980–2000. Belo Horizonte, MG: Universidade Federal de Minas Gerais, 2011. Tese (Doutorado em Demografia) – CEDEPLAR/UFMG.
MARE, Robert D. Five Decades of Educational Assortative Mating. American Sociological Review, v. 56, n. 1, p. 15–32, 1991.
MARTELETO, Letícia; DONDERO, Molly. Racial Inequality in Education in Brazil: A Twins Fixed-Effects Approach. Demography, v. 53, n. 4, p. 1185–1205, 2016.
MEDRADO, Benedito. A masculinidade na propaganda televisiva brasileira. (dissertação mestrado em Psicologia Social). São Paulo: PUC/SP,1997.
MERTON, Robert. K. Intermarriage and the Social Structure: Fact and Theory. Psychiatry: A Journal of the Biology and the Pathology of Interpersonal Relations, v. 4, n. 36, p. 1–74, 1941.
OSUJI, Chinyere K. Boundaries of Love: Interracial Marriage and the Meaning of Race. New York: New York University Press, 2019.
QUINTAS, Georgia. Amas-de-leite e suas representações visuais: símbolos socioculturais e narrativos da vida privada do Nordeste patriarcal-escravocrata na imagem fotográfica. Revista Brasileira de Sociologia da Emoção, v. 8, n. 22, p. 11–44, 2009.
RALEY, Kelly. A Shortage of Marriageable Men? A Note on the Role of Cohabitation in Black-White Differences in Marriage Rates. American Sociological Review, v. 61, n. 6, p. 973–983, 1996.
REICHMANN, Rebecca. Mulher negra brasileira: um retrato. Estudos Feministas, Florianópolis, v. 3, n. 2, p. 496–505, 1995.
RIBEIRO, Carlos Antonio Costa; SILVA, Nelson do Valle. Cor, educação e casamento: tendências da seletividade marital no Brasil, 1960 a 2000. Dados, Rio de Janeiro, v. 52, n. 1, p. 7–51, 2009.
SAMARA, Eni de Mesquita. O que mudou na família brasileira? (Da Colônia à atualidade). Psicologia USP, São Paulo, v. 13, n. 2, p. 27–48, 2002.
SCHUMAN, Lia Vainer. Famílias inter-raciais: tensões entre cor e amor. Salvador: EDUFBA, 2018.
SILVA, Nelson do Valle. Distância social e casamento inter-racial no Brasil. Estudos Afro-Asiáticos, Rio de Janeiro, v. 14, p. 54–83, 1987.
STEEDMAN, Carolyn Kay. Landscape for a Good Woman: A Story of Two Lives. New Brunswick: Rutgers University Press, 1987.
TELLES, Edward E. Race in Another America: The Significance of Skin Color in Brazil. Princeton: Princeton University Press, 2004.
TELLES, Edward E. Racial Distance and Region in Brazil: Intermarriage in Brazilian Urban Areas. Latin American Research Review, v. 28, n. 2, p. 141–162, 1993.
TELLES, Edward E.; ESTEVE, Albert; TORRES, Andrés F. Castro. Black–White Intermarriage in Global Perspective. Demographic Research, v. 49, p. 737–768, 2023.
TOMÁS, Maria Carolina. Interracial Relationships in Brazil: History, Culture, and Wellbeing. In: RAGHUNANDAN, Shivon; MOODLEY, Roy; KENNEY, Kelley (Org.). The Routledge International Handbook of Interracial and Intercultural Relationships and Mental Health. New York: Routledge, 2025a.
TOMÁS, Maria Carolina. Trends in Interracial Unions in Brazil between 2002 and 2022: anything new? Revista Brasileira de Estudos de População, São Paulo, v. 42, p. 1–12, 2025b.
VEIGA, Roberta Mattos. Desigualdades de gênero no trabalho doméstico não remunerado no Brasil: um estudo sobre o uso do tempo. Brasília, DF: Universidade de Brasília, 2019. Dissertação (Mestrado em Sociedade, Desenvolvimento e Cooperação Internacional) – UnB.
WILLIAMSON, Judith. Women Is an Island: Femininity and Colonization. In: MODLESKI, Tania (Org.). Studies in Entertainment: Critical Approaches to Mass Culture. Bloomington: Indiana University Press, 1986.
Copyright (c) 2025 Perspectivas Sociais

This work is licensed under a Creative Commons Attribution-NonCommercial-NoDerivatives 4.0 International License.
Os Direitos Autorais para artigos publicados nesta revista são do(a) autor(a), com direitos de primeira publicação para a revista. Os artigos são de uso gratuito em aplicações exclusivamente acadêmicas e educacionais e, portanto, não-comerciais.
DECLARAÇÃO DE RESPONSABILIDADE E DE AUTORIA
Submetemos à aprovação da Revista Perspectivas Sociais, ISSN 2317-7438, o manuscrito "TITULO" e declaramos que o trabalho é inédito, original e está sendo enviado com exclusividade ao periódico.
Informamos que todos os procedimentos éticos devidos foram observados, não infringindo nenhum copyright ou nenhum outro tipo de direito de propriedade de outras pessoas e todas as citações no texto são fatos verdadeiros ou baseados em pesquisa.
Declaramos que cada autor/a contribuiu substancialmente para a elaboração do esboço, a revisão crítica e aprovou a versão final do manuscrito.
Concordamos em ser responsável por todos os aspectos do trabalho, garantindo à exatidão ou à integridade de qualquer parte da obra.
Declaramos que foram ou não foram utilizados recursos de inteligência artificial para a construção do texto. (CASO TENHA SIDO UTILIZADO ALGUM RECURSO DE IA, INFORMAR SE FOI PARA ESCRITA / MELHORAMENTO DO TEXTO, PRODUÇÃO, ANÁLISE OU GERAÇÃO DE DADOS).
Nome completo do/a autor/a:
Nome completo do/a autor/a:
Nome completo do/a autor/a:
Data: ___/____/____