NOVA CHAMADA DE ARTIGOS: Vol. 27, n° 3

2024-04-26
Em Só há causa daquilo que falha ou o inverno político francês: início de umaretificação, Michel Pêcheux deixa uma via aberta, ao sugerir que “[H]á, talvez, noestudo histórico das práticas repressivas ideológicas um fio interessante a seguir, paraque se comece, enfim, a compreender o processo de resistência-revolta-revolução daluta ideológica e política de classes [...]” (Pêcheux, [1978] 2009, p. 302-303). O estudodas práticas repressivas ideológicas que sugere Pêcheux convoca ao trabalho com oDireito em Análise de Discurso - um trabalho que, ao mesmo tempo, se faz sobre asbases epistemológicas da teoria e sobre a materialidade do discurso. Trabalhoepistemológico e analítico, portanto, com consequências para a prática teórica e para aprática política. A “questão do Direito” é presente no materialismo histórico: está emMarx (cf. Naves, 2014), e foi a “análise do ‘funcionamento’ do Direito” (Althusser,2009, p. 95) que precedeu, em Sobre a Reprodução, as elaborações sobre o Estado, aideologia e os Aparelhos Repressivo e Ideológicos de Estado. O Direito e a ideologiajurídica têm um papel primordial no caminho aberto por Althusser para o estudo dareprodução das relações de produção no capitalismo e da forma sujeito de direito comoforma de subjetividade necessária para garantir essa reprodução. “Sujeitos de direitolivres e iguais para o vínculo de trabalho” (Mascaro, 2013, p. 42) que se caracterizam,contraditoriamente, por “uma vontade sem limites e uma submissão sem falha”(Haroche, 1992, p. 51). A subjetividade jurídica necessária para a reprodução seapresenta como evidência na legalidade das relações institucionais jurídico-burocráticase no juridismo das relações pessoais (Lagazzi, 1988), também constituída pelo jogo dedireitos e deveres entre sujeito, Direito e Estado. Então, também “[P]orque é um temaque abrange acontecimentos que são muito significativos em nossa história” (Orlandi,2022, p. 350), este número da Revista Linguagem & Ensino busca reunir textos que, nasnecessidades e limites das relações entre os estudos do direito e os estudos da linguagem, discutam a questão do Direito na Análise materialista de Discurso. Achamada abrange trabalhos dispostos a empreendimentos teórico-analíticos sobrearquivos jurídicos (cf. Zoppi-Fontana, 2005) em suas diferentes materialidades,inclusive sobre como “discurso jurídico” tem sido estudado na Análise de Discurso.Com este número, então, pretende-se dar lugar a propostas que contribuam paracontinuar pavimentando a via aberta por Pêcheux ao tratar das “práticas repressivasideológicas” e, também, para dar consequência teórica e, sobretudo, política ao quetambém nos disse Pêcheux: “o ‘direito igual’, o ‘Estado livre’, a ‘partilha equitativa’ ...são tão inconcebíveis quanto a famosa faca sem lâmina, à qual falta o cabo (o exemplopoderia ser de Marx ou de Lênin, mas é de Freud)” (Pêcheux, 2014, p. 10).   ReferênciasALTHUSSER, Louis. Sobre a reprodução. Rio de Janeiro: Vozes, 2009.HAROCHE, Claudine. Fazer dizer, querer dizer. Tradução Eni P. de Orlandi. SãoPaulo: Hucitec, 1992.LAGAZZI, Suzy. O Desafio de Dizer Não. 1. ed. Campinas: Pontes, 1988.ORLANDI, Eni de Lourdes Puccinelli. Forma sujeito histórica e sujeito de direito: asbases da sociedade capitalista e os gestos de interpretação. Revista RUA, v. 28, p. 339-351, 2022.NAVES, Márcio Bilharinho. A questão do direito em Marx. São Paulo: OutrasExpressões; Dobra Universitário, 2014.MASCARO, Alysson. Estado e Forma Política. 1ª Ed. São Paulo: Atlas, 2013.PÊCHEUX, Michel (1975) Semântica e Discurso. Uma Crítica à Afirmação do Óbvio.Trad. Eni P. de Orlandi et alii. Campinas: Editora da Unicamp, 2009.PÊCHEUX, Michel (1984). Ousar pensar e ousar se revoltar. Ideologia, marxismo, lutade classes. Trad. Guilherme Adorno de Oliveira. Décalages, v. 1, n. 4, p. 1-22. 2014.ZOPPI-FONTANA, Mónica G.. Arquivo jurídico e exterioridade. A construção docorpus discursivo e sua descrição/interpretação”. In: GUIMARÃES, E.; BRUM DEPAULA, M. R. Sentido e Memória. Campinas: Pontes, 2005.