Quando a festa do performativo acaba
a insolência e a promessa como modos de escuta discursiva do jurídico
Resumo
Ancorados na Análise do Discurso materialista, propomos descrever como a falha constitui o performativo jurídico, tomando as noções de acontecimento da insolência (Benayon, 2021) e promessa discursiva (Anjos, 2021). O imaginário de cientificidade do discurso jurídico falha na impossibilidade de aplicação objetiva da lei e na constituição do seu código. Analisando a entrevista concedida por Mirtes, mãe de Miguel, menino morto após ser abandonado pela empregadora Sari Corte Real, observamos a cobrança pelo cumprimento da promessa por justiça, a partir do argumento de que a lei é para todos, uma exigência que atesta para o fato de que o dizer do Estado não se converte em fazer. A insolência encontra a promessa na demanda por seu cumprimento. Cobrar o que foi prometido, mas que não é cumprido, tensiona a configuração da formação social, abrindo para o alhures, que pode transformar os rituais performativos do jurídico.Downloads
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