v. 27 n. 2 (2022): Trabalhadores e Trabalhadoras no Passado e no Presente
Desde que o Núcleo de Documentação Histórica (NDH/UFPel) Beatriz Loner iniciou suas atividades tem como perspectiva estudar o mundo laboral, tanto é assim que serviu como espaço para a UNITRABALHO, nos anos de 1990, justamente quando iniciou seu funcionamento.A partir dessa abordagem foram vários os estudos sobre trabalhadores e trabalhadoras feitos dentro do NDH, muitos deles vinculados às questões raciais, de classe e de gênero ou ainda tendo em vista pesquisas sobre profissões em específico, como motorneiros, estivadores, tecelãs, sapateiros, alfaiates, pescadores artesanais, resultando em publicações de artigos, capítulos e livros autorais, os quais são publicizados em nosso site.A intensificação das análises neste centro de documentação se relacionou ao recebimento de dois conjuntos documentais amplos: o da Delegacia Regional do Trabalho, que abriga cerca de 630 mil fichas de qualificação profissional de várias cidades do RS, as quais eram preenchidas no momento que havia a solicitação da carteira profissional, instituída no Brasil, no ano de 1932, durante o governo Varguista; e o segundo volume foi o de documentos relacionados à Justiça do Trabalho, o qual é composto por mais de 93 mil processos trabalhistas da cidade de Pelotas e região. Todo esse acervo foi recebido em regime de comodato no ano de 2005 e abrange os anos de 1936 e 1998 permitindo estudos sobre temáticas diversas como gênero, saúde e doença, organizações sindicais, greves, dentre outros.Desde 1994, ano de criação do periódico vinculado ao NDH, História em Revista, já se teve alguns volumes que se preocuparam com a temática, seja através da publicação de artigos, instrumentos de trabalho ou ainda entrevistas realizadas com a metodologia da História Oral, através do diálogo com trabalhadores e trabalhadoras de diferentes ramos.Este volume, em especial, tem a perspectiva de trazer novos estudos sobre o tema e, por isso, se intitulou: “Trabalhadores e Trabalhadoras no passado e no presente”. Traz, em seu interior, seis artigos para o dossiê, os quais enfatizam diferentes análises sobre o mundo laboral. Três deles se relacionam a uma perspectiva de estudos vinculados à pós-abolição: o artigo Combate à carestia nas páginas da Imprensa Negra, de Liana Severo Ribeiro, analisa notícias do jornal O Exemplo, entre os anos de 1917 e 1919, enfocando como era difícil para a população trabalhadora mais pobre ter acesso aos direitos básicos; Trabalhadores e repressão no Pós-Abolição em Alegrete/RS, de Guilherme Vargas Pedroso, tem como fontes documentações hospitalares e da cadeia municipal e busca perceber as políticas de repressão aos trabalhadores na tentativa de se estabelecer um “pretenso” ordenamento social e Trabalhadores negros criam união familiar: revivendo o mais antigo clube social negro de Santa Maria/RS, de Franciele Rocha de Oliveira, aborda, a partir de uma ampla documentação, a trajetória de uma associação negra relacionada às dinâmicas familiares e trajetórias profissionais.Os outros três textos possuem temáticas mais diversas. Este é o caso de “Maçaroca” Desigual: a luta de tecelãs da Companhia Fiação e Tecidos Pelotense pela remuneração estabelecida por lei na década de 1940, de Taiane Mendes Taborda, que trabalha com processos trabalhistas para discutir se a lei do salário-mínimo trouxe vantagens às operárias. Ainda há um texto sobre o Trabalho nas fazendas de cacau: na costa do Ouro (Gana) e no sul da Bahia (1920-1945), de Luciane Aparecida Goulart e Flávio Gonçalves dos Santos, que busca, através da história comparada, verificar as condições laborais destes trabalhadores, em diferentes contextos. E, por fim, há o artigo “Minha Gente, vamos todos reclamar”: as demandas da classe trabalhadora de Florianópolis em A Verdade (1952-1960), de Jéssica Duarte, o qual aborda as reivindicações de operários urbanos, tendo em vista reclamações postadas em um jornal da cidade.Três outros textos compõem este volume: As memórias e sociabilidades dos imigrantes brasileiros em suas chegadas e primeiros tempos em terras paraguaias, de Vanucia Gnoatto, observa, por meio da história oral, o estabelecimento dos imigrantes brasileiros, nos departamentos paraguaios de Alto Paraná e Itapúa, bem como, investiga a criação de redes associativas e a construção de laços de sociabilidade; Saúde e Gênero: o enfrentamento citadino às epidemias na era moderna lusitana e a representação do corpo da mulher, de Audrei Rodrigo de Conceição Pizolati, tem como objetivo observar as epidemias na Portugal dos séculos XVI e XVII, com ênfase na atuação da Santa Casas de Misericórdia e no corpo feminino, a partir de uma perspectiva foucaultiana e Sistema de padroado na Comarca do Serro do Frio: a atuação do Padre Simão Pacheco na paróquia de Nossa Senhora da Conceição da Vila do Príncipe, Minas Gerais, 1723-1776, de Danilo Arnaldo Briskievicz, analisa, por meio de investigação bibliográfica e documental, o sistema do padroado real na igreja de Nossa Senhora da Conceição da Vila do Príncipe da Comarca do Serro do Frio, entre os anos de 1723 e 1776.Esperamos que a leitura do dossiê traga novos olhares sobre um campo que, embora tenha muitas produções, precisa ser constantemente pensado, especialmente em um momento em que trabalhadores e trabalhadoras têm seus direitos constantemente atacados, seja por mudanças na legislação, seja pela informalidade de muitas relações de trabalho. Que o olhar da História, sempre muito preciso, nos traga possibilidades de, com estudos sobre o passado, continuar resistindo, na perspectiva de se construir um futuro mais justo, no qual as pessoas possam trabalhar e viver com dignidade. Inverno de 2022. Lorena Almeida GillTamires Xavier SoaresMicaele Irene Scheer
Publicado:
2022-07-11